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VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

Os mesmos índios de vestes americanizadas se viam misturados a melindrosas, bruxas, fadas, holandesas, polichinelos e baianinhas na ala Bloco de Rua, concebida por Rosa Magalhães para o desfile de 2015 da São Clemente, sobre a vida e a obra de Fernando Pamplona. A autora demonstrava compreender a complexa teia de relações transculturais que enredam a imagem do índio apache, brindando o público com um conjunto de fantasias brilhante.

VI. 1. 7 – O carnaval nosso de cada ano

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Não é outra coisa senão o carnaval o triunfo maior das narrativas de Rosa

Magalhães. Utopia, heterotopia e heterocronia, as definições não bastam para expressar o quanto a folia momesca aparece nas obras da autora, coroando as histórias desfiadas. Sempre que pode, a artista inseriu o carnaval nos seus mapas carnavalescos, exercício metalinguístico dos mais apropriados – o enredo clementiano de 2015 é apenas um exemplo bem-sucedido; há inúmeros a serem apontados, a começar pelos já mencionados acordes foliônicos presentes em 1991, 1993 e 1997. Nos três enredos, o carnaval do Rio Antigo ganhou a Sapucaí, sobrando referências às figuras das trevas: caveiras, caixões, diabos, morcegos, a própria ceifadora376 se fazia presente. Festa que duela com a morte (se pensarmos na iconografia de Bruegel a antiguidade da questão ganha corpo), o carnaval flerta com as forças d’além-túmulo e com as cortes do submundo – não à toa, o rancho Ameno Resedá, na folia de 1911, apresentou o enredo Corte de Belzebu, “dramatizando um inferno muito atraente, repleto de simpáticos diabos e formosas diabinhas e embalado por uma orquestra de sopros.”377 Ciente desse imaginário, Rosa Magalhães levou para a Sapucaí uma carruagem puxada por touros negros e conduzida por demônios, em 1993. Os mesmos demônios vermelhos coloriram a apresentação salgueirense de 1991, emoldurando o penúltimo carro alegórico. Em 1997, os diabos ganharam novas cores: verde, preto e amarelo limão. Inseridos no setor que falava dos carnavais populares do tempo de Chiquinha Gonzaga, empunhavam tridentes e conduziam o olhar dos espectadores para a quinta alegoria do cortejo, adornada com estandartes e rosas de ouro.

376 Novamente, é preciso lembrar das manifestações carnavalescas de Nova Orleans e das pesquisas de Fred Góes. O autor menciona os cortejos festivos que acompanham defuntos – a carnavalização dos funerais, algo também observável no dia dos mortos mexicano. 377 FABATO, Fábio; SIMAS, Luiz Antonio. Obra citada, p. 19.

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O espírito dos carnavais populares reapareceria em algumas narrativas, sob diferentes roupagens: em 2003, a autora se valeu da marchinha Pirata da perna de pau, de Braguinha, para encerrar o enredo sobre a pirataria com uma homenagem aos “piratas de Momo”, foliões anônimos que se fantasiam de flibusteiros e saem pelas ruas da cidade; em 2007, foi a vez do carnaval popular de Olinda invadir a Sapucaí, graças à referência ao bloco Bacalhau do Batata; em 2009, a homenagem à própria Imperatriz Leopoldinense (imagem 106) e ao bairro de Ramos rendeu, por extensão, visões dos antigos carnavais suburbanos, com especial destaque para os banhos de mar a fantasia. A carnavalesca conta, na sinopse do enredo, que a praia de Ramos era conhecida como Mariangú, devido à presença das aves de mesmo nome. Apelidada de “Copacabana do subúrbio”, também sediava competições esportivas e de caça ao caranguejo. A terceira alegoria do desfile propunha uma visão festiva desse universo à beira-mar, com foliões usando bóias e trajes de banho, tudo albergado pela seguinte justificativa:

Nos requintados coretos da Rua das Missões, promoveram-se encontros memoráveis de blocos e ranchos que animavam os foliões até a manhã da quarta-feira de cinzas. Outro grande momento da festa era quando o grupo de mascarados, sereias, netunos, pierrôs, arlequins e colombinas mergulhavam no mar da aprazível praia de Mariangú, a nossa praia de Ramos.378

