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Eva Doberti Suarez Pai contra mãe reinventado

tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

— Siga! repetiu Ele.

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Eu estava em pânico chutando e retorcendo enquanto ele me arrastava pela rua até a casa do homem que me violentou. Eu não entendia por que ninguém fazia nada.

— Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou o moço.

Não consegui responder ele, eu estava lutando para não ser puxada, mas não era possível. A porta do senhor abriu, não parei de lutar, eu não aguentaria viver se o futuro do meu filho acabasse sendo o mesmo que o meu. Meu corpo cedeu ao estresse e houve um aborto, o fruto que eu cultivei entrou sem vida nesse mundo.

Eva Doberti Suarez

Pai contra mãe reinventado

Como a maioria das mulheres da minha época, sempre quis ter um filho, cuidá-lo, mas nunca desejei que seja na pobreza que me encontro agora. Meu marido, Cândido Neves é um bom homem, ele fica o dia todo fora de casa atrás de escravos fugitivos, não me orgulho do trabalho que tem, eu preferia que ele trabalhasse em algum

emprego fixo, mas é o que conseguiu por enquanto.

Estávamos sem casa, sem comida e com um bebê para nascer, mas graças a Deus minha tia Mônica arranjou um quarto no porão de uma casa para nós. Ela já fez tanto por mim e foi a única pessoa que sempre esteve do meu lado, minha única família antes do Candinho e não tenho como retribuir. A tia Mônica não gosta muito do Cândido, ela acha que eu mereço alguém melhor, provavelmente um homem rico e branco, que não deixe nossa situação financeira chegar aonde estou agora.

Uma manhã, comecei a entrar em trabalho de parto, mas o bebê demoraria para chegar. As contrações pararam por um tempo antes do Candinho sair; ele tinha voltado muito tarde ontem então não tinha falado com ele, então perguntei:

— Cândido, preciso de dinheiro para comer antes de parir.

— Me desculpe Clara, ontem não consegui nada. — Candinho respondeu.

— Então o que está fazendo? vá agora e não se atreva a voltar com os bolsos vazios — Eu disse tentando dar uma má motivação para que ele consiga algo para comer, mas ao mesmo tempo em um tom de medo de que ele ficasse bravo e me deixasse.

Depois do Cândido sair, a tia Mônica olhou para mim e disse:

— Clara, quando Cândido voltar vou falar seriamente com ele, para ele repensar a ideia de ir deixar o bebê na Roda dos enjeitados.

Para ser sincera, aquilo me aliviou e me deixou pensando ao mesmo tempo. Se o nosso filho fosse

deixado na Roda dos enjeitados, ele teria uma melhor condição de vida que nós não temos como oferecer-lhe. Mas, ao mesmo tempo, a tia Mônica deixou a escolha de levar o bebê ou não nas mãos do Candinho, não com a minha ajuda. E Cândido já se decidiu, ele não quer levá-lo e sinto que não posso falar nada para fazê-lo mudar de opinião, mesmo que eu tenha carregado aquele bebê por nove meses com o mínimo de comida que um ser humano precisa para viver. Quando Cândido chegou, sem nada no bolso, eu gritei com uma enorme dor: — O BEBÊ ESTÁ NASCENDO AGORA!

O bebê nasceu depois de longas horas, mas tia Mônica foi rápida e disse:

— Se não levar esse bebê amanhã de manhã para a Roda dos enjeitados, eu mesma o levarei!

— Depois falamos sobre isso, não se passaram nem duas horas desde o nascimento do meu filho, deixe-me aproveitar — Respondeu o Cândido, calmamente.

Conseguia pensar somente no tempo. Quanto tempo precisaria esperar para poder ter um pouquinho de paz? Qual seria o futuro do meu filho se ele fosse para a Roda dos enjeitados? Eu, tendo vivido na pele a sensação de não saber o porquê de meus pais não terem me querido… Como podia odiar ou amar tanto alguém, sem mesmo conhecê-lo? Com tudo que estou vivendo agora, acho que finalmente entendi meus pais, eu quero que meu filho tenha uma boa vida e sei que não posso lhe dar isso, talvez, só talvez, minha mãe pensasse do mesmo jeito.

Depois de vinte e quatro horas em trabalho de parto, estava exausta, então fui dormir cedo, com o pecado de ir dormir esperando acordar sem o bebê pela casa, e sim na Roda dos enjeitados. Mas, quando acordei, a primeira coisa que eu vi foi o bebê engatinhando pelo chão e olhei assustada e infeliz para o Cândido, que estava com um enorme sorriso no rosto que foi se desmanchando ao ver minha decepção estampada no rosto. Quando percebi que estranhou meu rosto, voltei com o meu rosto normal, sem emoções. Calmamente, perguntei: — O que aconteceu? Por que o bebê não está na Roda dos enjeitados? — Peguei uma escrava e ganhei uma boa grana, não precisamos mais deixar nosso filho lá- Respondeu Cândido, voltando com um enorme sorriso. — Como conseguiu? Como foi? - Perguntei como costumava, fingindo me importar com o trabalho de Candinho, de que não gostava. Não gosto de violência, não sou contra nem a favor da escravidão, não opino, estou acostumada a somente seguir a maioria, não contruir uma opinião própria; somente sei que racismo é algo estruturado e não posso mudar isso, e, graças aos escravos fugitivos que o Cândido devolve para seus donos, ainda não morri de fome.

— Uma fugitiva burra estava simplesmente andando pelas ruas e, quando peguei-a, começou a usar a desculpa de gravidez, é cada coisa que falam para fugir de suas obrigações! - Cândido explicou. — É — Respondi pensativa. Fiquei pensativa, não sei se era verdade ou não; mas essa mulher, imagino que estivesse lutando pelo seu filho, e eu, não. Decidi dar uma chance para esse bebê, não está indo uma maravilha mas também não uma porcaria; na pior das ocasiões acabo morrendo de fome ou pior, perco minha essência e eu mesma no caminho.