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II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica
II. 2. 3 – Breazail – metanarrativa metálica
Entre o mito insular e os troncos picados, a cor vermelha é a intersecção – o selo que une, cera derretida, as hipóteses divergentes. E a cor vermelha nos leva, necessariamente, ao passado fenício. O motivo é simples, ainda que nebuloso: eram os fenícios exímios conhecedores de técnicas de extração de pigmentos vegetais, animais e minerais, utilizados para a confecção de tecidos coloridos, em especial os encarnados. A busca pelos melhores pigmentos teria levado os fenícios à Irlanda e a outros destinos do mundo, atuando os navegadores enquanto excelentes intercambistas. Difundiam saberes e promoviam trocas simbólicas, unindo, quiçá, a ilha desconhecida (Hy Brasil) às terras onde aportou Cabral (Vera Cruz, Santa Cruz, Brasil). Vejamos o causo com mais cuidado, pelas lentes de Geraldo Cantarino. Consultando os alfarrábios do historiador J. M. Roberts, Cantarino conclui que “os fenícios dominavam uma sofisticada técnica de produção de corantes a partir do múrex e do púrpura, moluscos que fornecem uma tinta de cor púrpura e de grande valor comercial na Antiguidade.”85 Aos poucos, porém, a procura pelos animais marinhos se mostrou inviável (de acordo com Ana Roquero, o número de moluscos necessário para a produção do pigmento era absurdamente grande86) e cedeu espaço à exploração vegetal, o que teria estimulado longas viagens para além do Mediterrâneo: “em vez de moluscos, aventa-se a possibilidade de extração de corantes a partir de uma fonte vegetal, como os paus-de-tinta, em função da produção em grande escala. Isso abre margem para imaginar
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85 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 80/81. 86 Nas palavras de Roquero: “A sedução exercida pela púrpura e o carmim nos tempos bíblicos nascia, em grande parte, do altíssimo valor econômico das matérias-primas a partir das quais essas cores míticas eram produzidas, bem como dos complexos processos necessários para sua extração e aplicação. A tintura púrpura, tal como inventada pelos fenícios, era obtida a partir de uma pequena quantidade do líquido viscoso contido na glândula existente sob as brânquias de alguns moluscos marinhos gastrópodes. Para obter uma pequena quantidade de tintura era preciso sacrificar milhares desses animais. Certas fontes chegam a afirmar, talvez com exagero, que dez mil conchas produziam um único grama do corante. Para a extração dessa glândula, as conchas de maior tamanho eram perfuradas, uma a uma, com facas especiais, enquanto as menores eram inteiramente amassadas. Segundo a descrição de certos textos latinos, particularmente os de Plínio, o Velho, a secreção obtida da glândula do molusco era misturada com natrão e deixada macerar por três dias. A mistura era então esquentada em recipientes de estanho (chamado de “chumbo branco” pelos antigos e provavelmente obtido em locais tão distantes quanto a Irlanda), adicionando-se a devida proporção de água. Como os caldeirões tinham de ser mantidos em uma temperatura regular e constante, tubos levavam até eles o calor produzido em fornos localizados a boa distância. Depois de uns dez dias de fervura faziam-se as primeiras provas de tingimento.” ROQUERO, Ana. Obra citada, p. 189.
