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Angela Maria Genro
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Pelo Lado de Dentro
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Angela Maria Genro
Apandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus, iniciada no final de 2019, vem produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala mundial, mas também repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias. Cada ser humano vivente está sentindo a sua influência em suas vidas e comigo não seria diferente. Uma das coisas que mais gosto de fazer (senão a que mais gosto) é viajar. Conhecer novos lugares, interagir com outras pessoas, fazer novas amizades, descobrir novos costumes, tudo é, para mim, altamente enriquecedor e prazeroso. Desde os meus 18 anos me acostumei a, de vez em quando, fazer as malas e partir para o mundo. Os meus pais adoravam viajar e me passaram o gosto. Não sei dizer o número certo de lugares que já visitei. De acampamento em barracas, estadia em casa de parentes e amigos a hotéis de diversas estrelas, com certeza foram muitos. Sozinha ou acompanhada, no verão ou no inverno, em férias ou por trabalho, de norte a sul, pegar a estrada me encanta. Quando perguntavam para a minha mãe se ela não ficava apreensiva quando eu viajava, ela respondia:
“- Eu entrego nas mãos de Deus. A única preocupação que eu tenho é que ela se esqueça de voltar para casa.” (rsrsrsrs) Sim, ela tinha razão.
Uma coisa que eu sempre tive problemas em controlar foi a duração das viagens. Elas tanto podem durar uma semana quanto um mês.
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E, se surgir alguma novidade que me agrade, não tenho nenhum problema em mudar a programação no meio do caminho também.
Uma coisa que nunca tive é essa de “que saudade da minha cama”, “que saudade da comida da mãe”, “que falta do meu travesseiro”,... Quando estou em um lugar, estou por inteiro. Eu respeito e aprecio tudo o que me ofereçam. As coisas que estou usando no momento é que são “as minhas coisas”. Tanto faz se durmo no chão ou em cama, se como comida gaúcha ou piauiense, se são coisas humildes ou luxuosas. Eu valorizo cada centímetro de chão que visito e o meu bairrismo carrego no meu chimarrão.
Uma das mudanças que o tempo me impôs foi com relação à bagagem. Quando jovem, eu carregava “a casa nas costas”. Eram mochilas, sacolas, malas,... Sempre tive aquela sensação de que tinha que levar um look para casa ocasião, que eu deveria estar sempre preparada para qualquer situação que se apresentasse. E o meu pai sempre me dizia: “- A gente deve colocar na mala somente aquilo que for capaz de carregar”. Pois é... Com o passar dos anos a bagagem diminuiu um pouco e sinto que ela vai diminuir mais ainda. Infelizmente, as minhas hérnias de disco aumentaram e me fazem companhia na estrada da vida.
Mas, como eu dizia, a pandemia afetou a todos e a mim. Como integrante de grupo de risco, fiz isolamento voluntário por anos (Anos! Que horror!) E, agora, em dezembro de 2021, já com as três doses de vacina, eu e meu marido resolvemos pegar a estrada e ir encontrar pessoas que nos são caras. Parecia um sonho. As minhas asas finalmente estavam livres.
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Carro carregado... partimos. Que maravilha! Ar condicionado ligado, músicas rodando e nós cantando alto. Com todo aquele gás de quem sai de férias (ou de uma prisão?). Logo no início, os olhos buscam por paisagens já conhecidas. E as lembranças vão tomando conta. Vila Betânia. Aqui, a minha mãe gostava das festas de igreja. Ah! Ela achava linda a procissão pelo Dia do Motorista. Várias vezes fizemos caminhadas de casa até a Vila. Quilômetros de conversas e risadas. Onde ela estará agora?
Vila Cerca de Pedras. Aqui, o meu pai tinha vários amigos, vínhamos visitá-los nos finais de semana e voltávamos com o carro carregado de abóbora, moranga, mandioca, milho, frutas, salame, queijo, vinho,...(rsrsrsrs) Os italianos sabem como comer bem mesmo. E aquelas conversas gritadas? Os tapas nas costas? Amizade. Onde ele estará agora?
Buriti. Ah! Aqui morava uma família parente da esposa do irmão da mãe. Que pessoas simpáticas e carinhosas! Volta e meia vínhamos visitá-los e passávamos o dia com eles. Eu lembro da alegria deles ao nos mostrarem a lavoura, a horta, as folhagens, os produtos fabricados por eles mesmos,... A casa era simples, mas ofereciam um luxo de recepção às visitas. Onde eles estarão agora?
