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O verso que não coube no poema

O VERSO QUE NÃO COUBE NO POEMA

Ananias Serranegra

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Pari pelo cu coisas que desenharam fonemas Saiu a rasgar as pregas, inflamar a dor. Não foi correndo implorar gramas de amor Reteve-se, no tempo imediato dos poemas.

Remoeu do cólon a caminho do reto Para dali expelir seus espólios fedidos De devaneios que acumulam perdidos A fugir do canal poluído do inseto.

Nasciam de mim, palavras em relevo É a costura da pele que agora habito No hálito sinto o gosto amargo, um grito

Da garganta que inflama enquanto escrevo. É que o verso saiu daqui, do erro do português Das palavras que atravessam a avenida.

Nasce no furo do peito com a bala perdida Gírias que rasgam teus sonetos, freguês. Não cabem nas bermas de asfalto e mapa Nas gramas regradas das sílabas poéticas.

É dado às rimas pobres, às falhas métricas. Não vale o sereno louvor do papa Que também Francisco borda toalha Nas sombras frescas dos quintais.

E nossos corpos jogados nas catedrais A verter o sangue na cruz da navalha E nos beirais não morre Chico, morre Dandara.

Morrem velhos, nas ruas outras tão novas O meu poema são essas dores, essas covas De estrofes livres que não se escreve para Yara

E nos palcos águas fenecem ao fino fio Da Canastra. Irati seca as vistas e morre É que poema não tem espermatozoide Pra dele fecundar seus olhos de rio

Mas do que vale meu urro, o grito soluço Se no cais declamam poetas de bem? A caneta é navalha a singrar a carne refém. O corpo arrisca, entra na estatística dos cis-temas

Do que vale os pedidos de socorro, os poemas?

O que me escapa os lábios são rimas em asmas Enquanto oram pela nossa morte de mãos dadas Despejam escárnio em boca nua nas calçadas

E quem velará meu corpo, meus fantasmas? É que vejo a mim mesmo nas macas dos hospitais No vidro 3x4 das caixas de engavetamento

Na sepultura, nas flores, no fim do tempo Nas câmaras frias de tortura e gás. Ai! Tem hora que o músculo enrijece E os olhos não choram os calos do dia

Os sorrisos são rastros de apenas fantasia De alguém que aos poucos fenece. Ai! Os sentimentos ficam como quem adormece É que a luta corta a gente do punho pra cima

De peito aberto a rasgar o mundo e sugar como ímã Pai! Não feche os olhos, escuta essa minha prece: Construa-me inteiro de flor, poesia e cal.

Que eu prefira os pés descalços nas estradas As crianças que choram herméticas nas calçadas Que eu seja etérea, rascunho e gotas de sal.

Que os gritos que me comem na rua Sejam alimentos da minha primavera Que a cada soco seja plantado uma quimera E eu me construa de retalhos em ode a cura.

Nossa Senhora das Dandaras, olhai por nós! Que do meu peito floresça apenas alegrias E que estanque as feridas, as sangrias Para que nas noites de lua não estejamos sós.

E quero ver quando essa voz enfraquecer Quem se lembrará? E quero ver quando o sol amanhecer Quem me responderá? E quero ver quando mais um perecer Quem chorará?

As minhas mãos, frias e tolas a escrever As cruzes cerradas sem frases, nomes ou história As velas que se apagam com os ventos da memória.

A poeira do tempo, as cinzas a acolher Pois há estrofes que cabem nos poemas E há poemas que cabem em nossas almas

E há almas que vivem, outras são só excremento Mas mesmo que sangre, farei do meu corpo Meu próprio rebento.

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