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Sophia Martins e Galiano Pai contra mãe - Cândido Neves

condições. Quando eu estava com quase seis meses de gravidez, o senhor quis conversar comigo, fiquei apavorada mas queria ouvir o que ele tinha a dizer. Disse a mim que podíamos secretamente formar uma família, sem que ninguém soubesse e criaríamos o bebê juntos. Naquele momento estava muito nervosa, nunca iria criar meu filho com um homem nojento que me estuprou! Por causa do nervosismo não disse nada, só vi a mão do homem em direção a minha barriga. Era esse o sinal, sem pensar duas vezes saí correndo, ele tentou me seguir mas eu consegui despistá-lo.

Corri o mais rápido que pude até sair do engenho, mas não me dei conta de que havia chegado em um centro comercial, onde havia uma grande movimentação, ou seja, mais chances de ser caçada. Tentei andar por lugares menos cheios, mas depois quando virei em uma esquina avistei um homem, que olhou para mim como se eu fosse uma presa. Tinha certeza de que era um caçador de escravizados, por isso comecei a correr, mas ele me alcançou, e agarrou-me muito forte para que não pudesse escapar. Gritei o mais alto que pude, pedi para me libertar pelo fato de estar grávida, estava tão nervosa que até disse que podia ser sua escrava e que o serviria por quanto tempo ele quisesse. Cândido não desistiu. Persisti o máximo que pude, mas ele se irritou e começou a me arrastar em direção ao meu senhor. Sem piedade alguma o homem me entregou a ele, agradeceu e entregou cem mil-réis a Cândido Neves. Depois daquele momento nem imaginava o que aquele homem faria comigo, apenas sei que nunca estive tão apavorada em toda minha vida. Sophia Martins Galiano

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Pai contra mãe - Cândido Neves

De fato eu, Cândido Neves não poderia estar em pior estado, sem dinheiro ou sequer esposa. Mesmo sendo um homem branco, apesar de meus privilégios existirem, no momento tenho tantos direitos quanto um escravo negro.

Até esse momento, me garanto nas recompensas das capturas de escravos fugidos, cheguei a tentar empenhar-me na tipografia, contudo mais uma vez terminei sem sucesso. Após inúmeras tentativas com outros trabalhos, o que me restou foi o ofício de caçador de escravos O que me resta agora? É deixar que o Senhor guie meus próximos passos, honestamente, não sei mais nem dizer ao certo o que me virá a acontecer. Afinal, com esse tipo de vida e recursos, é assim que outros como eu devemos continuar, apenas “vivendo”.

Foi naquele extemporâneo evento que decidi comparecer, que me trouxe total descolamento de vida, sem nem mesmo saber. E logo avistei a moça mais graciosa daquele recinto, pois bem, me encontrava no sentimento da paixão, aquilo já não era mais uma discussão.

É com a maior certeza que digo, nunca havia sentido tão fortemente aquele carinho por alguém antes, meus batimentos estavam acelerados. Tão profundo,

tão intenso...que sensação. Diante dessa situação, posso dizer que inconscientemente o amor me levou ao total estado de vulnerabilidade. Mal sabia eu que aquele amor seria correspondido pela bela dama também .

Consequentemente, esse amor recíproco nos leva a um precedente casamento, sem consentimento familiar ou apoio de meus colegas. Tanto minha esposa quanto eu continuávamos com condições precárias, de pura necessidade financeira, o que levou-nos a morar com a tia de Clara, que a propósito não gostava de mim tanto assim.

Compreendo a preocupação de tia Mônica, seu medo de não podermos sustentar a criança, mas com o tempo tudo há de se encaixar em seu lugar. Era tudo uma questão de tempo, sem contar que cabia a mim decidir o que faremos ou não. Confesso que a tia Mônica me aborreceu com esse assunto.

Após o casório, entendi todo caminho de Clara, e que ainda menina já se tornara órfã. Vivia com sua tia que a auxiliava nas costuras, e para ajudar muitas vezes era necessário que fosse desfrutada dos homens vazios que encontrava pelas ruas. Seu verdadeiro desejo era poder um dia casar-se, não com aqueles que ela satisfazia nas noites, mas sim com quem a amasse de verdade, assim como ela.

Tia Mônica não disfarçava sua insatisfação com a ideia de morarmos todos em conjunto, o que para mim tem pouca importância, ainda mais depois de tudo que já me aconteceu. O mais inacreditável foi ter chegado até aqui, junto de Clara com um teto para nos abrigar.

