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Não Sou Eu uma Mulher?
NÃO SOU EU UMA MULHER?
Ananda Sandes
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Ora erva, hera, brota frutos como a primavera Arou, plantou, cozinhou, plantou, limpou pocilgas com porcos fora Forma física atravessada pela dor e a fraqueza da mente do homem, [enfim Ninguém se iguala a força, fora da forca, da mulher preta que tem a si E o que falar do açoite? De dia, de tarde, de noite Das crianças que pariu, da pátria que os vendeu Inaudível choro não permitido do útero Pólvora da cristandade que a feriu na contramão: Fé que ampara ao mesmo tempo que desacata!
Não sou eu uma mulher?
De onde, então, veio o menino Jesus interino Se não pelo útero da transa de Maria consigo Já que Deus não pôde ouvi-la, apesar de onipresente?
Ainda assim, não sou eu uma mulher?
Até Eva, nada de tola, preferiu a encruzilhada que Deus não criou E criada por Deus, decidiu não ser sua criada Pôs sozinha o mundo de cabeça pra baixo Podendo ela mesma colocá-lo no lugar
Mas… não sou eu uma mulher?
Obra irmã-prima da natureza Em descuido “humanístico” das verdades incertas É rio, é mar, é terra, que mesmo poluída Se regenera ao ponto de nunca ser só pedra
O adjetivo dejeto masculino não autônomo Depende do “eu/meu falo” enquanto ela fala, age, brada Palavra que fica, silêncio transforma em revolta da sina
Não sou eu uma mulher?
Se há murmúrios, cochichos, vaias com tons de cor É porque está na crença, no rebaixo da carência De quem não tem resistência para sangrar todo mês Sangrar junto ao filho, sem apoio ao lado, hiato comum Sangrar no silêncio que refoga, ferve, grita Pois é uma cobra de avental e agita qualquer circunstância atípica
E aí… não sou eu uma mulher?
Seja vaca, galinha, objeto indireto do avesso de quem não consegue ser Do óvulo, ovo, leite, diz Lucinda, o homem precisou para crescer É um desacato, ato falho, não nomear sua autoridade Os autoritários até dizem que é Amélia, a mulher de verdade Por isso reitero por inteira e retifico:
Não tem teoria que ponha em prática O princípio, meio e fim do mundo Só(mente) a mulher negra é baluarte do que nos serve Tem o poder de realocar o que lhe concerne E para terminar versando o que nunca foi breve Mulher negra resiste, reinventa seu cerne