Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

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no plano da visualidade, resultava bem sucedido, ainda que sem arroubos de criatividade. O melhor exemplo é o argumento de O boi dá bode, de 1988, que abraça, em um mesmo cortejo, Minotauro e Ápis – colunas e frontões gregos e sarcófagos de faraós. O mesmo sistema simbólico voltaria a aparecer na Unidos de Vila Isabel, em 2011: a Comissão de Frente, o primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira e a ala de abertura falavam do mito da Medusa, derrotada por Perseu (o universo da mitologia grega, portanto); a terceira e a quinta alegorias falavam de povos da Antiguidade Oriental: a força de Sansão e os embates entre hebreus e filisteus, no carro O templo do deus Dagon (materialização de uma narrativa bíblica do Livro dos Juízes, algo muito raro nos trabalhos da autora) e as perucas utilizadas por egípcios, com direito a uma esfinge gigantesca inspirada na mais famosa sequência de Cleópatra, filme com Elizabeth Taylor e Richard Burton, no carro O grande cortejo egípcio. Algo tão belo quanto genérico – daí a afirmação do comentarista Fábio Fabato, durante a transmissão do desfile das campeãs daquele ano, pela TV Bandeirantes, de que Rosa Magalhães é melhor quanto abraça o hibridismo e mistura jegues e camelos.

V. 1. 2 – Orientalismos As referências a hebreus, filisteus e egípcios, em Mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelo, são exemplares do olhar orientalista de Rosa Magalhães. Pode-se dizer, em linhas (ou fios) gerais, que são observáveis, nas criações carnavalescas da autora, algumas características do orientalismo elencadas por Edward Said, como os clichês e estereótipos revestidos de exotismo e sensualidade (a utilização de épicos de Hollywood como referências é algo que não só confirma como reforça o exposto). Para Said, “tais lugares, regiões, setores geográficos, como o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente’, são criados pelo homem”327, ou seja: construções discursivas impregnadas de visões de mundo no mais das vezes conflitantes – um conjunto de generalizações históricas e um empreendimento cultural de gigantesca envergadura. É do pesquisador a ideia de que as visões de “Oriente” cristalizadas no sistema simbólico do “Ocidente” mais dizem do hegemônico imaginário ocidental que do imaginário de um Oriente “real” – e exemplos na literatura não faltam para ilustrar a defesa, tanto que o autor empreende uma varredura 327

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p. 31.

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VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
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