III. 2 – De luta, esperança, amor e paz Lisboa, 4 de julho de 2016. Belém. Antes de começar a escrever o meu “diário de navegação” no caderno com capa de couro, marrom, cor de canela (que exibe o baixorelevo de uma caravela), adquirido para este fim em uma loja de coisas antigas da Old Montreal, em 2014, durante o congresso sobre utopias, ele me escapou das mãos e caiu nas águas do Tejo – uma poça, é fato, mas uma poça das águas do Tejo. Encarei o acontecimento como algo de grande e inesperada poeticidade: espécie de batismo secular, mergulho simbólico nas memórias de Portugal e nas travessias transatlânticas. Ali, na Torre de Belém (imagem 54), parei para observar a movimentação de barcos, turistas, aviões, imaginando a sobreposição de tempos que se avoluma desde 1500, data fechada. Reli Fernando Pessoa, alguns trechos de Mensagem, obra que conheci no interior de O Eu profundo e os outros Eus, edição de 1984, com La Mémoire, de René Magritte, na capa – um dos livros preferidos de minha mãe, que afanei, pirata, da biblioteca dela:
Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mas que a lição da raiz – Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem. Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem!
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