Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

Page 246

V. 1. 11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas Os territórios americanos, especialmente a América Pré-Colombiana, aparecem com bastante destaque em algumas narrativas da autora. É o caso de Não existe pecado abaixo do Equador, de 1992, que transportava o mito edênico para as florestas da América Central - Adão e Eva com pinturas corporais, a serpente com traços maias, a substituição da maçã pelo maracujá e dos anjos por papagaios (imagem 98). Em 1987, ao falar do sapoti, juntamente com Lícia Lacerda, a carnavalesca abusou dos grafismos astecas para expressar as origens mexicanas da fruta: serpentes emplumadas, calendários, totens e pirâmides transportaram para a Passarela do Samba um pouco de Chichén Itzá. O enredo de 2003 é o que trata da América Pré-Colombiana com maior vigor crítico. Diferentemente da narrativa de 1992, uma celebração dos 500 anos da viagem de Colombo, observa-se, em Nem todo pirata tem perna de pau, olho de vidro e cara de mau, uma leitura carnavalizada do processo de invasão, exploração e extermínio levado a cabo (não sem o uso da pólvora, não sem a égide da cruz) pelos colonizadores europeus. Uma sequência de cinco alas (que usavam placas de acetato ao invés de penas e plumas, o que gerava um conjunto intencionalmente “pelado”) expressava o imaginário trabalhado pela carnavalesca: Ídolo Asteca, Tesouro de Cuauhtémoc, Jóia Asteca, Ouro Inca e Ídolo de Atahualpa. A quarta alegoria do cortejo, cujo nome dá título a este fragmento de tese, condensava a linguagem explorada nos figurinos: ao redor de uma pirâmide decorada com placas douradas e filetes de espelhos, ídolos e bandeiras de astecas e incas compunham um cenário de riqueza – o “Eldorado” espoliado pelos invasores. Um crânio humano decorado com mosaicos subia e descia, em frente à pirâmide – na verdade, uma reprodução alegórica da caveira asteca exposta no Museu Britânico (exemplo claro da apropriação dos tesouros cerimoniais dos povos ameríndios americanos). Ao colocar em evidência a figura de Atahualpa, Sapa Inca condenado à morte depois de, forçadamente, entregar toneladas de tesouros a Francisco Pizarro, Rosa Magalhães lançava luzes sobre a “história dos vencidos”. O enredo de 2003, sem medo de errar, é um dos mais críticos da trajetória da artista.

246


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.