II. 4. 3 – O heterotópico Carnaval Carioca: invocando Mário de Andrade
Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 2008, sábado de carnaval. Dia da Rainha do Mar, Mãe de todos os peixes. Desembarquei no Galeão e caí na loucura do Centro, depois de observar, pela primeira vez, os contornos da Igreja da Penha, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor de costas, a Barreira do Vasco. O destino do táxi (e o taxista reclamava muito, aos palavrões, de certa maneira me acusando e culpando por tê-lo feito “pegar um rabo de foguete” – depois viria a entender que taxistas reclamões não são uma raridade, no Rio de Janeiro), o Hotel Belas Artes (imagem 45), na Rua Visconde do Rio Branco (hoje, um ponto de referência: a rua de trás do “Babado da Folia”, a principal loja de materiais carnavalescos da cidade, administrada pelo lendário Chiquinho Pastel220). O Campo de Santana, as cotias, o relógio da Central do Brasil. Estava, enfim, no Rio de Janeiro! As modinhas de Vidinha, os buscapés – as Memórias de um Sargento de Milícias, a metade materna do meu nome de batismo (a minha mãe não sabia que o futuro sogro, que ela não viria a conhecer, se chamara Leonardo Bora; antes de conhecer o meu pai, já havia decidido o nome do primeiro filho, leitora risonha das aventuras do memorando). Eu carregava três livros: Memórias, pelo destino, A encantadora alma das ruas, de João do Rio, e Discurso de primavera e algumas sombras, de Carlos Drummond de Andrade. O livro que alberga Alegria, entre cinzas. No quarto daquele hotel barato (em relação aos demais pacotes turísticos para os dias regidos por Momo), a parede de chapiscos e o ar condicionado barulhento, a roupa de cama levemente puída e o banheiro sem “amenidades”, eu tive uma crise de choro. Era medo. Não era a “emoção de conhecer a Cidade Maravilhosa”, uma coisa adocicada. Estranhamento, sim. Mas, principalmente, medo. Era um misto de medo do mundo e pavor de gostar demais – porque depois, na Personagem importante para a história da Mocidade Independente de Padre Miguel, na “era” Castor de Andrade. Chiquinho Pastel ou Chiquinho do Babado (como é atualmente conhecido) é mencionado pelas autoras Bárbara Pereira e Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, em seus livros sobre a escola da Zona Oeste. Segundo Pereira, ao falar das criações do carnavalesco Fernando Pinto, coube a Chiquinho a tarefa de colocar na avenida o primeiro carro acoplado da história dos desfiles das escolas de samba: “O carro ‘Nave-Mãe’ era formado por três composições, o primeiro carro alegórico acoplado da história do carnaval. O responsável por fazer a empreitada dar certo era Chiquinho, admirador confesso das loucuras de Fernando Pinto.” In: PEREIRA, Bárbara. Estrela que me faz sonhar. Histórias da Mocidade. Coleção Cadernos de Samba. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2013, p. 76. Já Maria Laura Cavalcanti narra uma cena que teria acontecido no barracão da Mocidade (do qual Chiquinho era diretor), durante os preparativos para o carnaval de 1992: “O carro ‘Infinita noite dos sonhos’, o Abre-Alas da escola, tinha como elemento central uma grande estrela recortada em madeira, decorada com luz neon e espelhos. Esse carro estava pronto e suas luzes e movimento já haviam sido testados. Ficara tão lindo que, como me contou um dos encarregados do almoxarifado, Chiquinho se emocionara a ponto de sair dando tiros para o alto.” In: CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Obra citada, p. 158. 220
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