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Ana Carolina Barbosa Nunes Mãe contra pai

Ana Carolina Barbosa Nunes

Mãe contra pai

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Sei o que vai acontecer comigo se descobrirem o que eu fiz… Mas não queria voltar para aquele lugar em que me maltratam, me humilham, castigam e sou obrigada a satisfazer o desejo de meu senhor. Tenho muito medo e esse medo aumentou quando descobri que estava grávida.

No início não acreditei que estava com um ser dentro de meu ventre, vi os sinais, mas neguei a mim mesma. Aquilo não poderia estar acontecendo comigo! Depois que tudo aconteceu, não ia suportar mais essa. Comecei a tremer e entrar em pânico e agora o que ia fazer? Pensei em matá-lo, mas a covardia venceu, tinha que pensar e rápido. Foi quando ouvi outros escravos falando que iam fugir do nosso senhor, eu criei coragem de fugir junto e consegui escapar. Mesmo assim, não consegui sentir felicidade, pelo contrário, fiquei angustiada, com medo de ser pega e me entregarem.

Depois que me acalmei comecei a reparar na cidade ao meu redor, durante toda a minha vida só conheci o casarão e a senzala, não sabia que existia um mundo além do que conhecia e que ficava a poucas distâncias de onde passei a minha vida toda. São tantas pessoas circulando para lá e pra cá e lugares tão diferentes para conhecer. Fiquei um bom tempo olhando e maravilhada com tudo aquilo. Até que voltei à realidade, se ficasse muito tempo ali as pessoas poderiam me notar, precisava de um abrigo e comida.

Antes de dormir me veio à mente de novo, as piores lembranças que passei com o repugnante pai da minha criança, quando me comprou como se eu fosse um objeto, os momentos em que me deixava dias sem comer, me castigava e o pior deles, que me violentou. Lembro exatamente do dia em que fui jogada, arrastada para aquele quartinho minúsculo às escondidas. E agora uma parte daquele homem que mais odeio, está dentro de mim. Ele nunca vai aceitar a coisa que está dentro de mim e vai matá-lo e me culpar por tê-lo. Comecei a chorar, dormir com os olhos cheios d’água.

Conforme o tempo, minha barriga foi crescendo e eu a odiando cada vez mais, tinha pensado em deixar em uma porta do orfanato, mas quem iria querer uma pessoa negra para criá-la e tratá-la como filho!? Foi aí, que me deparei com o seguinte pensamento, ele não teria ninguém, somente a mim e eu só teria ele. Poderíamos ser uma família e ter um ao outro para cuidar. Minha mãe e meu pai já morreram, faz muito tempo que estou sozinha e durante os meus pensamentos percebi que não estava mais com ódio ao ver minha barriga. Senti esperança ao saber que meu filho não seria escravo e não iria deixar ninguém machucá-lo. O ser que está dentro do meu ventre é igual a mim, não tem nada a ver com o monstro do seu pai, vai nascer de uma escrava e não vai ter os mesmos direitos de seu pai.

Vou conseguir um lugar estável para meu filho, pois não poderia ficar mais com aquelas lembranças do passado, ele ia continuar me forçando a tais ações,

nada e ninguém ia fazer ele parar.

Choro muito quando penso no meu passado e fico aflita quando penso no meu futuro. Peço todo dia para Oxalá, para que eu consiga criar meu bebê longe daqui.

Por um bom tempo consegui me alimentar de restos de comida, mas sempre ficava mais esfomeada, pois tinha dias que achava mais restos e dias que não achava nada.

Comecei a ficar desesperada ao ver folhetos por toda a parte com meu rosto e com uma oferta de grande quantia para quem me capturasse viva e levasse de volta para meu patrão. Não queria nem pensar em quais torturas ele me faria, se eu voltasse. Aquele carrasco faria de tudo para me ter de volta. Odeio minha vida, a única força que tinha, para não fazer nada precipitado é meu filho, só por ele que ainda continuei aqui, ele é a minha luz.

Tem dias que olhei para minha barriga e solto um sorriso e existem dias que isso me fazia lembrar o horror do ato brutal que passei, isso me fazia vomitar e ficar nervosa.

Foi quando me lembrei de que minha mãe tinha uma amiga que morava longe daqui, em uma casa na zona rural e eu poderia criar meu filho lá e trabalhar para pagar a hospitalidade. Tomara que eu consiga chegar lá e que ela me aceite, tive uma sensação que nunca senti antes, precisava chegar rápido, pois havia cada vez mais folhetos espalhados sobre mim e também capturadores de escravos, não podia ficar nem mais um segundo ali. Foi quando escutei meu nome:

— Arminda! — uma voz grossa falava meu nome.

Olhei e vi que era um homem mestiço, mais para branco do que para negro. Ele me agarrou e foi aí que compreendi o que tentava fazer. Queria gritar, mas logo sabia que ninguém ia socorrer uma escrava.

Tentei explicar para ele que estava grávida, para ter piedade de mim, que seria sua escrava, mas nada adiantou, vi nos seus olhos que estava decidido. Mesmo assim falei que meu senhor era muito mau e que me castigaria, eu ia lutar e lutar pela vida do meu filho, nem que precisasse ajoelhar e ir arrastada.

Infelizmente não adiantou, caí no chão aos prantos e relembrei novamente o rosto da pessoa que mais desprezo em toda minha vida, meu dono. Ele deu cem mil réis para o mestiço, depois me olhou e deu aquele sorrisinho de lado, sinalizando que aqueles sofrimentos, castigos, estupros iam continuar e que nunca ia me deixar fugir de novo.

Apesar de relutar, não consegui segurar meu filho e abortei. Chorei muito… foi como se todas aquelas esperanças de criar um futuro com meu filho desabassem por completo, comecei a tremer, eu paralisei. Senti como se eu fosse a culpada por meu filho estar morto em minha frente e meu corpo começava a jorrar muito sangue, parecia que eu tinha perdido meu corpo por completo. Comecei a negar a mim mesma, aquilo não poderia estar acontecendo comigo. Meu pior pesadelo se tornou realidade, minha criança estava morta, meu patrão estava na minha frente segurando um chicote na mão.