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2.1. URBANIZAÇÃO E MODERNIDADE

afirmação para com um cotidiano propriamente moderno que se estrutura em torno das cidades brasileiras.

Entender o funcionamento da modernidade urbana em sua relação para com e espaço da cidade e como ela afeta as relações humanas, então, é essencial para a compreensão de como se estruturou o samba nas cidades brasileiras. Mais importante, ocorre captar aqui o desenvolvimento de uma modernidade congruente com os problemas de um país do chamado terceiro mundo; que no Brasil emerge a partir do início do século XX. Analisar essa conjuntura é observar como as características gerais dessa condição nacional, assim categorizada sob a ótica de parâmetros globais conforme seu desenvolvimento socioeconômico, contribuem para a formação de uma modernidade urbana própria desses países.

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Tendo em vista sua importância como precursora e modelo de urbanização no Brasil e, em particular, como cenário em que desenrola a lírica do compositor aqui pesquisado, Adoniran Barbosa, a cidade de São Paulo receberá neste capitulo especial atenção como modelo dessa modernização terceiro-mundista.

2.1. URBANIZAÇÃO E MODERNIDADE

O paradigma da modernização capitalista é o que fundamenta o fenômeno da urbanidade, assim como o fortalecimento da urbanização como espaço social é determinante para a constituição dessa modernidade. Considerando como atores as populações e o Estado, a formação desse espaço propriamente moderno leva à cadeia de relações cotidianas que referenciam tal constituição em seu envolver para com uma determinada sociedade. Em especial no que concerne o envolvimento desta no estabelecimento de territórios, se sobrepondo dentre estes a figura do Estado-Nação. Logo, o aparecimento de megalópoles como São Paulo se conecta ao desenvolvimento de uma modernização que ocorra dentro do contexto histórico latino-americano na partilha de pontos históricos comuns e nacional no que tange uma formação própria. Referencial curioso tendo em vista as considerações sobre a modernização ser um fenômeno de natureza mundial, porém que tenha alcançado sua plenitude nos países ditos desenvolvidos da Europa e da América do Norte, tendo o chamado terceiro-mundo amargado uma

modernidade que se encontra entre o sonho da plenitude e o imperativo do capitalismo forçado.

(...) o que aconteceu nas áreas fora do Ocidente, onde, apesar das pressões crescentes do mercado mundial em expansão e do desenvolvimento simultâneo de uma cultura mundial moderna — a “propriedade comum” da humanidade moderna, como disse Marx no Manifesto Comunista —, a modernização não estava ocorrendo? É óbvio que nelas os significados da modernidade teriam de ser mais complexos, paradoxais e indefinidos. Essa foi a situação da Rússia por quase todo o século XIX. Um dos fatos cruciais da história moderna da Rússia é que a economia do império se estagnava, em certos aspectos até mesmo regredia, no exato momento em que as economias das nações ocidentais davam um salto espetacular à frente. Portanto, até o dramático surto industrial da década de 1890, os russos do século XIX experimentaram a modernização principalmente como algo que não estava ocorrendo, ou como algo que estava ocorrendo à distância, em regiões que, embora visitassem, experimentavam mais como fantásticos anti-mundos que realidades sociais; ou ainda, quando ocorresse no país, como algo que acontecia das formas mais irregulares, vacilantes, flagrantemente destinadas ao fracasso ou estranhamente distorcidas. (...) Neste período de cerca de cem anos, a Rússia lutou contra todas as questões a serem enfrentadas posteriormente pelos povos africanos, asiáticos e latinoamericanos (BERMAN, 1986,pp. 169-179).

Dessa síntese resultariam formações distorcidas onde a modernidade se fundiria com referencias de um arcaísmo local: caso de uma Rússia czarista que construía cidades modernas em meio a um ambiente rural onde ainda eram exercidas relações sociais talhadas pelo feudalismo, lembrada acima por Berman, e da Índia pós-colonial onde a precariedade urbana, a desumanização ocasionada pela influência das castas combinadas com o desenvolvimento do capitalismo e a intervenção de grandes corporações na produção manufatureira de certas comunidades agrárias, levaria a um encontro entre “os séculos XIV, XVIII, e XX marcaram um encontro para expor ao escárnio o idílio cujo cenário é mantido pela natureza tropical” (LEVI-STRAUSS, 1996, p. 139).