As referências ao carnaval do subúrbio não acabavam aí: a Comissão de Frente, coreografada por Alex Neoral, trazia 15 Clóvis ou Bate-Bolas379, tradicionais figuras dos bairros das Zonas Norte e Oeste do Rio de Janeiro (imagem 107). No carro alegórico de número 4, onde predominavam o preto e o branco, calhambeques e mascarados cortejavam um imenso Rei Momo de feições muito parecidas com aquelas do monarca que encerrou a apresentação gresilense do ano 2000, em uma alegoria que celebrava os “500 anos do Brasil” a partir da marchinha de Lamartine Babo, e do monarca que encerrou a apresentação mangueirense de 2014, em uma alegoria que celebrava o lirismo do carnaval por meio de um carrossel. No final do desfile do ano 2000, a carnavalesca apresentou pierrôs, arlequins e colombinas vestidos de verde, amarelo e dourado, todos

378 Justificativa do enredo de 2009 da Imperatriz Leopoldinense, encontrada no Livro Abre-Alas daquele ano. Disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA. 379 Sobre tal manifestação carnavalesca, ver PEREIRA, Aline Valadão Vieira Gualda. Os Bate-Bolas do carnaval contemporâneo do Rio de Janeiro. In: Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares (TECAP –UERJ), Estudos de Carnaval, v.6, n. 1, 2009, p. 115/124.

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expressando uma “visão festiva do descobrimento”. No final do desfile de 2014, os mesmos pierrôs, arlequins e colombinas (além de palhaços) vestiam verde e rosa.

Imagem 106: Abre-alas do desfile de 2009 da Imperatriz Leopoldinense, uma visão carnavalesca em homenagem à fundação da agremiação de Ramos. Foto: Wigder Frota. Acervo pessoal.

Imagem 107: Bate-bolas da Comissão de Frente que a Imperatriz Leopoldinense levou para a Sapucaí em 2009, sob o comando do coreógrafo Alex Neoral. Além do diálogo com Arlindo Rodrigues (o trem alusivo ao desfile gresilense de 1981, homenagem a Lamartine Babo), a presença de manifestações carnavalescas suburbanas é um ponto a ser destacado na obra de Rosa Magalhães. Foto: Wigder Frota. Acervo pessoal. 271

Outros desfiles encerrados com a celebração do carnaval foram os dos anos 2001, 2002, 2008 e 2011. Em 2001, o enredo sobre a cana-de-açúcar e a cachaça saltava da Inconfidência Mineira (segundo Rosa Magalhães, os inconfidentes só brindavam com cachaça, uma vez que eram nacionalistas) para o Morro da Mangueira. A carnavalesca concebeu um setor inteiro (6 alas e 1 carro alegórico, além de uma segunda Comissão de Frente devidamente paramentada) dedicado à memória de Carlos Cachaça, fundador da Verde e Rosa. Até Cartola entrou na dança: a alegoria final homenageava a música As rosas não falam, apresentando um verdadeiro roseiral ao redor do trem da primeira estação da Central do Brasil (imagem 108).

Imagem 108: Última alegoria do desfile da Imperatriz Leopoldinense de 2001, homenageando Carlos Cachaça e a Estação Primeira de Mangueira. Foto: Agência O Globo. Centro de Memória do Carnaval –LIESA.

Em 2002 e em 2011 o carnaval aparece graças a duas figuras icônicas já mencionadas no trabalho: Carmen Miranda e Lamartine Babo. Encerrando a apresentação sobre a antropofagia, a presença da Pequena Notável, entre cachos de bananas, morangos e flores multicoloridas, coroava o dito South American Way, algo cafona e estereotipado – isso nas palavras da própria realizadora, para quem a estrela internacional era a síntese mais carnavalizada do Manifesto de 1928. Em 2011, na apresentação sobre os fios de cabelo, as marchinhas de Lamartine foram transformadas em perucas de palhaços e

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cabrochas – a hoje polêmica O teu cabelo não nega, mote para o enredo que Arlindo Rodrigues desenvolveu para a Imperatriz, em 1981, reaparecia em azul e branco. Os diálogos mais assumidamente metalinguísticos, no que tange aos desfiles das escolas de samba, se deram em 1993, 2008, 2009 e 2014. Em 2008 e em 2009, a Imperatriz revisitava a si mesma sob a pena da carnavalesca – ora com mais, ora com menos sucesso. O encerramento do cortejo de 2008, com a coroa decorada com pompons e as referências a todos os campeonatos conquistados pela agremiação, foi bem pensado e muito bem executado (imagem 109) Já as “referências autobiográficas” de 2009 causaram estranhamento – e ainda mais incômodo causou a reinterpretação de Rosa Magalhães para a alegoria alusiva às “glórias” do Duque de Caxias que o carnavalesco Max Lopes apresentou em 1989 enquanto peça do enredo Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós! Originalmente imponente, luxuosa e alta (tão alta que teve dificuldade para entrar no Sambódromo), a visão dos cavaleiros combatendo no Paraguai foi reduzida a um tripé de decoração desleixada (em verdade, uma lycra verde sobre uma empilhadeira que levantava um cavalo branco), algo incomum na trajetória da artista, marcada pelo cuidado para com os menores detalhes.

