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Maria Eduarda Santos Costa Um pai sem mãe

Maria Eduarda Santos Costa

Um pai sem mãe

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Em minha pobre vida, sentia carência de várias coisas, a minha pior e mais horrenda foi a minha carência por estabilidade, eu não conseguia ter um emprego fixo. Tudo começou comigo querendo aprender tipografia, desisti quando percebi logo cedo que eu precisava de algum tempo para compor bem, e que ainda não ganharia o bastante. O comércio me chamou a atenção logo depois, era uma carreira boa e com algum esforço consegui entrar de caixeiro para um armarinho. Porém com a obrigação de atender e servir a todos feria o meu orgulho, o que me fez desistir depois de cinco ou talvez seis semanas. Fiel de cartório, carteiro e outros empregos, todos deixados por mim depois de muito pouco tempo.

Então eu conheci a Clara e quando me vi apaixonado por ela fiquei ainda mais determinado, ou desesperado, para procurar um emprego, acabei resolvendo trabalhar no mesmo ofício de meu primo, quem estava vivendo de favor. Ser entalhador não parecia ser muito difícil, ainda mais quando já tinha aprendido certas coisas, mas tudo se arruinou quando eu não fui paciente o suficiente para aprender bem, assim só me restando garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. No final acabei desistindo e decidi só voltar a trabalhar quando me casasse com Clara, o que não demorou muito para acontecer.

O nosso casamento foi a mais bela festa, os amigos de Clara, acredito que menos por amizade que por inveja, tentaram fazê-la desistir do casamento admitindo que a nossa relação seria uma bagunça, Clara e eu apenas ignoramos.

Depois do casamento tudo se seguiu bem, eu e Clara, junto com sua Tia Mônica, estávamos felizes, nós nos entendemos e rimos sem esforço algum, nós poderíamos não ter muito do que comer, mas pelo menos estávamos felizes e mais, queríamos um filho.

Um dia nossos sonhos se realizaram, estávamos esperando um bebê e enquanto eu e Clara riamos de felicidade com a notícia Tia Mônica ficou desorientada.

Depois que soubemos da notícia eu e minha esposa estávamos trabalhando duro para conseguir dinheiro para o nosso filho, principalmente Clara que além de costuras para vender também costurava para o nosso filho. Tia Mônica mesmo que de má vontade nos ajudava, mas ainda conseguia tirar tempo para falar mal do meu ofício.

— Vocês verão a triste vida, suspirava ela

— Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara

— Nascem, e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco…

— Certa como?

— Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem,

gasta o tempo?

Sabendo dessa conversa, tentei confrontá-la e explicar-lhe que nunca ficou um dia sem comer, enquanto ela continuava refutando meus argumentos.

— Que quer então que eu faça, além do que faço?

— Alguma coisa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo… Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu, é vaga. Você passa semanas sem vintém

— Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.

Assim como ofício de entalhador de vários outros, sendo eles melhores ou piores, eu desisti de todos eles até achar um que finalmente me chamou a atenção. Pegar escravos fugidos me trouxe um encanto novo. Eu não precisava ficar horas sentado fazendo sempre a mesma coisa. Esse ofício só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Eu lia os anúncios, copiava os no meu bloco de notas e já saia os procurando, o que não levava muito tempo. Era preciso muita força, assim como muita habilidade. Mais de uma vez, a uma esquina, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que estava fugindo, quem era, o nome, o dono, a casa e a gratificação.

Um dia os lucros começaram a escassear. Os escravos fugidos já não vinham como antes. Havia mãos novas e hábeis que faziam o trabalho melhor que eu. Minhas dívidas começaram a subir, a vida ficou mais dura e difícil.

Eu sinceramente não aguentava mais o meu ofício e queria trocar o mais rápido possível, mas eu não conseguia achar um negócio que se aprendesse depressa, pela primeira vez eu fiquei preso em um emprego.

Quando Clara já estava do oitavo para o nono mês de gravidez, que tudo ficou ainda pior a ponto de Tia Mônica ter uma idéia terrível, levar o bebe para à Roda do enjeitados. Eu não pude acreditar em suas palavras, não existia coisa mais dura do que pensar em tirar a criança de dois jovens pais que queriam uma criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular. Não tinha coisa mais dura.

Tudo piorou depois que o dono da casa, com três meses de aluguel atrasado, bateu em nossa porta nos apenas cinco dias para pagar tudo que devemos. Sai logo de casa para tentar pelo menos uma pequena quantia de dinheiro mas sem sorte, ao fim dos quatro dias fomos expulsos.

Depois de expulsos nós só não fomos morar na rua por causa de Tia Mônica, que conseguiu deixar nós três morando de favor na casa de uma velha rica, infelizmente isso não durou muito tempo e logo tivemos que viver em favor de outras pessoas. No meio dessas mudanças meu filho nasceu e ao mesmo tempo em que fiquei feliz também fiquei triste, já que Tia Mônica ainda não havia mudado de ideia e depois de muito falar me fez concordar em dar o meu filho para a Roda na noite seguinte.

Na noite daquele mesmo dia ainda olhei as minha notas de escravos, onde o fugitivo de mais valor era uma mulata aparentemente grávida, no começo pensei em abandonar o caso mas depois que olhei melhor a quantia que ganharia já me animei e na manhã do dia seguinte me pus a procurá la.

Sem sorte, voltei para casa desolado, quando cheguei ainda tentei convencer Tia Mônica a não fazer isso mas já era tarde demais, pedi que pelo menos me deixasse segurar meu filho uma última vez, que foi prontamente concedido, peguei meu filho no colo e saí de casa