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apelo simbólico ainda maior ao entrar na questão relativa a de como essas duas figuras são ligadas a formação da desigualdade brasileira. Quando o excluído entra na rua como um indivíduo, o espaço da multidão, espaço no qual ele deveria ser condicionado como apenas soma de um, ele modifica o estatuto desse espaço. Acontece o encontro dialético: o choque da multidão com o individuo, seu grito. Se a multidão é alienante, nela se pratica a vivencia como conceito reacionário, misturando-se à massa e se entregando à alienação capitalista no cotidiano apático e desmemoriado da modernidade urbana. Em contraste, o individuo moderno, no que diz respeito à afirmação de si mesmo como agente que busca se afirmar na modernidade, se propõe a fundamentar para si uma experiência; que emerge do choque e que permite jogar com a memória, fazer dela o cerne de uma ação cotidiana (BENJAMIN, 1994, p. 108 - 110). O individuo retoma a rua, o andar se configura como linguagem, uma gramática na qual considera o movimento como um rastro, exercício constante das atividades cotidianas aplicadas (CERTEAU, 1984, p. 177). Assim, afirmar a individualidade na rua é modificar o caráter desta como espaço. 2.2.2 – O cotidiano e os mecanismos de cooptação Tornando ao samba produzido nas favelas, considera-se que a multiplicidade de criações que circundam essa associação entre o fazer e território confluíram na fundamentação de uma estética que viria a se sobressair na associação entre o samba e a modernidade. Do que alcançou essa modalidade de fazer samba, se evidencia a complexidade das relações entre o Estado e as populações, entre táticas e estratégias. Se as táticas surgem como manipulações a agir modificando um espaço marcado pelas imposições do Estado, a estratégia deste também pode se permitir de transformar o resultado das táticas10. Deveras, a recordação do período compreendido pela Era Vargas 10
O Tratado de Nomadologia de Deleuze e Guattari é rico em metáforas sobre a ação estratégica do Estado e de como afeta as populações que vivem no espaço por ele controlado. Primeiramente, compara o poder do Estado sobre o espaço ao jogo de xadrez. O xadrez é um jogo de Estado, ou de corte; o imperador da China o praticava. As peças do xadrez são codificadas, têm uma natureza interior ou propriedades intrínsecas, de onde decoram seus movimentos, suas posições, seus afrontamentos. Elas são qualificadas, o cavaleiro é sempre cavaleiro, o infante um infante, o fuzileiro um