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Rosemari Bragato
Nádia
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Rosemari Bragato
Na época em que o Brasil estava no auge da retomada da democracia, Nádia nascera no sul do Brasil, em uma pequena colônia de imigrantes poloneses. Fora uma criança linda, mas muito rebelde, que não aceitava conselhos dos pais e não valorizava a cultura local, evitando as festas tradicionais, tão valorizadas pelos moradores do lugar, especialmente pelos idosos que nelas procuravam amenizar as saudades que sentiam dos familiares que haviam ficado na terra natal. Criada em ambiente onde o catolicismo era praticado com muita fé e que todos seguiam, sem questionamentos, as orientações dos sacerdotes, detestava ir à missa e, quase todos os domingos procurava uma desculpa para não acompanhar os pais e irmãos à igreja.
Na família de agricultores humildes, as roupas que a mãe confeccionava passavam do irmão maior para o menor e as doações que chegavam de pessoas com melhores condições econômicas, eram muito bem-vindas. Na adolescência, muito crítica e ambiciosa, usando palavras irônicas, rejeitava todos os rapazes que, encantados com seus olhos azuis e seus longos cabelos loiros, se aproximaram dela e a pediam em namoro.
- Namorar você? Vê se enxerga seu caipira pobretão.
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Para sua felicidade, seus dezoito anos chegaram e junto com ele veio a liberdade para correr atrás de seus sonhos. No dia posterior ao seu aniversário, ela arrumou uma pequena mochila e despediu-se da mãe: - Você vai nos deixar, mesmo? - Tu não sabia ou sabia e não acreditava que eu fosse embora? Eu já havia dito isso um milhão de vezes! - Vai para onde, minha filha? - perguntou a mãe tentando segurar as lágrimas. - Primeiro, para São Paulo, a mais linda capital do Brasil - disse, girando na ponta dos pés, em um rodopio... E depois, para outros lugares do mundo, quem sabe? - Mas dizem que São Paulo é uma cidade muito grande e perigosa... Tu vai se perder ... E não conhecemos ninguém lá: se a gente conhecesse alguém tu podia ficar na casa dele até arrumar emprego! - Não conhecemos ninguém? Isso é tudo que eu quero! Pretendo conviver com pessoas ricas, ambiciosas... - E sem dinheiro, vai viver de quê? - Não se preocupe comigo: já me candidatei a uma vaga de trabalho e vou direto para a empresa fazer uma entrevista. - Encontrou emprego? De que jeito? - Pelo anúncio do jornal.
A mãe ficou pensativa e, percebendo que a filha estava mesmo decidida a ir embora, resolveu ajudá-la: - Eu tenho um pouco de dinheiro guardado, posso dar para ti, mas logo vai acabar... - Aceito o dinheiro com a condição de pagar tudo, com juros, quando eu ficar rica!
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- Não precisa pagar: é obrigação dos pais ajudar os filhos...
E Nádia partiu. Com ar de desprezo, pela janela do ônibus, ela olhava o pequeno povoado e, intimamente, jurava que jamais retornaria. Amor pelos pais? Nunca sentira! Saudades? De quê? Da vidinha medíocre? Dos almoços de domingo em que o prato principal era um frango ensopado ou um pernil de porco assado? Com certeza, ela não sentiria falta deles!
Viagem longa, cansativa, ônibus lotado, cheiro de urina que exalava do sanitário que ficava no final do veículo... Se alguém tentasse conversar com ela, respondia o que era perguntado e fechava os olhos, fingindo dormir.
“Não tenho paciência com gente bisbilhoteira”, foi o que pensou.
Chegando a São Paulo, procurou uma pensão simples e no dia seguinte apresentou-se para entrevista do emprego a que havia se candidatado. Foi contratada como secretária, mas, na semana seguinte, devido ao seu sotaque de estrangeira, foi remanejada para o almoxarifado.
Sua beleza exuberante acompanhada de uma altura acima da média, chamava muito a atenção dos demais funcionários da empresa e ela recebia propostas, recusando a todas: sua formação não permitia o tipo de relacionamento sugerido.
No segundo mês de trabalho, começou a conversar mais com uma colega e Suzana, a nova amiga, resolveu apresentar-lhe a cidade. Inicialmente, foram ao shopping e Nádia ficou fascinada com o que via. Depois de olharem vitrines e de lancharem, foram ao cinema. Apesar de nunca ter ido a um, ela conseguiu disfarçar seu encantamento e a amiga não percebeu que, para ela, tudo era novo.
