Medo que o medo tem daqueles que driblam incertezas
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Vanessa Moletta Pazza
S
ou uma serva fiel, uma perseguidora desesperada por faíscas de ideias, meu vício é viver anotando coisas. Nasci com a concentração necessária para desligar-me do mun-
do e escrever onde der e quando der. Esse é meu dom, distrair do que me parece inútil e focar no fluir do que meu pensamento desejar, não me torturo mais. Queria ter inspirações em uma confortável casa de campo, com o frio que faz aqui no Sul em uma tarde ensolarada de quarta-feira, diante do aquecer depois da geada, de forma planejada, premeditada, pontual. Mas a inspiração vem de onde ela quer vir e a plenitude resume-se em estar atenta para ela, ou distraída o suficiente do racional para ouvi-la. Vez ou outra estou como agora, sou persuadida por textos mentais, letrinhas que pulam como um poup-up e formam frases que me importunam até que sejam escritas. Nesse momento paro tudo para escrever antes que desapareçam, foco nisso enquanto meus colegas de trabalho discutem sobre as estimativas de plantio para essa safra. Ontem fui persuadida enquanto comia uma torrada e amanhã serei quando eu estiver na fila do banco olhando boletos. Já aconteceu na partida de bilhar, no carro e no barulho da cortadeira de grama do vizinho.