Sempre projetei em minha vida uma família com esposa e filhos, apesar de muitos ao meu redor estarem inconformados com minha falta de estabilidade no emprego, não deixava de sonhar. E para minha sorte, Clara também esperava por uma criança. Explicitamente ninguém poderia nos impedir, apesar de contrariarem sou agora um homem de família e posso muito bem tomar decisões.

Após nove meses, nossa tão esperada e amada criança nasceu, preenchendo a casa de alegria e grande comemoração. Não posso nem acreditar, toda aquela fantasia de um dia poder ser pai tornando-se real. É fascinante como esse bebê pôde completar aquele vazio dentro de mim.

No entanto, toda essa felicidade não foi duradoura, mais do que nunca nos faltava dinheiro, estamos devendo meses de aluguel para o dono da casa em que moramos. As dificuldades, que já eram muitas, aumentaram com a pressão do proprietário da casa que exigia receber em poucos dias o aluguel atrasado de três meses. O que levou a que nesse mesmo final de tarde finalizamos nossa mudança para uma casa de empréstimo.

Foram após inúmeras tentativas que Mônica começou a nos convencer de que o mais prudente a se fazer era aceitar a ideia de se desfazer de nosso filho. Não podíamos mais acatar aquela situação de qualquer maneira.

Toda a situação me levou a tomar medidas extremas, uma decisão mais do que impossível, teria de levar a criança à Roda dos enjeitados. Peguei a criança com profunda tristeza, e a carreguei em meus braços à caminho da roda.

Com a consciência pesada caminho vagarosamente, quase sempre recuando meus passos, sem embargo de ser o mais prudente a se fazer. Pensava e pensava

em alguma alternativa, porém realmente não havia mais o que fazer.

Conforme o caminho, fui parar em um beco muito escuro, e logo mais à frente avistei uma pessoa. Não podia acreditar em meus olhos, era ela mesmo, Arminda. Já a procurava há muito tempo, com a recompensa de sua captura ganhei cem mil réis em meu bolso, o que irá trazer meu filho de volta.

Apressadamente, deixei meu filho em uma farmácia logo ao lado, cujo proprietário havia conhecido na véspera, e parte em busca da escrava.

Logo pego a escrava, que se debatia feito louca suplicando por liberdade. Enquanto a amarrava, gritava dizendo estar grávida e que receava por castigos físicos que possivelmente receberia de seu dono. Mas é lógico que ignorei seus apelos, aquilo não importava me de maneira alguma, era minha grande chance de retornar com meu filho para casa.

Não podia descartá-la simplesmente, foi então que a tomei e coloquei a criança em meu colo. Visivelmente, eu estava transbordando de alegria, toda aquela situação agora de forma reversa não poderia estar melhor. Pois bem, vendi a escrava e ganhei meus prometidos cem mil réis.

A caminho de casa, sorrindo olhei para meu filho, disse que estava na hora de voltar para sua casa, reencontrar sua tia e sua mãe. E foi sem entender sequer uma palavra total estado de vulnerabilidade. Mal sabia eu que aquele amor seria correspondido pela bela dama também .

Consequentemente, esse amor recíproco nos leva a um precedente casamento, sem consentimento familiar ou apoio de meus colegas. Tanto minha esposa quanto eu continuávamos com condições precárias, de pura necessidade financeira, o que levou-nos a morar com a tia de Clara, que a propósito não gostava de mim tanto assim.

Compreendo a preocupação de tia Mônica, seu medo de não podermos sustentar a criança, mas com o tempo tudo há de se encaixar em seu lugar. Era tudo uma questão de tempo, sem contar que cabia a mim decidir o que faremos ou não. Confesso que a tia Mônica me aborreceu com esse assunto.

Após o casório, entendi todo caminho de Clara, e que ainda menina já se tornara órfã. Vivia com sua tia que a auxiliava nas costuras, e para ajudar muitas vezes era necessário que fosse desfrutada dos homens vazios que encontrava pelas ruas. Seu verdadeiro desejo era poder um dia casar-se, não com aqueles que ela satisfazia nas noites, mas sim com quem a amasse de verdade, assim como ela.

Tia Mônica não disfarçava sua insatisfação com a ideia de morarmos todos em conjunto, o que para mim tem pouca importância, ainda mais depois de tudo que já me aconteceu. O mais inacreditável foi ter chegado até aqui, junto de Clara com um teto para nos abrigar.

Sempre projetei em minha vida uma família com esposa e filhos, apesar de muitos ao meu redor estarem inconformados com minha falta de estabilidade no emprego, não deixava de sonhar. E para minha sorte, Clara também esperava por uma criança. Explicitamente ninguém poderia nos impedir, apesar de contrariarem sou agora um homem de família e posso muito bem tomar decisões.

criança nasceu, preenchendo a casa de alegria e grande comemoração. Não posso nem acreditar, toda aquela fantasia de um dia poder ser pai tornando-se real. É fascinante como esse bebê pôde completar aquele vazio dentro de mim.

