NO TORORÓ
Ana Kézia dos Santos Nascimento
– “Fui no Tororó beber água e não achei, achei bela morena que no Tororó deixei” – cantou Beto, pegando Ainá pelo braço e a girando como se estivessem em um baile na sede da irmandade. – Você é essa morena, Ainá! Gargalhou como se a letra nunca tivesse feito tanto sentido. – Epa! Morena, não! Ainá parou no topo da ladeira da Brasília, interrompendo a cantoria. Com a mão na cintura, como era de costume, guardou um sorriso que estava prestes a surgir. – E você é o quê, então, Ainá? – Preta! Sou preta. O sorriso que surgiria no rosto de Ainá surgiu no rosto de Beto, mas não era o mesmo sorriso. Havia ali um certo desdém. – Ah, Ainá, já não basta as minhas redes sociais cheias desse discurso, ainda tenho que escutar você? É só uma música infantil! Não complica as coisas. Não seja mais uma chata. A ladeira nunca pareceu tão alta para Ainá. Uma vertigem tomava sua cabeça. Um frio atravessou a sua espinha por alguns segundos. Suas mãos suaram e não foi por causa dos 32º que faziam naquele dia. Era nervoso, Ainá sabia. Mas por que sua mão suava? Por que seu coração acelerou? Não fazia sentido. Ela estava exagerando? Era só uma música? Por que interromper a cantoria do amigo por causa do que ela acreditava? Não havia necessidade. Ele não entenderia mesmo. Não entenderia que a identidade do povo preto foi negada e silenciada. Não entenderia que, por muito tempo, o termo preto foi usado para ofender, mas que agora era motivo de orgulho. Ele não entenderia o processo doloroso até ela aceitar a sua cor. Não entenderia que ela precisou usar aqueles produtos que vendiam na revista da tia para clarear a pele. Alguns ardiam e criavam manchas, ele 31