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Rafael Barros O dinheiro manda

de sua execução, eu descobri que eu estava grávida, então ele me disse:

— Por favor, fuja com nossa criança, ela não merece viver está miséria por uma escolha nossa.

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Logo, comecei a pensar no plano, comecei a pensar a vida que meu filho iria ter se eu não fugisse, outro escravo na mão desse sistema, outro ser humano a ser explorado, portanto, não pensei duas vezes, em uma quarta-feira a noite iria fugir e escapar por um campo. Assim foi, quando chegou a noite eu comecei minha fuga. Minha mãe me ajudou a saltar um pequeno portão no fundo da fazenda e então comecei a fugir para um campo. Estava correndo como podia, porém, avistei um homem grande e forte correndo em minha direção e gritando. Tentei escapar, porém, fui capturada, tentei o lutar e implorei que não me entregasse, me ofereci para ser escrava do homem, mas ele me respondeu com a frase

— Decides ter filho e ainda tenta fugir, irá sofrer as consequências.

Então ele me levou de volta para a terra do dono. Ainda tentava me debater, arranhar para tentar alguma fuga, porém nada funcionou. Então fui jogada em uma sala e espancada até que eu abortei meu filho. Estava desolada no chão sangrando e abraçando meu bebê que nem chegou a dar um suspiro, e junto dele se foi minha vontade de viver. Rafael Fonzaghi Barros

O dinheiro manda

Cândido Neves é o meu marido, mas nós o chamamos de Candinho. Esse homem cedeu à pobreza quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos, mas tinha um defeito grave, ele não aguentava nenhum emprego ou ofício. Começou por querer aprender tipografia, porém viu que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante, foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era uma carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.

Quando nós nos apaixonamos não tínhamos mais do que dívidas, ele ainda morava com seu primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas de obter um emprego, ele resolveu adotar o ofício do primo,

de que aliás já tomou algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter que trabalhar quando casasse, e o nosso casamento não demorou muito.

Candinho tinha 30 anos, eu tinha vinte e dois. Eu era órfã, morava com minha tia chamada Mônica, que costurava junto comigo. Eu não costurava tanto ao ponto de não namorar, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para mim, e eu para eles, até que a noite me fazia recolher para a costura. O que eu notava é que nenhum deles deixava-me saudades nem me acendia desejos. Queria casar, naturalmente. Era, como dizia minha tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.

O amor traz sobrescritos. Quando vi Cândido Neves, senti que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile, o casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Minhas “amigas”, menos por amizade que por inveja, tentaram me avisar do passo que ia dar.

Eu e Candinho queríamos um filho, mas minha tia logo que chegamos à casa pobre em que nos abrigamos depois do casamento nos avisou dos possíveis filhos. Ela me disse que se tivéssemos um filho morreremos de fome. Mas disse a ela que nossa senhora nos dará de comer. desejo de ter um filho. Quando percebi que estava grávida comecei a medir fraldas, costurar roupinhas junto com minha tia, mesmo ela fazendo com má vontade. A notícia se espalhou rapidamente pela a vizinhança.

Minha tia continuava falando da ruim vida que nós teríamos, falando também que as crianças nascem e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco. Perguntei o que ela quis dizer com “certa” ela disse que certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo.

Candinho, quando soube da advertência que minha tia fez a ele, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixaria de comer.

Candinho perdera já o ofício de entalhador, como abrir mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a ficar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Ele lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas

geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Candinho. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as nossas dívidas começaram a subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida tornou-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal.

Eu não tinha sequer tempo de remendar a roupa do meu marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica me ajudava, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.

Após oito meses, meu filho estava crescendo dentro de mim, minha tia teve a horrível ideia de levar o meu filho para a roda dos enjeitados. Candinho ficou muito bravo e deu um soco na mesa. Eu tentei acalmá-lo dizendo que minha tia não tinha dito aquilo por mal, mas ela continuou falando que aquilo seria o melhor para nós e saiu. Minutos depois o dono da casa bateu na porta falando que se nós pagarmos o aluguel em cinco dias ele nos colocará para a rua.

Assim se passaram os cinco dias e fomos colocados para fora da casa, fomos para os aposentos que minha tia havia arrumado no fundo da casa de uma senhora velha e rica. Dois dias depois nasceu o meu filho lindo, meu marido ficou muito feliz e triste ao mesmo tempo. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda, mas Candinho pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Nós desejamos um menino e o nosso desejo foi atendido.

Naquela noite, meu marido saiu de casa preocupado e só voltou mais tarde sem falar nada. Saiu de manhã para ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, parecia procurar algo, mas não achou.

Candinho voltou para os cômodos, triste, e encontrou Tia Mônica já com meu filho pronto para ser levado à roda. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Quando ele veio me consultar estava resignada. Candinho foi obrigado a cumprir a promessa; me pediu que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.

Ele não estava nada feliz em ter de levá-lo; o agasalhava muito, o beijava, cobria seu rosto para preservá-lo do sereno.

Quando voltou, estava com a criança nas mãos. Por uma incrível sorte ele encontrou uma mulata foragida que lhe rendeu uma grande recompensa, suficiente para manter nosso filho!