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que os fenícios talvez tenham saído pelo mar em busca de terras com madeiras tintórias, como o pau-brasil.”87 Tal suposição é plausível, mas carece de consistência histórica. Fato inconteste é que as supostas peripécias fenícias vem estimulando, ao longo dos séculos, as crenças mais enigmáticas - como a de que a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, seria o túmulo de um rei fenício, contendo inscrições e símbolos ainda não decifrados. No universo das escolas de samba, tais narrativas embebidas de mistérios ganharam a mente de Joãosinho Trinta, que falou da presença fenícia no Brasil em enredos como O segredo das minas do Rei Salomão, com o qual conquistou o segundo campeonato consecutivo à frente do Acadêmicos do Salgueiro, em 197588, e, dez anos depois, em 1985, A Lapa de Adão e Eva, que deu um vice-campeonato para a Beija-Flor de Nilópolis (nesse desfile, a Pedra da Gávea era representada em uma alegoria branca). Nos termos de Milton Cunha, Joãosinho Trinta “parte da hipótese (muito contestada) de alguns historiadores que afirmam que os fenícios estiveram na América do Sul antes de Cristo. Símbolos e códigos pintados na pedra de alguns sítios arqueológicos brasileiros seriam testemunhas de que os fenícios aqui estiveram.”89 Um dos mais famosos historiadores mencionados por Cunha é Ludwig Schwennhagen, austríaco, que afirma, no livro Antiga História do Brasil – de 1100 a.C. a 1500 d.C., “que os fenícios chegaram ao litoral do Nordeste brasileiro em 1100 a.C. e que, em 1008 a.C., Hirão, rei de Tiro, e Davi, rei de Judá e Israel, fizeram aliança para explorar a Amazônia.”90
A mesma premissa controvertida gestou o enredo que o carnavalesco Max Lopes desenvolveu em 2001, na Estação Primeira de Mangueira (cujo desfile terminou na terceira colocação). A narrativa de A seiva da vida, redigida por Oswaldo Martins, atesta
87 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 81. 88 No enredo, o carnavalesco afirma que a única pessoa que sabia a localização exata das lendárias minas do Rei Salomão era o Rei Hiram, fenício, que navegava, uma vez por ano, em direção à Amazônia. Nas palavras do artista: “A verdade está escrita em pedras. Pedras pintadas chamadas de itacoatiaras. Em letras antigas está dito: as minas do Rei Salomão estavam nas selvas brasileiras, nas margens do Rio das Amazonas. Aquelas terras cheias de riquezas, flores, pássaros e animais eram as lendárias Terras de Ofir. Ali viviam as Amazonas, valentes mulheres guerreiras, guardiãs do tesouro. Os feiticeiros das outras tribos eram seus grandes inimigos. Elas lutavam e venciam sempre. Mas, uma vez por ano, elas transformavam seus gritos de guerra em gritos de alegria. Era com a chegada do Rei Hiram e dos navegadores fenícios. (...) No dia seguinte, elas extasiavam os fenícios. Mostravam suas minas de ouro e pedras preciosas e enchiam as embarcações com tesouros.” TRINTA, Joãosinho. O segredo das minas do Rei Salomão. Sinopse do enredo do carnaval de 1975 do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA). 89 CUNHA Jr, Milton Reis. A Rapsódia brasileira de Joãosinho Trinta: um grande leitor do Brasil! Tese de Doutorado – Ciência da Literatura. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2010, f. 43. 90 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 85.
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que os navegadores fenícios se embrenharam nas florestas tropicais brasileiras, em busca de madeiras para a construção de embarcações, e deixaram inscrições em pedras e grutas. Para o carnavalesco Alexandre Louzada, autor da sinopse do enredo que a Beija-Flor de Nilópolis apresentou em 2008 (também bicampeão, a exemplo do Salgueiro), intitulado Macapaba: equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo, os fenícios não só estiveram no Brasil como navegaram pelos afluentes do rio Amazonas e construíram monumentos na região do atual estado do Amapá – relíquias antigas tragadas pela selva: “traz à luz os seus segredos lendários, dos relatos de épocas distantes, que foste a terra do sol a pino, brilhante, que a Fenícia visitou, guardiã de tesouros escondidos, traços pela mata engolidos, mistério que o tempo apagou.”91 A presença fenícia na narrativa de Rosa Magalhães, portanto, não é algo inédito ou novo. O apreço dos carnavalescos pelos povos da Antiguidade é conhecido de longa data e remonta às extintas tradições dos Ranchos e das Grandes Sociedades, conforme se depreende das leituras de Jota Efegê, Eneida de Moraes, Felipe Ferreira, Maria Clementina Pereira Cunha e demais pesquisadores do carnaval carioca. O que é novo, no enredo da artista, é o tratamento estético concedido à temática e o próprio recorte apresentado, uma vez que o enredo não faz qualquer menção às possíveis visitas fenícias às matas brasileiras. Os fenícios de Breazail não navegavam em busca de madeiras, mas de metais donde também se poderiam extrair pigmentos para tingir tecidos de vermelho. Geraldo Cantarino discorre sobre o simbolismo da cor vermelha para a manutenção do poder real e para a diferenciação dos cargos religiosos: “tecidos de cor púrpura eram considerados luxuosos, símbolo de riqueza e de alta dignidade social. Eram utilizados para o vestuário de reis e, mais tarde, de lideranças eclesiásticas, como os cardeais.”92 Ideias praticamente idênticas foram lapidadas pelos compositores do samba de enredo que a Imperatriz Leopoldinense entoou em 2004, Jeferson, Veneza, Carlos de Olaria, Me Leva e Guga:
Pintou o manto dos reis
e o encanto chinês
91 LOUZADA, Alexandre. Macapaba: equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo. Sinopse do enredo do carnaval de 2008 do Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis (disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA). 92 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 81.