Jaguari. Impossível passar pela Cidade das Belezas Naturais sem se encantar com suas paisagens. Impossível também não se lembrar das tantas pessoas conhecidas e situações vivenciadas. O Carnaval, quando vínhamos juntos com a Escola Acadêmicos do Samba. O folclore português, quando vínhamos ter práticas e teoria com um conhecido grupo de danças famoso na região. A praia de rio, quando reuníamos parentes e amigos no veraneio. Onde eles estarão agora?
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Mata. A Cidade da Pedra que já foi Madeira “faz parte, junto com a cidade de São Pedro do Sul, dos Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata, criados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos. De Idade Triássica, estas exposições de “florestas petrificadas” estão entre os mais importantes registros do planeta, tendo se formado a mais de 200 milhões de anos.” Chique, né? Mais ainda, por ser a cidade que acolhe(u) a família de meu querido primo Odacir, o qual sempre dedicou um carinho e cuidados especiais aos meus pais. Onde eles estarão agora?
A cidade Coração do Rio Grande, Santa Maria, tem um papel fundamental na minha vida: foi no Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, que num certo 10 de janeiro, eu aportei ao plano terrestre. É muito difícil colocar em poucas linhas tudo o que vivenciei neste lugar, mas me vem à lembrança a família, amigos, Rua Riachuelo, Escola Manoel Ribas, ADESG, procissão da Medianeira, UFSM, Theatro Treze de Maio, Catedral Metropolitana Imaculada Conceição,... A maioria das pessoas pensa que sou santiaguense, o que me daria grande prazer, já que vivo há mais de 50 anos em Santiago e dedico o meu tempo livre à cultura desta cidade, tendo minha Trajetória Cultural premiada , no segmento Teatro, pelo Instituto Trocando Idéias de Tecnologia Social Integrada, em julho de 2021. Onde estarão todos agora?
Os pensamentos vão andando pela estrada, embalados pelos hits dos anos70, 80 e 90. Sim, a juventude permanece nas cantorias e trejeitos dançantes dentro do carro. Sem esquecer-se das imitações de propagandas de TV e rádio, vozes de personagens de histórias infantis e apresentadores de programas de auditório. (rsrsrsrs)
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Enfim, chegamos à Capital dos Gaúchos. A simples visão da Ponte Móvel me dá um “não sei o que” de nostalgia. Centenas de sentimentos misturados. De repente, me vem à cabeça “deu prá ti, baixo astral”. Quem não? A primeira parada foi para visitar, obedecendo a todos os protocolos sanitários, o tio Paulo, irmão da vó materna do meu marido. E lá, sentados em sofás macios e aconchegantes (daqueles que nos abraçam quando sentamos) ou ao redor de uma linda mesa bem posta, vieram mais recordações, conversas e risadas. Onde eles estarão agora?
Numa manhã ensolarada, levantamos e partimos rumo a Balneário Camboriú. A ideia era passar a festa natalina na residência do meu sogro. Desde um pouco antes do início da pandemia, não os víamos pessoalmente. As conversas eram por celular e por videochamadas, várias vezes durante o dia. Mas, nada como estar com a pessoa, ver como está vivendo, compartilhar suas rotinas diárias... e verificar o aumento de suas dificuldades. Meu Deus! Como o isolamento causado por essa pandemia fez mal para o condicionamento físico e mental de muitas pessoas, principalmente dos idosos. Sem condições de saírem à rua e ter vida social normal, muitos envelheceram uns 5 anos ou mais. E, na maioria dos casos, não há nada a fazer para mitigar os efeitos, principalmente quando os idosos moram sozinhos. Problema de difícil solução. Na noite de Natal, entre pais, irmãos e noras, a ceia foi leve e os brindes com desejos de saúde, saúde, muita saúde,...e paz. Onde eles estarão agora?
No dia do aniversário de Jesus, levantamos cedo e fomos fazer outra importante visita. Ele estava ali bem perto. Caminhando uma quadra e dobrando apenas uma esquina, a gente se depara com
37 aquele vizinho majestoso: o Mar. Para mim, essa visita é a mais bela e estonteante. Eu fecho os olhos e deixo os meus sentidos aflorarem: o barulho das ondas, o grito das gaivotas, o cheiro da maresia, o frescor do vento, o calor da areia, a salinidade da água,... De repente, tudo em mim vira gratidão a Deus e os meus olhos se enchem de lágrimas de felicidade. Estamos vivos.
E onde eles estarão agora? Nesse momento de mansuetude na orla, vejo que todos estão PELO LADO DE DENTRO de mim, no coração. E estarão sempre comigo... aonde eu for.