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Ryhan Santos dos Anjos Cândido Neves

Ryhan Santos dos Anjos

Cândido Neves

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Eu, Cândido Neves, era uma pessoa que não me rendia à pobreza. Até o momento em que tive que aderir ao ofício de pegar escravos que haviam fugido. Tenho o defeito de não gostar do meu trabalho nem do meu ofício, ele não tinha estabilidade. Comecei a procurar outros trabalhos com muito esforço, virei caixeiro, mas por conta de ter que atender e servir todos feria meu orgulho, em cinco ou seis semanas eu já tinha pedido contas e estava na rua. Também tentei emprego como carteiro mas abandonei pouco depois de ter conseguido.

Quando me apaixonei pela Clara, eu só tinha dívidas mesmo, ainda que poucas, graças a um primo que morava comigo. Meu primo era entalhador, depois de tentar conseguir um emprego eu decidi ter o mesmo emprego dele. Ele tinha me dado algumas dicas e não custava nada tentar pegar outras, mas, como eu quis aprender depressa, aprendi mal por conta disso, não fazia obras finas.

Eu tinha trinta anos e a Clara vinte e dois, ela era órfã, morava com a tia. Quando a Clara via que eu era o possível marido dela. Eu perdi meu emprego, como eu tinha deixado muitos trabalhos melhores e piores, pegar escravos me deu encanto, não me obrigava a ficar várias horas sentado.

Tinham mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as minhas dívidas começaram a subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A minha vida tornou-se difícil e dura. Eu comia fiado e mal.

Clara não tinha sequer tempo para remendar as minhas roupas. Tia Mônica ajudava a ela, naturalmente. Quando eu chegava à tarde, dava para ver pela minha cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já me sucedia, ainda que raro,me enganava pela cor das pessoas, já peguei um escravo fiel que ia a serviço de seu senhor, era tanta minha cegueira da necessidade. Certa vez capturei um preto livre; pedi desculpas, mas recebi grande soma de murros que me deram os parentes do homem.

– É o que te faltava? perguntou a tia Mônica, ao me ver entrar, e depois de ouvir eu narrar meus equívocos e suas consequências. E me disse, - Candinho, procure outra vida, outro emprego.

Eu queria efetivamente fazer outra coisa, não pela razão do conselho, mas por simplesmente gostar de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava um emprego que aprendesse depressa.

Saí rápido, atravessei a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarme. No extremo da rua, quando ela ia descer a de S. José, eu me

aproximei dela. Era a mesma, era a mulata fujona.

– Arminda! chamei, conforme a nomeava o anúncio.

Voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando eu, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, peguei dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Eu, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.

– Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

– Siga! eu repeti.

– Me solte!

– Não quero demoras; siga!

Houve aqui luta, porque ela se arrastava e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoites, – coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoites.

– Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntei

Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes coisas, fui arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina a luta cresceu; ela pôs os pés na parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que deveria. Cheguei, o senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.

– Aqui está a fujona, eu disse

– É ela mesma.

– Meu senhor!

– Anda, entra...

Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis e me deu. Eu guardei as duas notas de cinquenta mil-réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.

O filho de Arminda depois de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Eu vi todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, foi o que fiz sem querer conhecer as consequências do desastre.

– Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.