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o poder e a religião93
No setor de alas dedicadas ao subtema, sucediam-se as fantasias Tecidos fenícios, Mercador de tecidos, Guerreiro celta e Minerador do estanho. A alegoria, Breazail –metal que produz o vermelho. Urge explicar, agora, o porquê da referência ao estanho –o que também é discutido por Geraldo Cantarino. Fala o pesquisador:
Para esquentar o debate, o professor Cyrus Gordon traz em seu livro, Before Columbus, uma declaração que mexe ainda mais na raiz do problema. Autor da primeira gramática da língua ugarítica, Gordon defende uma posição, digamos, revolucionária: a origem fenícia para o nome Brasil. Seus estudos paleográficos indicam que a palavra estaria relacionada com o vocábulo “BRZL”, que em ugarítico e outras línguas semíticas significa ferro. “A palavra encontrou seu caminho até a comunidade atlântica, de tal maneira que, nos condados do centro da Inglaterra, brazil designa ‘piritas de ferro.’” (...) O autor faz lembrar ainda que as Ilhas Britânicas eram chamadas de Tin Isles, ou seja, Ilhas de Estanho, ou da Cassiterita. Para completar, o professor Gordon diz que a palavra para ferro na maioria das línguas semíticas, sem contar com o árabe, é barzel, como aparece, por exemplo, em hebraico. (...) Interessante observar, também, que o período de expansão dos fenícios coincidiu justamente com a passagem da Idade do Bronze para a Idade do Ferro. Essa contemporaneidade dos fatos leva Cyrus Gordon a supor que na Idade do Ferro possa ter existido “uma terra rica em ‘Brazil’ em algum lugar do Atlântico – talvez incluindo alguma parte do atual Brasil”, da mesma forma que existira antes uma terra do ouro, da prata, do cobre e do estanho. A Ilha do Ferro é também o significado de Hy Brasil, A Ilha do Brazil, conectada com BRZL, ferro, tão abundante no Novo Mundo, especialmente no Brasil.94
Ou seja: de acordo com as pesquisas filológicas e historiográficas de Cyrus Gordon, é possível afirmar que as ilhas da região do atual Reino Unido, outrora povoadas pelos celtas, eram conhecidas como “Ilhas de Estanho”. O professor Adelino José da Silva d’Azevedo, na obra Este nome: Brazil, publicada em 1967, comunga do mesmo entendimento e é mais do que enfático: “brazil é radicalmente o nome dum Brasil se grafava com z, termo de origem céltica que sintetizava o intercâmbio comercial com a Fenícia.95 Geraldo Cantarino destaca que a leitura de Adelino d’Azevedo contribuiu para
93 A letra completa da obra está disponível para consulta no seguinte sítio: http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperatriz-leopoldinense/2004/6/. Acesso em 02/09/2017. 94 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 87, 89/90. 95 A vasta pesquisa de Adelino José da Silva d’Azevedo, conforme se depreende da leitura de Geraldo Cantarino, é mencionada no verbete Brasil da Enciclopédia Mirador Internacional: “Demonstra ele (D’Azevedo) que os fenícios, notáveis navegadores e comerciantes, mantinham intenso comércio de óxido de estanho, de corante vermelho mineral, com os celtas, povo metalúrgico e mineiro, que extraía esse produto desde a Ibéria até a Irlanda. Nesse intercâmbio, os fenícios foram seguidos pelos gregos, que designavam o óxido de estanho e o vermelhão dele obtido por kínnabar, kinnábari, (...) denominação 77
