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Eleandra Bonatto
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Temporal
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Eleandra Bonatto
Chorava. Compulsivamente. O tipo de choro que não espera, não pede licença, apenas vem. Pegou-a de surpresa, como somente esta dor sabe pegar. Seria coincidência que o barulho das gotas na vidraça abafasse os seus soluços? Que as gotículas incessantes escondessem seu desamparo dos olhos do mundo? Qual dor machuca esta mulher, tão profunda e tão incontrolável que não a deixa sequer chegar até a solidão do seu quarto? Na enorme sala que se abre às suas costas, cheia de pessoas que não imaginam a sua luta, conversas pipocam, animadamente, e ninguém percebe seus ombros trêmulos e rosto pendido na vidraça. O mundo desaba, o céu chora também, vãs são as tentativas de parar seu pranto. Seus pensamentos tumultuados não oferecem consolo, não há somente uma dor, existe toda uma mescla de emoções transbordando dentro dela. O coração partido, a alma cansada, as vezes em que a vida não foi suave, as perdas e as partidas, tudo dói. Ninguém chega oferecendo conforto, não há paz, ou há. Aquela paz que virá depois do pranto e da chuva, quando a dor for somente uma lembrança de rímel borrado. Mas nesse momento ela queria um abraço, que alguém lhe dissesse, bem baixinho, que tudo vai ficar bem.
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Esse desejo não acontece, pessoas não costumam oferecer consolo, dores alheias constrangem e intimidam, pois lembram feridas que cada um traz consigo e alguns preferem fingir que essas mágoas não existem.
Cai a tarde de mansinho, finda o temporal, ambos, o da mulher e o do tempo. Ela respira fundo, seca suas lágrimas, passa a mão nos cabelos, coloca seus óculos escuros e um sorriso no rosto e volta-se para a grande sala para enfrentar o mundo. Até a próxima tempestade.
Licenciada em Letras, funcionária pública municipal, mãe da Ângela, escreve poesias, trovas e crônicas, é membro da UBT (União Brasileira de Trovadores). Ama sua família, seus amigos, seus pássaros, seus cães e seus livros.