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Maria Luiza de Toledo Calil Eu contra eu mesma

com as mulheres e era indiferente aos escravos, até porque era assim, os perseguindo que ganhava dinheiro.

A maioria dos homens são como ele, sei que não deveria me importar com a escrava sobre a qual Cândido comentou, mas eu também sofri nas mãos dos homens, vivi sem meus pais e fui criada para procriar. Penso que a escrava foi criada como um objeto, consigo imaginar a dor de uma mãe sem o seu filho e o pior é que o culpado foi meu próprio marido.

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Maria Luiza de Toledo Calil

Eu contra eu mesma

Acordei mais uma vez cansada, como acontecia quando passava noites inteiras costurando roupas para os outros. Minha tia já estava acordada, ela costurava como eu, mas em uma carga menor pela sua idade. Logo que saí da cama fui comer o que me estava disponível. Sai de casa procurando um serviço, ou seja, fui bater de porta em porta perguntando se alguém precisava de uma costureira.

Como de costume, enquanto passeava pelo meu bairro fui sendo cortejada, alguns homens eu já conhecia mas parecia que sempre surgiam mais, parecia até uma rotina. Fui andando e pensando em qual rumo minha vida tinha levado, sobre como meus dias eram sempre os mesmos, e sem nenhum meio de escape. Sei que perdi meus pais cedo demais, não tenho quase nenhuma memória sobre eles, minha mãe infelizmente faleceu alguns dias após meu parto por uma gripe forte, e meu pai a seguiu um tempo depois, vivi sempre com minha tia, minha única família, e nunca pude aproveitar muito. Não sou rica, e preciso trabalhar para não sermos expulsas de casa, era bem cansativo. Enquanto passava pelas ruas fui vendo em vários postes cartazes que diziam estar procurando escravos desaparecidos, lembro de já ter ouvido falar em um homem que os seguia até achar e devolver aos donos, como meras propriedades.

Parei de frente a um dos cartazes que chamou minha atenção, nele estava escrito que um grande homem, que possuía várias terras e poder, perdeu um escravo muito importante para o trabalho. A descrição do escravo era: “procura - se um negro, manco da perna esquerda, e com os dois dentes debaixo faltando”, uma coisa meio repudiosa, mas sabia que esse trabalho de encontrar escravos fugidos davam um certo dinheiro aos homens com a mesma situação que a minha. Lembro bem de já ter ouvido falar de um tal de Cândido alguma coisa, ele caçava e devolvia os escravos aos seus donos, nunca o vi, mas tenho curiosidade.

Comecei a ir mais rápido, pois precisava pegar os serviços e me arrumar para o baile que iria acontecer dentro de algumas horas. O baile é meio que uma tradição dessa região, algum morador disponibiliza a casa e todos vão para festejar, pelo que sei os únicos que o frequentam são pessoas que moram nessa região, também não sei quem está organizando, fui convidada por um dos meus admiradores, não me agrada ir à festa acompanhada, mas não perderia por nada. Já tinha um traje em mente, provavelmente

usarei aquele vestido que eu mesma remendei, lembro de ver uma senhora indo jogar fora um vestido todo rasgado e na mesma hora a grite - Não faça isso com esse lindo vestido! - tadinha levou um belo susto, mas a parei pois achei o tecido muito lindo, era de um tipo de florado com mangas, eu peguei o vestido para mim e o concertei, nunca cheguei a usar ele, essa vai ser uma ótima oportunidade.

Passei por muitas casas para ver se alguém precisava do meu atendimento, e no final consegui pegar dois, sendo eles um paletó de um homem de idade, e algumas meias de uma mulher jovem. Fui logo apressada ir me arrumar, sem antes óbvio finalizar a costura das meias, o paletó iria deixar para amanhã de manhã, coloquei o vestido em meu corpo e me senti linda, não me senti cansada ou com sono, senti que possuía muita energia, e que iria gastá la a noite inteira.

Bem quando estava saindo encontrei minha tia — Lembre dos combinados, Clara, nada de trazer nenhum homem aqui para casa e nem pense em chegar muito tarde, meia noite já está ótimo, vou estar te esperando — dei meu belo sorriso e a abracei.

Muito obrigada, tia, vou me divertir demais nesta festa, não se preocupe, seguirei todas as regras, te amo.

Saí toda empolgada, tinha combinado com minha companhia de o encontrar na esquina da minha casa às oito e meio, fiquei esperando e esperando, quando o relógio bateu nove horas já tinha decidido que iria para a festa sozinha. A festa já tinha começado há um tempo, então quando cheguei já estava bem agitada, quase não conseguia me mover no meio da multidão. Peguei um copo de água e fui diretamente para o local onde todos estavam dançando. Músicos tocavam uma linda melodia calma, que pela minha experiência normalmente é uma dança com um parceiro, me senti desanimada na hora, não tinha ninguém, e a pessoa que iria me acompanhar me esqueceu. Dei uma breve passada de olhos no local onde estava, e foi quando, encostado em uma parede, com uma cara não muito feliz, avistei um lindo homem, não sei o que aconteceu comigo, mas pela primeira vez um homem me cativou, nunca me senti presa a ninguém, mas ele parecia diferente.

Fui me aproximando aos poucos, ele tinha um certo ar misterioso, percebi que ele olhava para mim com os mesmo brilhos eu o olhava, quando cheguei ao seu lado pude ouvir sua pergunta:

— O que uma moça tão bela está nesta festa, e aparentemente desacompanhada? — Bom, minha doce companhia me deu um bolo, então estou sozinha aqui, quer fazer uma companhia para mim? - dei meu típico sorriso no final. — Seria uma prazer, qual seu nome, querida? — Fico muito feliz em te conhecer, prazer me chamo Clara, e o senhor? — Cândido, Cândido Neves - quando ele terminou de falar o nome fiquei em choque, era aquele mesmo homem que caçava escravos, sinto que até minha boca abriu.

— Nossa, que surpresa, já ouvi falar de você. — Espero que tenham sido só coisas boas - ele me esticou o braço para eu cruzar os meus no dele. Ele me levou até a pista de dança, para minha sorte as músicas lentas continuavam.

Dançamos a noite inteira, foi perfeito, nunca me senti tão bem com alguém, logo quando terminamos de