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E os passeios pelo shopping continuaram acontecendo até que um dia recebeu uma oferta: trabalhar como vendedora em uma das lojas de uma rede de roupas femininas. Muito feliz, percebeu que seu sonho estava começando a se realizar. Respondeu que gostaria muito, mas que precisava avisar ao seu atual patrão e também cumprir o aviso-prévio. E assim aconteceu: um mês depois, estava contratada. Sabendo que seu sotaque ainda era perceptível e motivo de sorrisos disfarçados, procurava falar pouco e, para compensar, sorria muito, o que agradava as clientes. No final do ano a loja sempre realizava um desfile e ela foi convidada, com dois meses de antecedência, a participar dele, como modelo. Nesse intervalo, teve aulas de etiqueta, postura, maquiagem, fez limpeza de pele e tratamento para retirar manchas, resquício da vida de pobreza que tivera há pouco tempo e da ausência de cuidados básicos, tão necessários para quem tem a pele muito clara. No final desse período, olhando-se no espelho, via outra pessoa e passou a sonhar mais alto ainda. Embriagada com a nova vida, esqueceu-se da única pessoa que a acolhera na empresa e, principalmente de seus familiares: nunca mais mandou-lhes notícias.
Perseguindo seus objetivos e sabendo que falar uma língua estrangeira era fundamental para sua carreira, matriculou-se em um curso de inglês e, todo final de tarde, saindo da loja, seguia para sala de aula. O lado afetivo que nunca fora importante para ela continuava em último plano e, aos 19 anos, Nádia ainda era virgem. Quando colegas falavam de suas experiências sexuais, trocando confidências, constrangida, ela se afastava.
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As características físicas de Nádia e seu sobrenome Akasak, indicador da origem que ela tanto desprezava, contribuíram muito para seu sucesso. As viagens pelo circuito da moda, Nova York, Milão e Paris, assim como Londres e Tokio eram constantes e à deslumbrante modelo foi atribuído encerrar os desfiles com chave de ouro. Apesar de ter condições econômicas, ela nunca foi conhecer a terra de seus antepassados.
E a vida continuou sorrindo para a jovem elegante e sonhadora. Outras passarelas do mundo a acolheram e sua foto esteve na capa de muitas importantes revistas de moda. Mas essas não chegaram a sua pequena cidade natal e, consequentemente, seus pais nunca souberam de seu fabuloso sucesso. Saudosa e inconformada pela ausência da filha, sua mãe morreu chamando por ela.
A fama, com exceções, costuma ser passageira porque o mercado deseja sangue novo e outras jovens ingressam no mercado da moda, fazendo com que as mais velhas percam seus postos. Como também se sabe, o dinheiro que chega fácil, vai embora com a mesma facilidade. Aos 35 anos Nádia estava sem trabalho e, consequentemente, sem dinheiro. Amigas? Nunca tivera. Filhos, também não. Amores? Nada significativo, apenas envolvimentos por interesse, de ambas as partes: dela, por novas oportunidades de trabalho, deles, por seu corpo bem cuidado e seu rosto lindo. Depois da queda profissional, visando algum cachê, começou a servir de acompanhante de executivos em festas e viagens. Para demonstrar animação que não sentia e conseguir suportar as companhias nem sempre agradáveis, começou a beber muitas doses de whisky e, posteriormente, a fazer
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uso de cocaína que circulava gratuitamente nos ambientes que frequentava. Mas esses convites também começaram a diminuir, até que nunca mais foi chamada para eles. Se a gloriosa carreira havia acabado, o vício não, pelo contrário, estava cada vez mais exigente e ela precisava alimentá-lo. Para isso, começou a fazer entrega de drogas em festas da alta sociedade até que, em uma delas, após denúncia anônima, houve uma batida policial e ela foi uma das pessoas presas. Depois dessa, outras prisões aconteceram pelo mesmo motivo. Sem trabalho e sem residência, ser moradora de rua foi sua única alternativa. Arrastando seus pertences em um saco de lona, a ex-modelo que havia conhecido o doce sabor da fama, perambulava pela cidade grande que tanto a fascinara e pedir dinheiro para alimentar seu vício, passou a ser seu único objetivo.
Do glamour das passarelas internacionais à rua; da rigidez de valores ao vício e à degradação; da beleza deslumbrante a farrapo humano; da ilusão para desilusão, em curto espaço de tempo.
Nascida em Santiago, RS e residente em Campo grande, MS. Professora e Psicóloga com mais de trinta anos de atuação em psicoterapia. Teve seu primeiro livro publicado em 2009 e, atualmente, tem 12 publicações destinadas a crianças, adolescentes e adultos, assim como participação em diversas Antologias. Casada, tem três filhos e cinco netos. Filiada a EBE/MS e membro da Academia Feminina de Letras e Artes (AFLAMS)