II. 4. 2 – Utopias e heterotopias: Michel Foucault, navegador Após a publicação de Utopia, em 1516, passou-se a falar em um novo “gênero literário” (conceito utilizado com a sabedoria do anacronismo): a literatura utópica. Gregory Claeys explica tal movimento com extrema clareza, na obra Utopia – A história de uma ideia. Para ele, “o estudo da utopia foca três domínios: o pensamento utópico, a limitada literatura utópica e as tentativas práticas de encontrar comunidades melhoradas.”182 Nesse campo tão amplo, alerta o autor, é difícil trabalhar com apenas uma definição de “utopia” (o risco permanente do reducionismo). Tem-se um conjunto de variantes tão grande quanto o mar aberto: “ideais positivos de sociedades muito melhoradas; seus opostos satíricos negativos; às vezes chamados de antiutopias ou distopias; vários mitos de paraíso, eras de ouro e ‘ilhas dos abençoados’; e retratos de pessoas primitivas vivendo em um estado natural (...)”183. Quando fala em “pessoas primitivas vivendo em um estado natural”, automaticamente me vem à cabeça um trecho do samba de enredo que a Imperatriz Leopoldinense, sob a batuta de Rosa Magalhães, cantou em 1999, samba este que foi entoado pela quadra da escola na noite de 16 de outubro de 2017, segunda-feira, durante a escolha do samba de enredo para o carnaval de 2018 (que tratou do bicentenário do Museu Nacional – ecos do Manifesto da Poesia Pau-Brasil no enredo desenvolvido pelo carnavalesco Cahê Rodrigues). Em 1999, quando levou para a Marquês de Sapucaí o enredo Brasil, mostra a sua cara em... Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae, o samba da escola de Ramos, de autoria de César Som Livre, Waltinho Honorato, João Estevam e Eduardo Medrado, cantava: “Homens felizes vivendo nas matas / imagens do meu país”. Começa, aqui, um questionamento mais amplo – expansão interpretativa da obra Breazail. Até que ponto o conceito fluido e incomensurável de utopia pode ser aplicado à obra de Rosa Magalhães? Diz Gregory Claeys que “a utopia explora o espaço entre o possível e o impossível.”184 Jerzy Szachi, por sua vez, destaca que é praticamente impossível definir o número de obras artísticas (e literárias em sentido estrito) que podem ser enquadradas
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CLAEYS, Gregory. Obra citada, p. 11. CLAEYS, Gregory. Obra citada, p. 12. 184 CLAEYS, Gregory. Obra citada, p. 15. 183
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