Imagem 109: Traseira da última alegoria da Imperatriz Leopoldinense, no desfile de 2008, com a presença de todos os troféus de campeã conquistados pela escola de Ramos. Foto: Wigder Frota. Arquivo pessoal. 273

Para além dos carnavais da época do Marquês de Sapucaí (segunda metade do século XIX, dos entrudos aos cordões), o enredo de 93 estendia o olhar para os desfiles da contemporaneidade e projetava o futuro – heterocronia das mais ousadas. Rosa Magalhães e Viriato Ferreira, numa atitude antropofágica, abocanharam as estéticas de Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto e Joãosinho Trinta, recriando fantasias e alegorias marcantes concebidas por tais artistas. O barroco baiano de Arlindo, o tropicalismo de Fernando Pinto (com direito a onças, araras, motocicletas, inclusive o tatu-tanque de guerra) e o lixo (que virou luxo, entre ratos e urubus) de João 30 foram ressignificados em um outro momento. Ao final, depois das visões de futuro um tanto enigmáticas (dinossauros e lagartos se misturavam a formas vazadas que lembravam tubos espaciais e máquinas de teletransporte), uma reprodução da própria Marquês de Sapucaí (arquibancadas, holofotes, Praça da Apoteose) cruzou a Avenida (e curioso é notar que o último carro do Acadêmicos do Salgueiro, escola que ganharia aquele campeonato, expressava a mesma ideia). Antes do Sambódromo de concreto e do Arco da Apoteose projetados por Niemeyer, o público se espremia em arquibancadas de metal e contemplava as decorações de rua que anualmente venciam o concurso proposto pela prefeitura. A memória dos desfiles de escolas de samba que escorriam por debaixo dessas decorações380 não ficou de fora do enredo que Rosa Magalhães desenvolveu para a São Clemente, em 2014 – e aqui retornamos ao diálogo da autora com a obra do seu “mestre”, o carnavalesco Fernando Pamplona. Naquele desfile, a artista revisitou os célebres “enredos negros” do Salgueiro e recriou a imagem da Igreja da Candelária emoldurada pelas formas geométricas das decorações concebidas por Pamplona – formas também traduzidas em fantasias, algumas das mais criativas já assinadas por ela (imagens 110e 111). Até mesmo a visão celestial da última alegoria, onde se via uma escultura do carnavalesco envolto pornuvens e anjinhos negros, ganhava ares carnavalizados de acento retrô, com arabescos de vime e pingentes de ráfia – elementos decorativos amplamente utilizados nos desfiles do Salgueiro.

380 Sobre as decorações de rua, ver GUIMARÃES, Helenise. A batalha das ornamentações. A Escola de Belas Artes e o Carnaval Carioca. Rio de Janeiro: FAPERJ / Rio Books, 2015.

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Imagens 110 e 111: Duas fantasias de alas concebidas por Rosa Magalhães para o desfile de 2015 da São Clemente. A transformação das antigas decorações de rua idealizadas por Fernando Pamplona em figurinos geométricos agradou ao júri do Estandarte de Ouro. Fonte: http://www.portaldosambarj.com/2015/02/pordentro-do-desfile-sao-clemente.html. Acesso em 13/03/2018.

