Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

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e Império Serrano são os principais exemplos cariocas, havendo outros, de norte a sul do Brasil325). O que faz espocar, novamente, a faísca já vislumbrada: quais questões identitárias estão impressas na obra da carnavalesca que mais viagens internacionais transformou em fantasias e carros alegóricos? Entre a quiche e a mandioca, qual o prato principal de um jantar por ela proposto? A partir daqui, numa espécie de tour panorâmico, é válido observar (com o fim único de um mapeamento entre muitos possíveis) os destinos geográficos e as linhas gerais das interpretações sugeridas (e coloridas com brilho intenso) em mais de trinta narrativas. Naveguemos com ela.

V. 1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições Que as escolas de samba nutrem um especial apreço pela história das ditas “antigas civilizações”, isso não é novidade – o que já foi brevemente explicado páginas atrás. Se as narrativas de enredo de Joãosinho Trinta faziam questão de passear pelos “povos de antigamente” (dando especial atenção a egípcios e gregos326), o mesmo não se pode dizer das obras de Rosa Magalhães. De abordagens mais objetivas, os enredos desenvolvidos pela carnavalesca preferem os recortes acadêmicos à pretensão enciclopedista de desfiar sagas – o que não quer dizer, porém, que a artista não tenha flertado, aqui e acolá, com faraós e gladiadores. As dinastias chinesas e os mineiros celtas, em Breazail, não deixam mentir. Já na Estácio de Sá, na segunda metade da década de 1980, em parceria com Lícia Lacerda ou em carreira solo, ela ensaiava diálogos fantásticos com a Antiguidade – o que,

A leitura de Lilia Moritz Schwarcz esclarece a questão: “Aqui não se atribuem aos reis poderes mágicos ou transcendentais, como no caso clássico francês dos reis taumaturgos estudados por Bloch, porém de toda maneira o ritual local aprimora o ‘fraco’ cerimonial dos Bragança. No Brasil, os imperadores passam a ser ungidos e sagrados, numa tentativa de dar sacralidade a uma tradição cuja inspiração era antiga mas a realização datada, Nesse movimento, ao mesmo tempo em que os monarcas ganham santidade, os santos, quando muito adorados, ganham realeza no Brasil. O Divino Espírito Santo recebe um império, o deus Momo vira, anos mais tarde, rei Momo. De qualquer modo, mantos imperiais convivem com mantos divinos, e o imaginário da realeza acaba permeando fortemente o catolicismo brasileiro, da mesma maneira que uma série de manifestações populares, como o Carnaval – com seus impérios, reis, rainhas e enredos , se nutre de cenas da monarquia.” In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 16. 326 Jota Efegê explica que isso pode ser uma herança dos antigos Ranchos e das Grandes Sociedades. O cronista usa como exemplo o enredo do Ameno Resedá de 1908, Corte Egipciana. Logicamente, tal questão merece ser problematizada com mais profundidade, em futuras pesquisas. Ver: EFEGÊ, Jota. Obra citada, p. 251. 325

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VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
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