o fortalecimento da teoria de que o nome do “país tropical” é proveniente de um corante mais antigo que o extraído do pau-e-tinta: “de acordo com o professor, esse corante vermelho seria de origem mineral e muito anterior à tintura avermelhada de origem vegetal. O termo brazil estaria, então, relacionado ao rubro óxido de estanho que, do latim cinnabar, acabou gerando a palavra cinábrio.”96 As relações (ou reações químicas) entre corantes minerais e vegetais também despertaram o interesse de Eduardo Bueno, autor referenciado por Rosa Magalhães na lista de obras consultadas para a escrita da narrativa do enredo Breazail. Conta o autor, depois de dialogar com as teorias de Adelino d’Azevedo, a seguinte passagem:
Quando os fenícios deixaram de comerciar o “vermelhão” com os celtas, desaparecendo nas mesmas brumas do Atlântico de onde um dia haviam surgido, acabaram se tornando, na imaginação e na mitologia célticas, um povo mítico e afortunado, que jamais retornou à Irlanda simplesmente porque vivia na lendária e paradisíaca ilha de Hy Breazil, “a nação dos vermelhos” ou “o lugar onde vivem os descendentes do vermelho”. A Hy Breazil dos celtas acabou se transformando na O’Brazil dos monges irlandeses. A mutação ocorreu quando a ilha mitológica teve seu nome associado às peregrinações de São Brandão, o místico católico do século VI que, desiludido com as baixezas da humanidade, partiu com 14 monges, no ano de 565, rumo ao oeste inexplorado. Após uma navegação repleta de perigos e terríveis presságios, Brandão (cujo barco foi transportado nas costas de uma baleia) chegou a uma ilha fabulosa, que imediatamente reconheceu como sendo O’Brazil (...). A palavra passou por inúmeras transmutações semânticas. Uma delas assegura que, embora breazail provenha de “vermelhão”, brasil (com s) seria originário do celta bress, origem do inglês bless (abençoar), já que O’Brasil nada mais era do que a “ilha abençoada” ou “ilha da bem-aventurança”.97
Curiosamente, para além da extração do estanho nas minas escavadas pelos celtas (imagem 27) e da busca por madeiras de tinta em territórios d’além-mar (as “viagens fantásticas” ao interior da Amazônia, ausentes em Breazail), a “ilha fabulosa” ocupada pelos fenícios também é associada ao comércio do bacalhau, informação que muito dialoga com outro enredo desenvolvido pela carnavalesca Rosa Magalhães na Imperatriz Leopoldinense: o de 2007, patrocinado por empresários da Noruega e intitulado “Teresinhaaa, uhuhuuu!!! Vocês querem bacalhau?” Geraldo Cantarino investiga o ponto no subcapítulo Nas águas do bacalhau:
aplicada depois ao tom vermelho de qualquer matéria-prima.” In: CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 99. 96 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 99. 97 BUENO, Eduardo (org.). Obra citada, p. 30.
