Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

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Discretamente, na parte traseira do sétimo e penúltimo carro do desfile da Unidos de Vila Isabel de 2011, a Rua do Ouvidor e os ares do Rio Antigo voltaram a cruzar a Sapucaí. Rosa Magalhães narrava um fato curioso: cidadãos de todos os cantos da cidade teriam corrido à famosa rua, no final do século XIX (a data exata não é mencionada) para observar, em uma vitrine de um salão de cabeleireiro, a exposição de uma imensa trança de cabelos. Segundo “os boatos do lugar” (conforme a letra do samba salgueirense de 1991), a trança pertencera “a uma mineira, que, por sentir fortes dores de cabeça, foi aconselhada a cortá-la pelo médico que a tratava.”366 Uma vez que no desfile de 1991 havia referências aos penteados afrancesados que eram devidamente “empoados” nos salões da Ouvidor, a referência não deixa de ser uma revisitação. E a passagem da Rua do Ouvidor pela Avenida Marquês de Sapucaí, uma sobreposição de pedras e asfalto, não deixa de ser, é claro, um exercício heterotópico.

VI. 1. 5 – O medievo de lá pra cá Quando falou das montagens de autos teatrais populares das feiras da Idade Média, Rosa Magalhães transformou o segundo carro alegórico da São Clemente, no carnaval de 2016, em um palco mambembe onde atores se apresentavam, merecendo destaque a figura do diabo. Tratava a autora das origens remotas das “palhaçadas”, brincadeiras cênicas levadas para as ruas, nos arredores dos castelos. No mesmo carro, a artista figurava fantasiada de camponesa – ela também parte do teatro. Mas o imaginário medieval traduzido visualmente no enredo Mais de mil palhaços no salão não fica restrito aos limites geográficos da Europa. Rosa Magalhães, em Sou amigo do Rei, o enredo salgueirense de 1990, falou do “medievo brasileiro” e do Movimento Armorial, cujo artífice foi Ariano Suassuna. A autora apresentou, com extraordinária riqueza de detalhes, a transposição de signos da Idade Média europeia para os sertões brasileiros: na ausência de uma “Idade Média cronológica” (já a chegada da

se na estética de figurinos cênicos realistas, ao invés de fantasias.” A escola nilopolitana, sob a batuta de uma comissão de carnaval encabeçada por Laíla, Cid Carvalho e Marcelo Misailidis, “pesou a mão” nos atos teatrais, apostando no “choque”, não na qualidade cênica. O resultado não agradou à crítica carnavalesca. Justificativa disponível em: http://liesa.globo.com/. Acesso em 11/03/2018. 366 Justificativa do enredo de 2011 da Unidos de Vila Isabel, encontrada no Livro Abre-Alas daquele ano. Disponível para consulta no Centro de Memória do Carnaval – LIESA.

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VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
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