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Sofia Viero Sorgetzt
Primeiro de abril
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Sofia Viero Sorgetzt
Parecia até deboche; uma tarde ensolarada que não podia ser aproveitada. Era o começo do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. Dulce andava chateada, de baixo astral, sensação de coração partido, as cicatrizes emocionais que teimavam em seguir doendo... Mas eis que, já na madrugada, uma surpresa chegou a fazê-la rir: à tarde encomendara pão, queijo, água com gás e guaraná do mercadinho ao lado de casa. Precisava tomar um
“refri” gelado porque, acompanhando os maus sentimentos, a azia era outro incômodo e o estoque das bebidas com gás estava zerado.
O pão também havia acabado. Dulce telefonou e perguntou à dona do mercadinho o que havia de pão “novinho”:
- Cacetinho, cervejinha, massinha…(sic)
Hesitando um pouco, Dulce pediu três de cada. O entregador levou as compras em poucos minutos e ela correu para se servir do guaraná gelado. Enquanto tomava uns goles para aliviar o desconforto no estômago, tratou de preparar uma torrada de “cacetinho” com queijo. Os pães, cada qual em uma sacolinha, ainda estavam quentes e, ao ver que tinham vindo aparentemente de acordo com seu pedido, nem lhe passou pela cabeça observar os pormenores dos pães.
Por volta de 1h da manhã do primeiro de abril, Dulce deparou-se com a piada pronta: pensou em comer um pão massinha, que, dependendo do lugar, também chamam de fofinho ou sovadinho, e,
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pensando se tratar de um massinha “neutro”, ou seja, sem recheio, viu umas coisinhas estranhas no pão através da sacola: era massinha doce com creme de baunilha e farofinha!
Curiosamente, isso já havia acontecido anos antes com Dulce em Santa Maria: convidada para tomar o café do fim da tarde na casa de uma amiga, passou numa padaria na avenida Nossa Senhora das Dores e seguiu levando “faceira” os pães massinhas supostamente neutros para dividir com a amiga. Já na hora do café, Dulce mordeu o pão, olhou para dentro dele e começou a rir da “surpresinha” com a qual havia se deparado. A amiga e seu “crush” já estavam com cara de desespero. A surpresa? O pãozinho era recheado com goiabada.
A piadinha do massinha doce pareceu uma mensagem do mundo astral pra tentar aliviar o “amargor das dores dessa vida”, como cantou Maysa. Tomara! Era o que Dulce estava precisando. Preparou um cafezinho para acompanhar a doce surpresa e os devaneios daquela madrugada. O café à noite nunca tirou o sono de Dulce. Nesse sentido, o café não faz nem cócegas. Quisera que as “voadoras no peito”, os “tapas na cara” e os “socos no estômago” que a vida sempre lhe apresentou também não a atingissem tanto.
Vida que segue.
Jornalista, servidora pública, mãe e produtora de conteúdo “flopada” nas redes sociais. Sou @sofiasorgetzt em todas elas. Escreve por trabalho, por amor e por diversão.