Luana Rayol
Quando dei por mim, tia Mônica ainda preparava-se para o parto e Candinho, que porventura encontrava-se em casa, olhou-me incrédulo, apreensivo. Por que não
O passado da mãe
pude segurar mais alguns dias? Me perguntava. Cândido poderia até ter arranjado algum dinheiro…
Aos dez anos de idade perdi meus pais,
As dores do parto já se anunciavam, porém tudo foi muito rápido. Minutos antes estava cosendo uma
foi um sentimento muito incomum para
fralda e agora olhava, nos braços de tia Mônica, a
mim, uma criança. Achava que já havia
criança mais bela que já vira e que jamais teria a
presenciado dores grandes como essa,
chance de usá-la. Ouvi seu choro, um alívio. “É um
mas claramente estava errada. Antes de
menino”, disse titia entregando-o em meus braços cansados. O apreciava envolvido em meu colo, ele se
os meus pais falecerem de tuberculose,
acalmara, seus olhos fechados e sua minúscula mão
eu trabalhava em uma fazenda de trigo
repousava em meu seio. Enquanto lágrimas escor-
para ajudar a manter a casa com eles,
riam pelo meu rosto, já molhado de suor, tive certeza de que admirava a coisa mais preciosa desse mundo.
não era remunerada o suficiente, mas
Dava de mamar enquanto Candinho e tia Mônica
pelo o menos ganhava o necessário para pôr comida na mesa.
acompanhavam atentamente cada movimento do bebê. Sabia que, quando aquele momento acabasse,
Depois que meus pais morreram minha tia chamada
um deles o levaria de mim. Apertei-o com mais força,
Mônica ficou com a minha custódia, já que ela era
mas não adiantou, ele adormeceu. Logo o senti
minha parente mais próxima, não era o que eu bem
sendo levado dos meus braços, seu peso diminuía
queria ou esperava, mas naquela época eu não esco-
mas a força que fazia para tentar mantê-lo perto
lhia nada, só aceitava.
de mim aumentava. Sabia que precisava deixá-lo ir, que poderia o machucar, mas não conseguia. As
Minha Tia não era exatamente aquela pessoa
lágrimas me bloquearam parte da visão e os soluços
adorável que aparentava, ela conseguia ser bem
me fizeram fraca. Senti um braço sobre meus ombros
inconveniente às vezes, nunca apoiou nenhum dos
que me impedia o movimento. Ouvi a porta do celeiro
meus relacionamentos e um de seus piores medos
bater, seu barulho ecoou no cômodo e pela minha
era descobrir que eu havia engravidado, ela sempre
cabeça só passava a imagem das malignas mãos
me falava que, se em algum dia eu engravidasse,
que o tomaram de meu colo. Reconheci, então, a voz
por mais que ela gostasse de crianças, ela iria me
de tia Mônica que sussurrava ao meu lado que tudo
expulsar de casa, não só pelo trabalho de cuidar de
ficaria melhor. Logo compreendi, fora Cândido quem
um recém-nascido, mas sim pelos altos custos de
tomara a criança de mim.
68