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Essas viagens à Hy Brasil tinham também uma missão secreta: a busca por mais peixe. E não se tratava de um pescado qualquer, mas do velho bacalhau, cuja história, de tão curiosa, mereceu até uma biografia, compilada por Mark Kurlansky: Cod – A Biography of the Fish that Changed the World (...). Em tempos medievais, a deterioração bacteriológica do alimento era uma praga crônica que ameaçava a saúde e limitava o comércio de muitos produtos, principalmente do pescado. Numa época em que a mesa não era tão farta e a cozinha não tinha geladeira nem freezer, o bacalhau foi uma salvação. Como sabemos até hoje, depois de ressecado ele não estraga com facilidade e dura um bom tempo. Uma técnica, por sinal, muito antiga. Tudo indica que tenha sido inventada pelos vikings. Eles descobriram que abrindo o peixe ao meio e deixando-o secar aos ventos nórdicos, ele não apodrecia e preservava suas qualidades nutritivas. (...) Nessa biografia não faltam, também, os bascos, um povo um tanto quanto enigmático do norte da Espanha, com grande experiência na pesca da baleia, que adicionaram um tempero fundamental à história do bacalhau (...)”. 98 (p. 209)
O tempero basco nada mais era que o sal – justamente o narrado por Rosa Magalhães no desfile apresentado em 200799 . Os bascos, um passo à frente dos vikings, salgavam o peixe antes da secagem, o que dilatava o “prazo de validade” da carne e permitia viagens mais longas. O “segredo do negócio” era que, mais do que seco, o bacalhau deveria ser salgado e armazenado em recipientes adequados. Cantarino conta que a busca pelo peixe (alimento imprescindível para as travessias duradouras) nos leva à cidade de Bristol, na Inglaterra:
Em 1475, a poderosa liga comercial, Hanseatic, que controlava os negócios no norte da Alemanha, proibiu os mercadores de Bristol de comprar o bacalhau da Islândia, afetando a consequente e lucrativa distribuição do peixe para o Mediterrâneo. Como resultado desse conflito, que ficou também conhecido como a “guerra do bacalhau”, os negociantes britânicos se viram obrigados a descobrir novos mercados (...). O resultado dessa empreitada nós já conhecemos. É a expedição que partiu de Bristol em 1480 à procura da ilha como uma nova base de pesca para o bacalhau. E isso era muito importante. Afinal, toda a transação do bacalhau dependia de um lugar para a secagem do peixe. Segundo Kurlansky, a parceria Croft-Jay foi também responsável pelo embarque do Trinity e do George, os dois navios que zarparam de Bristol, em 1481, com o mesmo objetivo. Entretanto, nenhum registro dessas viagens, além do fato de que o
98 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 209. 99 Na sinopse do enredo, a carnavalesca informa: “Foram os bascos que, durante a Idade Média, descobriram as propriedades do sal para a preservação dos alimentos. O sal, até então pouco usado e desconhecido por muitos povos, tornou-se essencial na culinária e era muito apreciado, pois além de preservar os alimentos para estocagem ainda realçava seu sabor. Era uma mercadoria tão apreciada quanto os temperos. Nos banquetes, o saleiro dava a distinção aos convidados. Quanto mais próximo do saleiro, mais importante era o dignatário. Essa descoberta dos bascos propiciou aos povos do mar do Norte melhorar o sabor e a umidade dos peixes que pescavam em suas águas geladas.” MAGALHÃES, Rosa.“Teresinhaaa, uhuhuuu!!! Vocês querem bacalhau?” Sinopse do enredo do carnaval de 2007 do Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, presente no Livro Abre-Alas daquele ano (disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA).
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George estava com uma grande carga de sal, indicando o interesse pela pesca do bacalhau, sobreviveu para contar a história.100
Fato é que os navios retornaram abarrotados de peixe e causaram um grande burburinho, uma vez que os navegadores não revelavam o lugar onde haviam encontrado tão fartos cardumes. Relata Kurlansky que a ideia de que Croft e Jay haviam descoberto a ilha Hy Brasil começou a correr terra, aguçando os planos de uma legião de navegadores ingleses. Nesse sentido, Hy Brasil também seria uma ilha próspera em bacalhau – um dado extraordinário para se pensar os enovelamentos temáticos, ainda que não intencionais, na obra de Rosa Magalhães (a constatação importante de que mesmo um enredo de temática nórdica, como será investigado mais à frente, não deixa de tratar das narrativas fundacionais brasileiras). Finalizando o mistério, Cantarino informa ao leitor que os navegadores pescavam o bacalhau nos Grandes Bancos, região da Terra Nova canadense. Lá, encontraram “um ecossistema específico de fitoplâncton e zooplâncton que cria um ambiente propício para uma efusiva criação de bacalhau. É o verdadeiro milagre dos peixes.”101
Entre milagres e fantasias, o barco de Breazail avançou pelo Atlântico. Chegou, então, ao Brasil.
Imagem 27: Detalhe da quinta alegoria do desfile da Imperatriz Leopoldinense, no carnaval de 2004, intitulada Breazail – metal que produz o vermelho. As composições do carro representavam os mineiros celtas, em terras irlandesas. Foto: Henrique Matos. Centro de Memória do Carnaval – LIESA.
100 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 210/211. 101 CANTARINO, Geraldo. Obra citada, p. 212.
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