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A bonita relação entre Rosa e Pamplona nos leva, por fim, ao desfile que rendeu à carnavalesca o seu primeiro título de campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro, quando ainda assinava desfiles ao lado de Lícia Lacerda: o desfile do Império Serrano de 1982, Bum Bum Paticumbum Prugurundum. O Sambódromo não existia, os carros alegóricos, nas palavras da autora, poderiam ser feitos sobre carrinhos de aeroporto, tamanhas as dimensões reduzidas. O título, por si só, é provocativo: trata-se de uma onomatopeia

retirada da entrevista concedida por Ismael Silva a Sérgio Cabral, publicada originalmente no livro As escolas de samba – o quê, quem, quando, onde, como e por quê e depois, em parte, na obra Escolas de Samba do Rio de Janeiro. 381 Segundo a artista, o título sugerido por Fernando Pamplona, Onze, Candelária e Sapeca aí, não a agradava: usava de um trocadilho que não mascarava a “clareza” da proposta. A expressão onomatopaica de Ismael, por sua vez, “ocultava” o enredo sem deixar de sintetizar (sonoramente, em especial) a proposta de falar da evolução das escolas de samba, para terminar na crítica ao gigantismo do espetáculo (as “superescolas de samba S.A.”). O exemplo ilustra o fato de que Rosa, a começar pelos títulos dos enredos, é adepta da experimentação. 382

O enredo havia sido proposto ao Império Serrano por Fernando Pamplona, mas o desenvolvimento (inclusive a escritura da sinopse) coube à dupla de jovens carnavalescas, ambas ex-alunas dele, na Escola de Belas Artes. Pamplona narra, em O Encarnado e o Branco, que jamais assinaria um desfile de escola de samba em uma agremiação que não o Salgueiro – e manteve a palavra até o final da vida383 . Rosa e Lícia, que assumiam a escola da Serrinha depois de um ano conturbado (no carnaval de 1981, com o enredo Na

381 Ver CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. São Paulo: Lazuli Editora, Companhia Editora Nacional, 2011, p. 269. 382 BORA, Leonardo Augusto. A Antropofagia de Rosa Magalhães, p. 15. 383 O episódio é narrado vivamente por Rachel Valença e Suetônio Valença: “Para o carnaval, Jamil (Jamil Salomão Maruff, conhecido por Jamil Cheiroso, presidente da escola na época) fez contato com Fernando Pamplona, o respeitado carnavalesco que dera tantas vitórias ao Salgueiro. Mas Pamplona, fiel à vermelho e branco da Tijuca, não aceitou. Porém, por gostar de Jamil, dono, segundo ele, ‘do sorriso mais simpático do samba’, e ter uma forte simpatia pelo Império, deu uma sugestão de enredo: Onze, Candelária e Sapecaí, uma história do desfile das escolas de samba baseada nas três fases do carnaval, segundo o livro Fala, Mangueira, de Marília Trindade Barboza e Arthur Loureiro de Oliveira Filho. E para desenvolvê-lo indicou duas ex-alunas suas na Escola de Belas-Artes, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda. (...) A primeira exigência das carnavalescas foi a troca do título do enredo. Rosa Magalhães não suportava o trocadilho Sapucaí/Sapecaí. Até aí, tudo bem. Mas a proposta do novo título era polêmica: Bum Bum Paticumbum Prugurundum. De onde isso saíra? Rosa explica que, ao ler o clássico livro do jornalista Sérgio Cabral As escolas de samba: o quê, quem, como, quando e por quê, para desenvolver o conteúdo do enredo, se deparou com a famosa entrevista concedida ao autor por Ismael Silva e se apaixonou pela onomatopeia com que ele descreve o ritmo do novo samba surgido no Estácio, feito para o deslocamento, e não para dançar parado.” In: VALENÇA, Rachel; VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano. O Império do Samba. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 237/238.

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terra do pau-brasil nem tudo Caminha viu, o Império foi a última colocada do Grupo Especial, porém não houve rebaixamento e a escola permaneceu no 1º grupo), dividiram a narrativa em três capítulos: Praça Onze ou Fase Autêntica; Candelária ou Fase de Interação; e Marquês de Sapucaí ou Escolas de Samba S/A. Três momentos bem demarcados, a fim de narrar linearmente a história dos desfiles das escolas de samba na cidade de São Sebastião. Na primeira parte, evocavam o romantismo dos primeiros concursos, ocorridos na extinta Praça Onze, quando “os sambistas diziam no pé e o seu amor pela Agremiação era às vezes questão de vida e até de morte.”384 No segundo momento, começavam por abordar o trabalho de Marie Louise e Dirceu Nery, no Salgueiro de 1959 (homenagem a Jean-Baptiste Debret), e exaltavam os enredos desenvolvidos por Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues (como História do Carnaval Carioca e Bahia de Todos os Deuses, mencionados no samba de enredo), no Salgueiro, e Fernando Pinto, no próprio Império Serrano – com destaque para o título conquistado em 1972, homenagem a Carmen Miranda. No último trecho da narrativa, criticavam o “supergasto” que nem sempre acompanhava um “super-samba”, ou seja, a mercantilização das agremiações e o gigantismo luxuoso personificado na figura de Joãosinho Trinta, à frente da Beija-Flor do Nilópolis (imagem 112). João Trinta, sob a ótica do enredo, era o “todopoderoso” carnavalesco midiático (que, dizem as carnavalescas, não gostou da “homenagem” imperiana). O desfile, contra todos os prognósticos385 , foi um triunfo. A escola levou a taça e Madureira explodiu em festa, coroando as meninas-prodígio.