No entanto, toda essa felicidade não foi duradoura, mais do que nunca nos faltava dinheiro, estamos devendo meses de aluguel para o dono da casa em que moramos. As dificuldades, que já eram muitas, aumentaram com a pressão do proprietário da casa que exigia receber em poucos dias o aluguel atrasado de três meses. O que levou a que nesse mesmo final de tarde finalizamos nossa mudança para uma casa de empréstimo.

Foram após inúmeras tentativas que Mônica começou a nos convencer de que o mais prudente a se fazer era aceitar a ideia de se desfazer de nosso filho. Não podíamos mais acatar aquela situação de qualquer maneira.

Toda a situação me levou a tomar medidas extremas, uma decisão mais do que impossível, teria de levar a criança à Roda dos enjeitados. Peguei a criança com profunda tristeza, e a carreguei em meus braços à caminho da roda.

Com a consciência pesada caminho vagarosamente, quase sempre recuando meus passos, sem embargo de ser o mais prudente a se fazer. Pensava e pensava em alguma alternativa, porém realmente não havia mais o que fazer.

Conforme o caminho, fui parar em um beco muito escuro, e logo mais à frente avistei uma pessoa. Não podia acreditar em meus olhos, era ela mesmo, Arminda. Já a procurava há muito tempo, com a recompensa de sua captura ganhei cem mil réis em meu bolso, o que irá trazer meu filho de volta.

Apressadamente, deixei meu filho em uma farmácia logo ao lado, cujo proprietário havia conhecido na véspera, e parte em busca da escrava.

Logo pego a escrava, que se debatia feito louca suplicando por liberdade. Enquanto a amarrava, gritava dizendo estar grávida e que receava por castigos físicos que possivelmente receberia de seu dono. Mas é lógico que ignorei seus apelos, aquilo não importava me de maneira alguma, era minha grande chance de retornar com meu filho para casa.

Não podia descartá-la simplesmente, foi então que a tomei e coloquei a criança em meu colo. Visivelmente, eu estava transbordando de alegria, toda aquela situação agora de forma reversa não poderia estar melhor. Pois bem, vendi a escrava e ganhei meus prometidos cem mil réis.

A caminho de casa, sorrindo olhei para meu filho, disse que estava na hora de voltar para sua casa, reencontrar sua tia e sua mãe. E foi sem entender sequer uma palavra que ele correspondeu com um belo sorriso no rosto...

Vicente Detoni Franzini

Remetente: Cândido Neves

Rio de Janeiro, 14 de Fevereiro de 1887.

Olá, João, desculpe-me pela demora em lhe escrever novamente, desde a última correspondência que enviei para vossa mercê, passei por dificuldades em assegurar uma profissão, tentei vários ofícios, desde tipógrafo, até entalhador e comerciante, mas nada conseguia. Por fim decidi seguir o ofício de caçador de escravos. Fiquei até conhecido por alguns escravos após um tempo

Foi então que achei o amor de minha vida, Clara, a amo muito, logo se casamos mesmo com a objeção de Mônica, sua tia e pessoa com qual vivia (e qual iria viver junto de), devido a problemas financeiros, nos casamos, e decidimos ter um filho.

A obrigação de todo homem decente é claro, nenhum homem é homem sem ter um filho, então tivemos um, mesmo com a mais forte objeção da Mônica.

Como não sou gente de mal, tentei ajudá-la, mas não conseguia contribuir devido a dificuldade de achar escravos fugidos, como havia uma grande competição na área. Todo dia via se tinha um novo escravo fugido e já ficava atento para pegá-lo, mas sem sucesso.

Então, após discussões sem fim, eu e Clara fomos convencidos por Mônica a dar o filho, após o dono da casa que exigiu o aluguel atrasado de três meses, que não conseguimos pagar.

Tive que levar o meu tão amado filho à roda dos enjeitados, mas no caminho achei uma negra, no qual o dono tinha uma recompensa enorme, cem mil réis para a devolução da escrava, corri até um boticário perto onde estava e capturei a foragida.

Foi uma batalha fervorosa, a estúpida ainda tentou se libertar mas não conseguiu, até que o dono chegou e me deu o dinheiro, finalmente poderia ter o meu filho de volta.

Voltei à casa de Mônica e Clara e expliquei a situação, Mônica agradeceu por eu ter pego a negra e Clara ficou muito feliz de ter o nosso filho de volta. Espero que esse dinheiro dure até achar outro negro para capturar novamente.

Atenciosamente,

Cândido Neves.