DESENHO DO TEMPO Bruno Machado
Durante a travessia, dormi e tive um sonho. Estava perdido em um deserto, olhando em volta com a esperança de pedir ajuda, caminhei um pouco e encontrei o Deus Tempo. Gentil e receptivo, parecia estar me esperando há muito. Logo após o cumprimento, caminhou com seu bastão e se sentou numa rocha em meio às dunas de areia. Ali, ele iniciou um desenho. Linha após linha, o meu destino foi traçado no solo sagrado do deserto. Enquanto realizava a vagarosa tarefa, aconselhava-me sobre o que viria a seguir. Disse que teríamos que ser fortes, o futuro imediato não nos era promissor, mas que, assim como ele, saberíamos como lidar com tudo e todos. Por meio de suas palhas, não era possível ver seu rosto, apenas sua voz calma e seu gesto amigável. Parecia que a eternidade estava ali, disposta a ele, dada a vagareza do seu trabalho. O pior é que estava mesmo. Sentei-me ao seu lado e tentei observar o desenho. Sem tirar os olhos do chão, ele disse: —Não olhe. Não estrague a surpresa, já estou terminando. Então, levantei e senti uma brisa marinha em meu nariz. Sentei dessa vez em sua frente, com o desenho entre nós. Tentei mirar seu rosto e ele me disse: —Se olhar nos meus olhos verá o eterno do tempo, desde o princípio de tudo. A sua incompreensível grandeza pode lhe fazer mal, por isso não olhe. E pude ouvir um canto de pássaros. Aborrecido e inquieto, lhe perguntei: —Para onde devo olhar, então? Desenha o meu destino de forma tão vagarosa, me diga para onde olhar, o quanto antes eu quero ver o meu desenho! —Não há o que olhar hoje, o agora não será nada bom, mas o amanhã lhe trará a glória perdida. Despertei. Acorrentados, chegamos do outro lado do Atlântico. 53