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apresentaria uma relação do samba para com um ethos próprio perante a sociedade moderna. (...) a singularidade do malandro (...) viria de sua associação ao samba, e precisamente, ao samba na sua versão moderna. O que tentarei mostrar (...) é em primeiro lugar, que tal associação não era apenas externa, mas aparecia no próprio texto dos sambas; e, em segundo lugar, que vista assim, de dentro, ela se revela problemática: ao contrário do que pensava [Orestes] Barbosa e do que parecia pensar o público em geral, o samba-malandro era também um samba em conflito com a malandragem (SANDRONI, 2012, p. 162).
A construção da malandragem enuncia bem a problemática da tentativa de se criar um proceder alternativo dos excluídos sobre o retomar do controle do próprio cotidiano. Em verdade, nos fazeres, ao mesmo tempo que existe essa recusa para com opressões que se configuraram historicamente, reside também o desejo de, através dessas atividades próprias das classes baixas, reverter esse cenário de exclusão social, arregimentando assim uma tentativa de reconhecimento para além da marginalidade. 2.2. RUA E MORRO – COTIDIANO MODERNO NO BRASIL Dos choques entre classes sociais e da tentativa dos excluídos de retomarem o cotidiano através de seus fazeres, levanta-se a proposição de uma outra modernidade que se permita dispensar os signos do progresso – logo, aqueles determinados pela ordem dominante - para existir. Ocorre que se a modernidade for tratada como paradigma do tempo presente, que seja encarada como cadeia de relações que estão ligadas a essa temporalidade a forma com que se entrega a esse paradigma no cotidiano. Ela então envolve em sua totalidade os critérios dominantes, estando sua concepção atrelada à ascensão do capitalismo e da urbanização, porém também pode corresponder a resistência a estes. Como sintetiza Berman na introdução de Tudo que é solido desmancha no ar: Existe um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres no mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como “modernidade”. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo que temos, tudo que sabemos, tudo que somos. (BERMAN, 1984, p. 15)