384 LACERDA, Lícia; MAGALHÃES, Rosa. Bum Bum Paticumbum Brugurundum. Sinopse do enredo do carnaval de 1982 do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, presente no conjunto de textos daquele ano (disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA). 385 Rachel Valença e Suetônio Valença narram: “O desfile, no dia 21 de fevereiro, era, tal como no ano anterior, no sentido Presidente Vargas-Catumbi na rua Marquês de Sapucaí. O Império Serrano encerraria o desfile de 12 escolas, Concentrado ao lado dos Correios, logo atrás da suntuosa Imperatriz Leopoldinense de Arlindo Rodrigues, a escola amargava a humilhação de sua simplicidade. A criatividade e o talento das carnavalescas não disfarçava a pobreza daquele carnaval. Além do mais, um atraso expressivo jogou o desfile, marcado para 7h20, para as 10h30 da manhã. O sol era escaldante. Mas a escola não se acovardou. O que se viu a seguir é difícil de narrar. As arquibancadas lotadas cantavam o samba com uma energia contagiante. O componente dava tudo de si, sem uma hesitação sequer. A bateria, em sua linda fantasia de arlequim alvo, causou êxtase. Foi um desses momentos mágicos que de vez em quando é possível presenciar no carnaval. Prova disso é o comentário do jornalista Paulo Siqueira no Jornal do Brasil de 24 de fevereiro de 1982: ao descrever de maneira imparcial e até dura o desfile do Império, admite, no entanto: “Há muito tempo não se via uma aclamação tão intensa a uma escola de samba.” A vitória, ainda assim, parecia distante. A Imperatriz apresentou-se deslumbrante em fantasias e alegorias e com um samba valente. Mas a desobediência a um item do regulamento daquele ano, que proibia pessoas sobre carros alegóricos, acabou custando à escola de Ramos preciosos pontos e dando a vitória ao Império Serrano. O desfile de 1982 também proporcionou ao Império Serrano nada menos do que sete Estandartes de Ouro: além do de sambaenredo, que era esperado, ganhou ainda os prêmios nas categorias enredo, bateria, comunicação com o público, passista masculino, para o passista Ricardo, revelação, para a porta-bandeira Andrea Machado, à 277

Observa-se, em Bum Bum Paticumbum Prugurundum, uma visão idealizada para com os primeiros desfiles de escolas de samba (idealização já presente no título, uma vez que extraído de uma entrevista que por vezes é lida enquanto “mito de origem” e tomada como “verdade absoluta” – algo, naturalmente, problemático). As autoras defendem um “samba autêntico”, de raiz, pulsante nos pés dos brincantes e nas mãos dos ritmistas. A espontaneidade e a singeleza ao invés das coreografias e das vestes e alegorias suntuosas. Subentende-se, da leitura da sinopse do enredo, que os “fortes esquemas financeiros” maculavam a pureza do carnaval, sendo necessário dar um grito de alerta. Mais de 35 anos depois, a discussão permanece a provocar celeumas – basta pensarmos no “modelo” de carnavalesco personificado por Paulo Barros. A crítica estava feita – e jamais abandonaria de todo a produção de Rosa Magalhães.

Imagem 112: Fantasias e alegorias do final do desfile de 1982 do Império Serrano. No alto e no centro da imagem, vê-se a escultura de Joãosinho Trinta, considerado o símbolo do “super-carnavalesco” das “Superescolas de Samba S/A”. Foto: Agência O Globo / Anibal Philot. Disponível no seguinte sítio: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/baluartes-da-imperio-serrano-revivem-momentos-especiais-daescola-21386745. Acesso em 12/03/2018.

época com 14 anos, e personalidade masculina para o presidente Jamil Salomão Maruff.” In: VALENÇA, Rachel; VALENÇA, Suetônio. Obra citada, p. 243/244.

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