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Iolanda Magalhães Blanco Pai contra mãe

Iolanda Magalhães Blanco

Pai contra mãe

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Estávamos todos reunidos, alegres, Clara tinha nosso filho em seus braços, chorava de felicidade pois não teria que se despedir do mesmo. Abraçava-o com vigor, as lágrimas contornando o nariz, sem conseguir conter a emoção, apertando-o quase como se quisesse espremer aquela pequena criatura de amor. Sabia que essa euforia toda seria passageira, logo o dinheiro da captura de Arminda se esgotaria, e tia Mônica estaria no meu ouvido novamente, dizendo que o menino teria que ir.

Mônica não estava totalmente errada, precisávamos recuperar a casa e eu devia trazer o mínimo de estabilidade para a minha família. Meu filho, mal havia chegado nesse mundo e já quase tivera que me despedir dele, nem nome ele tinha ainda. Graças ao bom Deus o dinheiro chegou a tempo, já estava a procura de Arminda a alguns dias, quando eu a vi uma esperança pareceu se acender no meu peito. Os acontecimentos ainda vividos na minha memória, a mulata contorcendo-se no chão, o homem me entregando duas notas de cinquenta mil-réis, logo em seguida o aborto. O fruto de algum tempo que entrou sem vida neste mundo, me lembrei da frase dita apenas alguns momentos atrás, “nem todas as crianças vingam.”

De relance consegui ver Clara abençoando a fuga da escrava, tia Mônica, que agora se encontrava com a criança nos braços, estava julgando a escrava, “também quem mandou engravidar em primeiro lugar “. Essa frase ficou ecoando em minha cabeça, ela estava grávida. Grávida como Clara estava algumas semanas atrás. Para que uma criança vivesse, outra teve que sucumbir.

A imagem de um feto sem vida agora nítida na minha cabeça, será que eu sou tão diferente de Arminda? Quem sabe, a sua fuga, era nada mais nada menos, que uma tentativa para ver a sua criança crescer, beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular.... Assim como eu e Clara.

“Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!”, sua voz me assombra, como um grito de uma criança que nunca nem sequer iria nascer, por minha culpa.

Mas eu precisava do dinheiro, para que a minha criança crescesse, beijasse, risse, engordasse, pulasse. Fiz o que precisava ser feito, meu trabalho capturar os escravos fujões, já o havia feito milhares de vezes, os avistava, seguia os negros e mulatos por um período de tempo e em seguida os agarrava. Depois de amarrados só deveria os levar para o lugar em que deveriam ficar, recebia a gratificação e ia embora. Por que desta vez foi diferente?

Não sei, realmente não sei.

— Venha, Cândido, venha celebrar com seu filho, ouvi Clara dizer.

Olhei em sua direção, recebi meu filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor.

Mas no fundo do meu coração senti algo, algo diferente, remorso e culpa. Nem todas as crianças vingam, me bateu no coração.