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Cura Cristalina
CURA CRISTALINA
Ináira Gomes de Oliveira
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Tem água que se mistura com um montão de terra, Se espalha e se expande, forma lama, corre pra baixo e vira mangue, Tem caranguejo, aratu, guaiamum e muita vida pulsante, O que sai do mangue é terra, que se molda com água e se torna [cicatrizante.
Pode passar no rosto, no corpo e até no cabelo, Pode fazer vaso de flor, filtro e miçanga brilhante. Do barro eu vim e a ele retornarei. Salubá, Nanã! Modupé pelo conhecimento guardado na cabaça, no [fundo desse mangue.
Tem água com gosto de sal que lá na pedra bate, Enche a terra com areia e búzios por toda parte. Serve pra limpar, nutrir e amamentar, Nos revigora de energia boa, e os seios ficam a transbordar. Se teu choro é doído, chama pela rainha do mar, Iyá Iemanjá! É ela quem pode te acalmar.
Tem água que é suave, doce feito o mel, Dourada e brilhante, espelho da imagem do céu, Até o sol parece criança, ansioso pra brincar na cachoeira, Forma um majestoso arco-íris, com Iyá Ósun colhendo Lírios na beira. Quando o mundo era quentinho e fomos peixes por este momento, O corpo vivia úmido, comendo e dançando junto. Sentindo o mundo de dentro, esperando o dia da luz que abençoa [o nascimento.
Tem água que escorre do céu e tem água que escorre da gente, Nada melhor do que a chuva pra aliviar um dia quente, Passarinho toma banho no galho e a horta fica verdinha,
Aquela mágoa guardada, é chorar que alivia. Até no vento tem água, boa pra respirar, Enche a folha de orvalho e carrega nota de flor pelo ar.
Tem água que sai da terra e também que passa por rocha fria, Água boa é do poço, sai filtrada e pura. Ouço estórias ancestrais, que quem beber dessa água diariamente, Se torna um cristal de cura.
Tem água dentro da gente e se balançar cai, se rebolar, mistura. É água que sai limpando e deságua em suor quente, Tem água que saliva o doce e tem água até na mente, É tanta água que vaza, que se espremer, só ficam os ossos aparentes.
É tao bom lembrar da água, mas preciso comentar, A de beber não chega para todos E apesar de tanto imposto, baldes carregados com esforço, Carro pipa não desce a ladeira e só chama se pagar. Isso é tão desigual e eles acham que a gente não pensa, Que a água só chega quando chama a imprensa. Não se pode beber do poço ou nascente, A poluição deixa rastros pesados nas águas e no corpo da gente.
O fedor do esgoto contamina e a gente nem se lembra, Que ali ainda mora um rio, esperando pelo tratamento adequado, Ser morada da vida e o que lhe é de direito: Limpo, desobstruído e espiritual, voltando a ser um espelho dourado.
É de uma maldade tremenda barrar o acesso à praia, Botar construção no meio e catraca na entrada. Riqueza natural, que até para lazer é negada, Tirem nossas praias do contrato, da sua especulação imobiliária.