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Ana Paula Milani
O homem que não merecia ter as mãos
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Ana Paula Milani
Seja bem-vindo, meu amor, a um mundo de verdades. As minhas verdades. Ou as verdades que a maioria das mulheres que já acordaram teriam a dizer. Como sempre, meu querido, sem gramatiquices, porque sei muito bem quando não é hora pra isso. As verdades, meu anjo, são ditas no calor das ironias e dos coloquialismos. Ah! E também são ditas depois de umas taças de vinho num início de noite de chuva. Pois a verdade é que eu sei que aquele soco numa porta de vidro é um soco que tu erraste da cara dela. E ela não teve coragem de contar a ninguém, porque sabia que, se abrisse a boca, na próxima vez, tu socarias pra acertar. Eu também sei que tu usas do discursinho de atrair a mulher independente para uma noite de sexo fácil, mediante o argumento imbecil de que a mulher independente tem a obrigação da liberdade sexual irrestrita e deve satisfazer tuas vontades, mas eu também sei que homens do teu calibre não mereceriam sequer ter as duas mãos para se satisfazerem sozinhos, que dirá a honraria de usar essas duas mãos imundas para tocar numa mulher. (Já dizia Drummond: “Minha mão está suja / Preciso cortá-la / Não adianta lavar”) Eu também sei que te escondes das mulheres independentes porque tens medo de não suportar a vontade de entrar em contato com elas (hoje em dia, se chama bloquear). Porque gostarias de ter o nosso apreço. Gostarias de ter o nosso desejo. Eu sei disso. E te entendo. Somos insuportá-
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veis. Mas nós não procuramos e não damos atenção a homens como tu. Nós destruímos homenzinhos, isso sim. Como Dr. King Schultz liquidou Calvin Candie. Como Django incendiou Candyland. Tu não aguentas nos ver pegando fogo, pagando as nossas contas, tendo mais condições financeiras e intelectuais do que qualquer como tu. Ó, meu caro, não pagamos por nossas casas pra tu achares que podes te oferecer para frequentá-las. Justo tu, mais um desses que não mereciam ter as duas mãos! Eu esperei de ti muito mais, mas só o que tinhas a oferecer era um mundo de falsidades que, infelizmente, ainda atraem aquelas que não acordaram ainda. Não finjas ser um homúnculo que admira as mulheres que se bastam, porque eu sei que tu não lê mulheres, não ouve mulheres, mas assiste a mulheres. Porque pensa que elas só servem para serem vistas e avaliadas. Não leu Clarice. Não ouviu Marília nem Gal. Mas assiste à Anitta, para poder medir o corpo dela de cima a baixo e achincalhá-la dizendo que ela não passa de um pedaço de carne. Mas a Anitta, meu amorzinho, compra até tua alma e cospe na tua cara se quiser, enquanto tu dizes que ela não tem cérebro. Sei que o rapazinho acha que eu também não tenho cérebro. Ele acha que mulher nenhuma tem, ele, ora quem? Ele! O homem que não merecia ter as mãos! O homem que valoriza tanto as pompas, os títulos e as condecorações. Títulos não têm validade nenhuma na mesa do bar, na cama ou no caixão. Nesses lugares somos desnudos, então não existe lugar para a soberba das posses ou de conhecimentos que não interessam a ninguém além de ti. A vida não é um recital de decorebas, ela é, sim, um palco
27 perfeito para um espetáculo de vivências genuínas. Pois meu caro, não pense que as pessoas não podem ser frágeis. Nós podemos, e tu também pode. Existe um arco-íris de opções, de oportunidades de renovação. Tu escolhes se quer ser Johnny Walker, Johnny Deep ou Johnny Cash. E nós escolhemos se queremos ser Glória Maria, Glória Groove ou a Glória que “roubou” aquele embuste do Olímpico de Jesus da estrela Macabéa de Clarice.