onças aladas anunciavam um universo mítico em festa, nos moldes da descrição apresentada por Suassuna, no Folheto I d’A Pedra do Reino: “Perto, no leito seco do Rio Taperoá, cuja areia é cheia de cristais despedaçados que faíscam ao sol, grandes cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro.”371 Rosa Magalhães encerra a sinopse salgueirense reforçando a união entre o passado da França e o sertão brasileiro; abusa, para isso, da poeticidade: “havia cavalhada exatamente aqui, no Reino do Sertão e no Reino da Normandia. Os heróis, Carlos Magno e os Doze Pares de França, vivem, amam e combatem no coração do Brasil.”372
VI. 1. 6 – A folia de cocar Um aspecto que não pode ficar de lado em um estudo que se propõe a mapear o universo simbólico da carnavalesca é o apreço pela figura do índio, algo que automaticamente faz com que seja necessário um passeio por A Antropofagia de Rosa Magalhães. Na dissertação defendida em 2014, expliquei que, no período de 1992 a 2002 (11 narrativas de enredo, portanto), o índio aparece 8 vezes (1992, 1993, 1994, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2002), sob as mais diferentes roupagens.373 Não há repetições, mas transformações e reprocessamentos temáticos. Pois bem: para além desse recorte temporal, a presença indígena também é observável em outros enredos assinados pela autora, a começar pela narrativa que automaticamente sucede o período enfocado na dissertação, o enredo de 2003. Em Nem todo pirata tem perna de pau, olho de vidro e cara de mau, os índios presentes na peça de James Barry foram transportados para a Passarela do Samba, com direito a grandes cocares e machadinhas - uma leitura de acento infantil da genérica imagem que se tem dos apaches norte-americanos. Roupagem semelhante apareceria em 2011, na Unidos de Vila Isabel, na narrativa sobre os fios de cabelo. Franjas e peles de animais se uniam aos cocares imensos, tudo para ilustrar a mitologia dos índios Hopi.
SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007, p. 31. 372 MAGALHÃES, Rosa. Obra citada. 373 É preciso destacar que a presença do índio nas manifestações carnavalescas brasileiras é algo mais antigo que o surgimento das escolas de samba, merecendo destaque os famigerados cucumbis. Roberto DaMatta fala que tais fantasias carnavalescas expressam “figuras periféricas do mundo social brasileiro”, aquelas que “o cotidiano só revela dolorosamente.” Ver: DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 62. 371
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