A formação de uma modernidade latino-americana remete a integração dos países do terceiro-mundo à mundialização do capitalismo industrial. Porém, mesmo considerando-o como relevante, o olhar estrangeiro provindo das nações que usufruem da considerada modernidade plena não deve ser definitivo sobre o entendimento do fenômeno da vivência moderna nos países periféricos ao capitalismo. A qualidade moderna não corresponde exatamente a um determinado estágio de desenvolvimento econômico e social que seria avançado em determinados países, mas sim na integração de territórios ao fortalecimento do capitalismo e da urbanidade. Fatores esses que por

emendarem a condição moderna, levam esse território a se situar mundialmente em um paradigma que aprofunda as relações entre territórios. Estando um país e uma cidade se significando como modernos, os leva a mensurar o que até então se formulou nas particularidades de suas formações sócio-históricas em comunicação com uma conjuntura que exige sua participação dentro de uma concepção de globalidade.

Por consideração ao objeto de estudo escolhido, ao focar na questão da modernidade representada pela cidade de São Paulo em consonância com o desenrolar da modernização brasileira, deve ser dada atenção especial à época retratada pelos sambas do compositor Adoniran Barbosa: as décadas de 1950 e 1960. O período coincide com as modificações na estrutura populacional brasileira, pois estava em curso o êxodo populacional do ambiente rural para o ambiente urbano, compreendendo o período de transição do campo para a cidade3. Vislumbra-se a possibilidade de formação de uma modernidade que haveria de acrescentar novas nuances para a sociedade brasileira. Sérgio Buarque de Holanda identificou o processo de urbanização do Brasil como uma revolução, pois subverteria algumas das bases estruturais da formação nacional, como o agrarismo:

É deliberadamente que se frisa aqui o declínio dos centros de produção agrária como o fator decisivo da hipertrofia urbana. As cidades, que outrora tinham sido como complementos do mundo rural, proclamam finalmente a sua vida própria e a sua primazia. Em verdade podemos considerar dois movimentos simultâneos e convergentes através de toda a nossa evolução histórica: um tendente a dilatar a ação das comunidades urbanas e outro que restringe a influência dos centros rurais, transformados, ao cabo, em simples fontes abastecedoras, em colônias de cidades. Se fatores especiais favorecem o primeiro desses movimentos não há dúvidas que ele só se acentuou definitivamente com a perda do agrarismo, antes soberano, e, depois, com o definhamento das condições que estimularam a formação entre nós de uma aristocracia rural poderosa e de organizações não urbanas dotadas de economia autônoma. (HOLANDA, 1995, pp. 172-173)

3 Os fluxos populacionais que convergiam para o espaço urbano são refletidos no censo populacional de 1940, revelando um crescimento da população urbana de 3,84%, superior ao do meio rural que remetia a 1,58%. Percentual que aumenta consideravelmente no censo de 1950, estabelecendo um crescimento de 5,32% no meio urbano. Na década da seguinte esse percentual de crescimento em 5% seria mantido, estando às urbes concentrando 31.534.000 da população, alcançando os 38.657.000 presentes no ambiente rural, que crescia em apenas em 0,60%. Enfim, o censo de 1970 reflete que as cidades finalmente conseguiriam ultrapassar o campo apresentando 52.084.000 em oposição à 41.054.000 da população brasileira. Esse censo, entretanto, marcaria a diminuição do crescimento populacional urbano que, por sua vez, não remeteria a uma retomada do crescimento da população rural; ao contrário, a partir dessa contagem, o espaço agrário amargaria porcentagens apresentadas sempre no negativo (BAENINGER, 1998, p. 732).

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