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Carla Rodrigues

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O Diário de uma Dicotômica

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Carla Rodrigues

Capítulo I

Uma esquina para liberdade

Sábado é meu dia favorito, tanto quanto o domingo, o que retrata um pouco do meu pensar e sentir. A mente realmente é um oceano de profundezas e sutilezas, mergulhar em si é desafiador, é como encontrar corais lindos, navios naufragados há 100 anos e corroídos pelo tempo, mas também em meio a beleza o medo pode pairar frente ao desconhecido, sem saber ao certo quais criaturas encontrar ou ainda se é possível ir ainda mais fundo... Neste instante, fico a observar meu quadro favorito, situado no meu quarto bem acima da minha mesa de estudos, de formato retangular, suas cores são sóbrias em tons camel. Tento obter o máximo dele, para uns é apenas uma esquina monótona, para mim é um lugar com vários sentidos, um ponto de partida talvez ou apenas uma fotografia em qualidade profissional. No entanto, a imagem diz muito sobre mim e a minha maneira de ver as coisas, nela há dois prédios, um deles amarelo imponente em arquitetura que não sei decifrar, suspeito que seja em outro país, e outro a esquerda apenas uma parte dele é possível contemplar um tanto comprimido pela alameda. Percebo que a rua espaçosa corta o concreto eminente e fico a observar as sacadas, em quase todas as aberturas há rostos e corpos esculpidos verdadeira perfeição, mas não como

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querubins. Não há pessoas na rua e o céu não está azul, denunciando um dia de nebulosidade.

Apesar de contemplar cada detalhe minúsculo por longo período, chama-me a atenção repentinamente outros fatores, tal como em um leve susto, logo me percebo em um desvio dicotômico dentro da minha própria percepção. Mas como assim um desvio dicotômico? O que de fato seria isso? O fato que não há dois prédios, mas vários, nas ruas laterais, aos fundos e até nas diagonais. Assim é meu modo de perceber a vida, foram 35 anos a observar apenas uma ou duas opções, seja nos relacionamentos, no trabalho e por vezes até nas refeições. O famoso “oito ou oitenta”, “preto ou branco”, “sim ou não”, “ vai ou fica “ ... Nesse perigo copioso da minha própria mente arquitetava as minhas defesas e salvações onde não existia nem por um instante “o talvez” ou o “quem sabe”... - Há opções !!!- alguém disse. Apesar da visão e sentido único, cada instante transborda o ímpeto para uma solução desesperada e a proteção do sei lá o que .... Se perceber já é um bom começo, uma voz tranquila pontua em meio aos pensamentos, assim um pequeno alívio me conforta pois há muito a se fazer e transformar em um modo ideal, saudável e funcional para os meus dias. O cotidiano dicotômico é quase capital na guerra mental para decidir, alguma coisa acaba por fixar a regra primordial armada para uso do perigo imaginário, que vai de uma simples escolha como um café ou cappuccino até o “não quero mais “ defensivo. Para fugir da dor a dicotomia traz a força que faltava para o salto no precipício mental. Perceber a ansiedade da fuga como única solução é tão desgastante como correr 30 km. Porém após algumas “ grandes descobertas” no

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meu íntimo percebo que é possível bem viver e sobreviver a mim mesma e minhas próprias armadilhas, sim!!!

Então consigo me auto reverter, é como ver um quadro de ponta cabeça, é analisar a obra com o que há por trás dela e descobrir o infinito de possibilidades, é o alívio depois de “ nadar e não morrer na praia” que acaba por transpor verdadeira calma para minha alma sofrida e manipulada. Não há mais “ oito ou oitenta”, há zeros, setes, cincos e milhares de possibilidades na minha nova aventura de viver, o sabor do inesperado ou do improvável já não transpõe calafrios pois me permito notar as minhas alternativas psíquicas e inacreditáveis, antes impossíveis aos meus sentidos.

Escrito por Carla Rodrigues em 29 de janeiro de 2022. Aspirante a escritora e ilustradora nas horas vagas. Atualmente praticando nadismo e confucionismo. Adepta ao cultivo da gratidão como emoção preventiva.

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