Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães

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IV. 2 – Diários de navegação

Rio de Janeiro, 21 de novembro de 2017. Sonhei que debatia, numa mesa de pésujo (azulejos-tabuleiro de xadrez, moscas, baleiro, ovos coloridos, barulho de sinuca), algumas ideias carnavalescas com a carnavalesca Rosa Magalhães. Ela fumava, eu bebia cerveja. Ou café, parecia manhã. Manhã de carnaval, posso acrescentar. Nos arredores da Intendente Magalhães, onde o pão com manteiga é mais caprichado. Não me recordo, evidentemente, de todos os assuntos – e eram muitos, matéria para sonhos sem fim. Lembro, com a clareza da água mineral, que eu perguntava à “professora” se ela gostava de imaginar alegorias e fantasias marinhas (ou marítimas) para os cortejos da Sapucaí. A resposta era grossa, direta: não. Não gostava mais. Enquanto baforava, dizia que já havia feito mares demais, e tudo o que é demais cansa. Estava cansada das ondas. Das organzas em azuis e verdes, dos tecidos em aspiral (que, na linguagem carnavalesca, são chamados de “lasanha”). Dos mesmos recursos de sempre, malhas e farfalhados, placas de bolhas, papel-água, plástico cristal, laminados escamados do Babado da Folia. Mas fazia porque tinha de fazer – afinal, tudo era o mar. Tinha de fazer, como fez em 2008, na fantasia da bateria da Imperatriz Leopoldinense. Tinha de fazer, como fez no desfile da Portela de 2018, oi o mar, maré de saudade... oi o mar! Foi um sonho-síntese, ouso afirmar. Dividido entre os rejuntes da tese e os últimos coloridos do projeto carnavalesco da Acadêmicos do Cubango, os dois universos se juntaram, no campo dos meus devaneios, no espaço sagrado de um bar – o “templo do absurdo”, no enredo de Sílvio Cunha para a Unidos da Tijuca, em 1988, heterotopiaaguardente, desconhecida de Foucault (e da quase totalidade dos membros das sociedades utópicas internacionais, afirmo sem ousadia). Da mesa do bar, marco civilizacional de Sebastianópolis, na defesa de Luiz Antonio Simas, à mesa da minha casa, onde repousava uma cartolina recém-pintada, aquarela e lápis de cor (imagens 67 e 68): o abre-alas da Cubango, o Grande Veleiro de Bispo do Rosário e a Nau dos Insensatos pintada por Bosch - Velas ao mar, que o vento leve! Nos mares da insanidade, naveguem... delírios, sonhos, devaneios... A cabeça no travesseiro pensava no desenho do mar, ainda molhado, e nos materiais a serem usados, a transposição para o real. A cabeça no travesseiro pensava na tese, no andamento um pouco mais lento, bateria cadenciada, cansada, todo carnaval é correr contra o tempo e o acabamento é sempre o pior, sempre. Os materiais mais caros e os trabalhos mais delicados. 187


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VIII – Referências bibliográficas

18min
pages 324-336

VII – Conclusão – Utopias antropofágicas

48min
pages 293-323

IX – Anexos

6min
pages 337-342

VI.2.3 –A carne é fraca, é isso aí

6min
pages 285-288

VI.2.4 – Onisuáquisólamento

6min
pages 289-292

VI.2.1-Pirão de areia e sopa de vento

4min
pages 281-282

VI.2.2-Pirataria S/A

2min
pages 283-284

VI. 2 – O panelaço brasileiro

2min
pages 279-280

VI.1.7- O carnaval nosso de cada ano

16min
pages 269-278

VI.1.6 – A folia de cocar

3min
pages 267-268

VI.1.3 – No coração da floresta

2min
page 260

VI.1.5 – O medievo de lá pra cá

4min
pages 265-266

VI.1.1- O sertão que não é só lamento e a mítica Bahia

8min
pages 254-258

VI.1.2 – No balanço da expedição

1min
page 259

VI.1.4 – Pianópolis – Rua do Ouvidor

8min
pages 261-264

V.1.12- Tutti-multinacional

4min
pages 247-250

V.1.11 – Toda a América Pré-Colombiana foi saqueada em suas riquezas

1min
page 246

V.1.10 – Tambor africano, solo feiticeiro

5min
pages 243-245

V.1.9 – Nobreza holandesa

1min
page 242

V.1.8 – Fado tropical

1min
page 241

V.1.7 – Nesse feitiço tem castanhola

2min
pages 239-240

III. 3 – As distopias e o pop-nostalgia

24min
pages 169-181

V.1.4 – Folias geladas

5min
pages 235-237

V.1.3 – Vive la France

12min
pages 229-234

IV. 3 – O céu não é o limite

22min
pages 211-221

V.1.2 – Orientalismos

4min
pages 227-228

IV. 2 - Diários de navegação

31min
pages 187-210

V.1. 1 – Os mitos que enlaçam antigas tradições

2min
page 226

III. 2 – De luta, esperança, amor e paz

19min
pages 157-168

II. 4. 2 - Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador

23min
pages 122-132

II. 3. 3 – Pau-Brasil

21min
pages 98-108

II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade

22min
pages 133-144

II. 2. 3 – Breazail: metanarrativa metálica

16min
pages 74-80

I – Por mares nunca dantes navegados

1hr
pages 17-43

II. 3. 2 – Cabo Frio, o cenário do clímax

19min
pages 88-97

II. 2. 2 – Uma ilha chamada Brasil?

13min
pages 67-73
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