Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

Page 281

estampar charges em jornais do país inteiro. O carnaval enquanto ferramenta de crítica política (e os desfiles da Mangueira e da Beija-Flor potencializaram isso, por caminhos distintos) estava na pauta do dia, despertando um sentimento transgressor muito em voga na década de 1980, no contexto da redemocratização, em escolas como Caprichosos de Pilares, São Clemente e Mocidade Independente de Padre Miguel. Léo Morais, o destaque que vestiu a fantasia, talvez não imaginasse o quanto a sua imagem seria reprocessada, defendida e acusada, nas redes sociais e nos portais de notícias. O carnavalesco Jack Vasconcelos, autor do enredo Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? (título que dialoga com o samba antológico que a Unidos de Lucas cantou em 1968, Sublime Pergaminho), virava um dos personagens da folia momesca de 2018. Curioso é pensar que durante a discussão travada na UERJ, em 16 de julho de 2013, quando as ruas ainda explodiam (fragmentos de vidraças e balas de borracha das ditas “jornadas de junho”), Rosa Magalhães respondeu, ao ser questionada sobre o porquê de não mais existirem enredos críticos, nos moldes dos anos 80: “porque não há mais espaço para isso.” A artista, ladeada por Felipe Ferreira e Marcelo de Mello, declarou que não mais se sentia estimulada a desenvolver uma narrativa como aquela que havia apresentado, juntamente com Lícia Lacerda, na Imperatriz Leopoldinense, em 1984, ano da inauguração do Sambódromo. O enredo Alô, Mamãe!, para ela, havia ficado no passado: “se algum carnavalesco fizer algo naquele estilo, hoje, vai ser execrado. O público não quer mais ver aquilo, está cansado de política. Os jurados não entenderiam. Hoje ficou tudo mais sério.” O Vampiro Neoliberalista e os Manifestoches de Jack Vasconcelos provariam, poucos anos depois, que a vivacidade do carnaval é algo inapreensível. As correntes marítimas não aprisionam as ideias: mudam de maneira repentina, voraz, confundindo as rotas e os olhares dos navegadores. A própria Rosa Magalhães, em 2016, voltaria às críticas políticas – talvez não tão afiada como nos “velhos tempos”, mas disposta, sim, a questionar o presente e a desenhar as suas charges.

VI. 2. 1 – Pirão de areia e sopa de vento O enredo gresilense de 1984 apontava o dedo para a cara do Brasil, um país ainda governado aos golpes de cassetete – e alegre não é constatar, em tempos de intervenção federal, que pouca coisa mudou desde então. Valendo-se do símbolo do telefone (telefone 281


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães by Portal Academia do Samba - Issuu