Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

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VI. 2 – O panelaço brasileiro Na ilha de Vancouver, conta Ruth Benedict, os índios celebravam torneios para medir a grandeza dos príncipes. Os rivais competiam destruindo seus bens. Atiravam ao fogo suas canoas, seu azeite de peixe e suas ovas de salmão; e do alto de um promontório jogavam no mar suas mantas e vasilhas. Vencia o que se despojava de tudo. Eduardo Galeano – O Livro dos Abraços (Os índios/4)

Rio de Janeiro, 6 de março de 2018. A capa da edição do mês do Le Monde Diplomatique (imagem 113) exibe, sob o título Tribunais de exceção, uma charge colorida que mostra Themis, a deusa grega da Justiça, sobre um cadafalso, com as mãos amarradas (a balança caída), os olhos vendados e a forca no pescoço. Compondo a cenografia (que emula a opressão medieval dos tribunais eclesiásticos), os moradores do “burgo” usam camisas da seleção brasileira e empunham frigideiras e panelas. Sobre um muro de pedras, em diálogo com a iconografia do Cavalo de Tróia, um pato amarelo com olhos em “x” (referência ao “pato da FIESP”, um inflável armado em plena Avenida Paulista, em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, enquanto símbolo a favor do impeachment de 2016). Julgando diretamente a prisioneira condenada à morte (e protegidos por dois soldados do exército), o juiz Sérgio Moro (dedo em riste), o ministro do STF Gilmar Mendes (as mãos na alavanca do alçapão) e o presidente Michel Temer (com a faixa presidencial). Com a faixa presidencial e um costeiro de faisões naturais – a presença da carnavalização. O leque de penas, nas costas do presidente, automaticamente remetia o olhar do leitor à memória do desfile que a Paraíso do Tuiuti, escola de samba do bairro de São Cristóvão, com as cores azul e amarela e tendo por símbolo uma coroa encimada por uma lira, havia realizado no início da madrugada de segunda-feira de carnaval, 12 de fevereiro de 2018. No cortejo, o destaque mais alto do quinto e último carro alegórico, intitulado Neotumbeiro, vestia a fantasia Vampiro Neoliberalista: terno preto, faixa presidencial, peruca grisalha, caninos afiados à mostra (um filete vermelho escorrendo sobre a maquiagem branca) e faisões balançantes nas costas, junto a cédulas de dólares. Muitos e muitas. E asas de morcego por toda a parte.

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VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
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