Sete de julho de 2019
Deixa eu lhe contar um fuxico cinematográfico. Acredito que nem Almodóvar tem noção da natureza tragicômica do baiano em eventuais episódios de condução de ferryboat com chuva. Lá íamos nós sendo despachados em Bom Despacho e aquela nuvem carregada se aproximando. Todo mundo se acomodando na embarcação, cheio de gaiatice, bebendo, dançando, casal fazendo pose clássica de Rose e Jack no último andar, quando de repente geral recolheu os sorrisos largos e rolou aquela fechada de cara coletiva e apreensiva. Eu, que sou a menina da risada, séria não permaneci. Olhei para a garrafa do licor que eu portava, de nome Gabriela, e pensei: os insanos recorreriam à abstração imediata dos fatos engolindo o litro. Permaneci lúcida, comendo meu beiju molhado, não optando por cair nos encantos dionisíacos. De repente o ecumenismo se instalou no ferry, que chacoalhava, e eu com a mente maquinante, cantando para dentro “Se a canoa não virar, olê olê olá, eu chego lá”; uma mulher olhou para o mar, chamando Inaê; uma senhora cantando Noites traiçoeiras ao meu lado, e eu já agoniada; uma velhinha bem rabugenta falava que era fim de mundo e que Jesus ia voltar. De tanto fuzuê, me engasguei com o beiju na hora da melhor dentada, quando caiu uma pingueira no último pedaço. Me ofereceram uma cerveja e eu não quis, não sabia se ria da
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