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Camilla Cruz

Padrão A

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Camilla Cruz

Não tinha certeza se realmente funcionaria. Muitas das minhas patroas diziam que sim. Por isso, era impossível duvidar, elas eram as provas vivas de que tudo funcionava. Por quanto tempo vou conseguir aguentar ter olheiras, olhar caído, braços flácidos, peitos e bunda pequenos demais, lábios finos demais, rugas na testa, pés de galinha nos olhos, bochechas grandes demais, olhos pequenos demais, barriga gorda demais e cheia de estrias, consequências de uma gravidez? É engraçado como, no ano passado, me diziam que eu estava muito magra. Lógico, só tomava chá o dia inteiro. Tomava alguns remedinhos também. Estava difícil levantar da cama depois de ver a última foto que

Lana Meireles postou: linda, com um biquini (biquinizinho de tamanho e biquinizão de preço) branco de grife, se bronzeando em um iate na Itália, comemorando seu aniversário de quarenta anos com a barriga chapada após de ter duas filhas gêmeas no mês passado.

O treinador dela está de parabéns. Eu só queria ter o saldo no banco igual ao dela. Nem precisava ter tantos seguidores e patrocinadores.

Pensando bem, seria bom ter uma assistente pessoal atenciosa para me ajudar a organizar minhas turnês mundiais, novelas e comerciais. Ou melhor, minhas faxinas, como no mundo real. Não vou mentir dizendo que nunca fiz nada. É tão normal se deixar modificar e ainda pagar por isso. Mas, ao mesmo tempo, não posso dizer que fiquei satisfeita, porque meu nariz ainda está torto e grande. Preciso deixá-lo perfeito com a ajuda de alguns mil reais.

Muitos, para ser sincera. Para que meu nariz não fique ainda maior.

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Tenho bons ângulos e bons filtros nos aplicativos, mas preciso de fotos mais reais. Na verdade, preciso de um bom cirurgião, porque o último que fui estragou meu nariz.

Precisa haver uma forma de conseguir dinheiro rápido para ser como tenho que ser. Não me sinto eu mesma. Não me sinto a verdadeira Roberta. Sei que sou muito mais bonita. Só precisava de dinheiro e procedimentos estéticos em clínicas caras. Não posso reclamar da minha pele, bronzeada e hidratada, porque vou na esteticista toda semana, não importa se o aluguel já venceu. Três turnos semanais nunca serão suficientes para tudo que eu preciso fazer anestesiada. No meu momento de paz absoluta. Se eu morresse, morreria feliz com a cirurgia concluída. Uma vez fiquei entre a vida e a morte, entubada e frágil, durante uma lipoaspiração. Recuperei-me logo, foi só uma hemorragia. Nada muito grave.

Chegou a hora de levantar e encarar esse espelho do banheiro, tão detalhista e revelador, que me pressiona a fazer tantas coisas com o meu corpo. É impressionante! Minha maquiagem cara está quase acabando. Como consertar tantos cravos, espinhas e poros abertos? Mal posso esperar para chegar o dia de ir à clínica estética para fazer uma visitinha. Falando nisso, também preciso ir ao cabeleireiro, tingir esses cabelos brancos que surgem quando a gente completa trinta e cinco anos e vive atendendo pessoas ricas por telefone no trabalho. Além de limpar todas as suas sujeiras diariamente, é óbvio.

Será mesmo que sou uma empregada? Não posso ser doméstica. Nem empregada doméstica. Posso até ser funcionária, mas me parece muito amplo para as minhas funções tão específicas.

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Mas, empregada doméstica, não aceito ser. Sou empregada só porque tenho emprego. Poderia dizer que meu trabalho é ser assistente de domicílios. É uma nomeação que parece funcionar melhor do que as anteriores. Até inclui o trabalho de secretária e de babá. Animal-fêmea-domesticada, posso afirmar que não sou.

Olhando assim, dá para ter certeza que a segunda rinoplastia não funcionou. Tem alguma coisa errada com esse meu nariz. Vou ser obrigada a levar uma foto da Lana Meireles para mostrar meu modelo de nariz perfeito. Se esse médico novo que minhas amigas me indicaram, o Doutor Leão, quiser ser um cirurgião plástico como o dela, vai estudar para me deixar com o rosto igualzinho, com um padrão A facial. Meu nariz está inacreditável. O pior vai ser a recuperação. Não vou poder ficar afastada do trabalho por muitos dias. O importante mesmo é ter o nariz reto e perfeito, além de parar de gastar com ele, gastando com outras coisas que é preciso consertar, é claro.

Soube desse conceito, o padrão A, quando a Patrícia, minha patroa, me contou que, no canal de televisão que ela assiste todos os dias, tem um cirurgião que faz um reality show de realização de procedimentos estéticos que mostra como chegar ao padrão A de beleza facial. Esse nível estético só se alcança quando se atende a todas as medidas do rosto perfeito, propostas pela pesquisa desse médico famoso de Hollywood. Estou decidida a trabalhar, no mínimo, sessenta horas semanais para conseguir chegar ao padrão A facial ainda este ano. Pensando bem, só vai ser possível no ano que vem. Vejo isso mais tarde. Já estou atrasada para pegar o metrô.

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