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Verdadeiramente Livre
— Pra que? Você quer realmente saber se eu fiz algo de errado ou só está curioso em saber como isso tudo aconteceu e vocês não me notaram?
Enfurecido, o chefe cerra seu punho partindo em direção ao jovem – Ah, seu desgraçad…“vooshh!”. Soaram os papéis, empurrados pelo forte vento que entrara pela janela aberta da sala. — Mas que porra, Eduardo! Quem mandou você abrir essa
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janela?
— Mas senhor, eu estava aqui do seu lado o tempo todo!
E, então, sentado na cadeira do chefe de segurança do Shopping, com um copo de refrigerante na mão aparece, repentinamente, o jovem falando: — Bom, acho que aqui era o último local que da minha lista.– E desapareceu.
Foi na manhã de um domingo, em que Diego estava correndo atrasado para sua prova de vestibular. O jovem negro, morador do bairro de Canabrava, estava lutando contra o tempo, pois havia pegado o ônibus errado para chegar na prova que decidiria seu ingresso na faculdade. Mas como ele tinha se esforçado para esse momento! Tudo o que passava pela cabeça daquele rapaz era que o tempo fosse seu amigo e que desacelerasse! E foi o que aconteceu. Momentos antes das entradas serem fechadas, o aluno, antes desesperado, viu o movimento das portas paralisando em sua frente, permitindo sua entrada nos últimos instantes no local da prova.
Após sair da prova, o vestibulando menos ansioso não podia deixar de pensar se aquilo foi real ou apenas uma ilusão. Teria o tempo ao seu redor parado de alguma forma? “Não. Com certeza foi só a generosidade do porteiro” ele pensou. Mas e se?
O jovem então, em vez de tomar o ônibus direto para casa, preferiu escolher o da rota pela Orla da cidade. Chegando na Barra, Diego observou um restaurante próximo a praia. Um restaurante de frutos do mar chique e que sempre observara. — Será que consigo mais uma vez? – Pensou fechando os olhos.
E então, mais uma vez, o ônibus em movimento parou subitamente e o tempo se tornou seu servo. Diego pulou a janela do
ônibus, que agora estava congelado. Assim como todas as pessoas e o próprio trânsito. Diego adentrou o restaurante e observou o mar de uma vista que nunca sonhara ver. Provou de alguns pratos dispostos sobre a mesa da cozinha, o gosto de camarões que nunca imaginaria saborear.
Diego sabia que, ao contrário do vestibular, independentemente do horário, nunca iriam o deixar entrar naquele restaurante. A regra, apesar de não ser explícita, era de conhecimento geral da sociedade. Seu cabelo crespo, sua roupa amarrotada, o lugar de onde vinha, a falta de poder aquisitivo e a cor negra de sua pele sempre seriam empecilhos para ele. Nunca nem tentou, pois não queria saber qual desculpa esfarrapada dariam para impedir sua entrada. Mas, agora, Diego era verdadeiramente livre! Em nenhum espaço ele teria mais a sensação de estranho no ninho.
Foi assim que Diego listou todos os lugares que sabia que sentiria medo de ser discriminado. Em sua lista, uma infinidade de locais nunca antes visitados como lojas de jóias, hotéis de luxo, camarotes de estádios de futebol e até hospitais particulares. Mas, ainda restava um local que o deixava com a pele arrepiada.
Durante a adolescência, Diego sempre imaginara o que aconteceria se fosse acusado injustamente de um crime. Já tinha visto diversas cenas de jovens negros sendo arrastados pelo shopping pelos seguranças. O que faziam com eles depois que sumiam aos olhos da população? Independente de confirmar a brutalidade que já suspeitava, Diego continuou, pois com seus poderes sabia que não estaria impotente nessa situação.