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Francisco Priolli Xavier A busca

Francisco Priolli Xavier

A busca

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Senti o sangue escorrendo pelas minhas pernas, e me lembrei de como cheguei até aqui. Amedrontava-me a sensação de ter tudo aquilo que foi conquistado sumindo, sendo de maneira tão inesperada. Tudo corria bem, mas de repente e tragicamente, meu chão desabou, e agora vinha a escassez de qualquer mínima gota de esperança.

Depois de dias vivendo esta incessante fuga, estive pela primeira vez acompanhada de paz e tranquilidade, é claro que não deveria me dar por vencida pois, para viver uma vida de fugitiva, a necessidade de manter o foco, os olhos abertos e a atenção me cobria da cabeça aos pés. Qualquer desleixo poderia me custar muito.

Pensava sozinha, finalmente poderei reencontrar meu marido, homem este que plantou um pedacinho de Deus em minha barriga. O pai de meu filho já havia conseguido fugir do repugnante ser que, por cerca de uma eternidade, nos prendia e maltratava. Ele pensou em um plano, para que nós dois saíssemos daquele lugar hediondo, infelizmente o plano não permitia uma saída simultânea, era preciso que um saísse de cada vez. Meu marido insistiu para que eu fosse a primeira a sair. Mas assim que descobri minha gravidez, imaginei que não seria capaz de lidar com o fato de ter de cuidar de mim e de meu filho sozinha. Optei por esperar, e finalmente, minha vez havia chegado.

— Estou livre, meu Deus do céu. -bradei por muitas vezes sozinha.

Por dias me mantive escondida nesse enorme silveiro. Estava agora na hora de ir ver meu amado, seu nome era Ajagunã, era alguém lindo, alto e forte com o coração maravilhoso, um homem doce e corajoso que finalmente conheceria seu filho. O tal pequenino, passava dias e noites esperneando e chutando diversos lugares em minha barriga.

— Quanto amor sinto por essa criança Deus, algo indescritível.

— Decidi então que no dia seguinte caminharia em direção à cidade, e procuraria meu marido.

— Será amanhã então. Disse em voz alta e me pus a dormir entre folhas e galhos.

Acordei com o sol batendo em minha cara durante a alvorada, levantei e decidi que já era hora de procurar Ajagunã pela cidade.

Quando a escuridão já estava quase tomando conta da paisagem por completo, avistei descendo por uma longa rua, um cartaz com a silhueta de um homem parecido com meu marido. Quem dera me tivessem ensinado a ler, não entendia o que aquilo significava. Mas uma voz me dizia que isso não era um bom sinal, acredito que fosse meu filho. Esse pensamento fazia bastante sentido, dado ao fato de que já havia passado por vários outros cartazes, sempre com números e silhuetas de pretos. Mantive a procura e agora já estava exausta. Me imaginei tendo de fazer isso todos os dias, pois o objetivo me parecia muito distante. Foi quando magicamente escutei uma voz

doce, vinda de trás de mim, e ela repetia:

— Arminda, Arminda! —

— Será que teria terminado minha procura? Será que havia encontrado Ajagunã?- pensei comigo mesma. E no momento que me virei de costas caí em uma desilusão, era um homem desconhecido, mas que exalava através de seu olhar, uma sensação de alívio e gratificação.

Foi então que o miserável sacou uma corda de sua algibeira, e amarrou meus pulsos uns aos outros, e manteve para si um pedaço da corda, usado para me arrastar. Quando finalmente compreendi a situação, cai em mágoas e desespero, estava sendo levada para meu senhor. Tentei correr, mas já não tinha energia nem força para cumprir essa tarefa. Nesse momento, dei-me por vencida, e entendi que a única opção seria implorar, implorar por minha vida e pelo meu sentimento de liberdade. Eu gritei, tentei, mas logo percebi que ninguém viria me ajudar, pedi pelo amor de Deus, mas mesmo assim, o homem me mantinha presa, e me forçava a caminhar.

— Estou grávida, meu senhor! Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço! -tentei por mais uma vez, porém assim como anteriormente, tive como resposta um puxão de corda e uma frase de discordância.

— Siga! -o homem exclamava.

— Me solte! -disse enquanto fixava meus pés no chão.

— Não quero demoras; siga! mesmos aparentavam já estar cientes da ocorrência que estava em andamento.

Falhei na tentativa de explicar como meu senhor era maldoso, um homem horrível e que quando chegasse, sem sombra de dúvidas seria recebida com uma porção de açoites.

— Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois?

Preferi nem responder a esta pergunta, apenas continuei caminhando, e no momento em que reconheci uma parte do terreno, me desesperei, a ficha nunca havia caído com tanto impacto. Minha cabeça foi a mil, tantos pensamentos, lembranças e sentimentos, foram capazes de me dar uma última força, apoiei meus pés em uma parede, e com muito esforço tentei puxar a corda, de nada adiantou, apenas prolonguei o tempo até minha chegada.

Finalmente estava lá, arrasada, e desesperada, o homem bateu a porta, e contra minhas expectativas, meu senhor a atendeu. Quando vi sua imagem, minha pressão caiu, não conseguia entender sequer uma palavra que fosse dita ao meu redor, ouvi alguns murmúrios mas não dava atenção, estava mais preocupada comigo, e com meu filho. Passando pelo corredor, pouquíssimo tempo depois, desabei no chão, olhei para cima e vi a imagem embaçada, de dois porcos, trocando não só uma, mas duas vidas por dinheiro.

Por mais alguns momentos, escutei murmúrios, e me dei ao trabalho de me levantar, uma tarefa quase que impossível. Senti muita dor, e muito sangue escorrendo, me dei conta da situação, meu filho estava vindo ao mundo, porém vinha sem vida.