Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

Page 229

tais imaginários desde o século XIX – fantasias de sultões, odaliscas e chineses já eram comercializadas, na Rua do Ouvidor, na época do Segundo Império). A Índia, seguindo a rota da seda, é retratada enquanto esplendoroso reino de riquezas – e seguramente o conjunto formado pelas fantasias e alegorias dos dois primeiros setores do desfile da Imperatriz Leopoldinense do carnaval (campeão) do ano 2000 (um dedicado às pedras preciosas; o outro, às especiarias e aos tecidos) é das mais belas e detalhistas criações plásticas que já passaram pelo Sambódromo do Rio.329 Ainda neste subtema, deve-se inserir o grande destaque dado à Tailândia, no desfile estaciano de 1987. Rosa Magalhães, que disse, no depoimento ao MIS, ter extraído a ideia do enredo sobre o sapoti das memórias de uma viagem ao antigo reino do Sião, na Indochina, levou à Marquês de Sapucaí, ao lado de Lícia Lacerda, reproduções primorosas de templos e divindades tailandeses. Quando o samba de enredo de 87 foi “reeditado” pela escola, em 2007, num desfile assinado por Paulo Menezes, os mesmos signos se fizeram presentes – sem, no entanto, o impacto originalmente causado na apresentação de 20 anos antes.

V. 1. 3 – Vive la France! Proporcionalmente, numa análise comparativa com China, Índia e países ou regiões do Oriente Médio, a França é quase onipresente na obra de Rosa Magalhães – a começar pelo enredo de 2017 da São Clemente, Onisuáquimalipanse. A autora narrou, na Sapucaí, a curiosa história que levou à construção do Palácio de Versailles, no reinado de Louis XIV. Vencedor do prêmio de melhor enredo, segundo o júri do Estandarte de Ouro, trata-se de uma narrativa linear e bastante coesa: a autora não conta a história do reinado do “Rei Sol” nem apresenta qualquer visão alegórica do esplendor de Versailles (a única referência direta ao palácio é uma pequena maquete giratória, na última alegoria). O foco do enredo é o projeto, a construção e a inauguração do Château de Vaux-le-Vicomte, tudo Ver: GAY, Peter. Schnitzler’s century: the making of middle-class culture – 1815-1914. Nova York/Londres: W.W. Norton & Company, 2002. 329 Curiosamente, China e Índia voltariam a cruzar a Passarela do Samba, em 2018: os países foram os temas dos enredos do Império Serrano (O Império do Samba na Rota da China, de Fábio Ricardo) e da Mocidade Independente de Padre Miguel (Namastê... a estrela que habita em mim saúda a que existe em você!, de Alexandre Louzada). Ambas as apresentações pecaram no que tange à criatividade e às ousadias narrativas: o que viu, na escola que abriu (Império Serrano) e na escola que fechou (Mocidade) a primeira noite de desfiles do Grupo Especial, no domingo, foi uma sucessão de clichês e fórmulas requentadas – uma dose de orientalismo que faria Said escrever uma lauda.

229


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães by Portal Academia do Samba - Issuu