Vozes da modernidade: A lírica de Adoniran Barbosa como ponto de encontro do samba e da crônica

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que ela tem de trágico. Detalhe onde todo o sentir de apatia e desespero que aparece na narrativa ganha potência no cantar coletivo do grupo, emitindo a impressão de que o trio protagonista é quem toma voz na tragédia, fazendo do canto um relato coletivo do acontecimento – apesar da permanência do pronome “eu” referente ao narrador. Evidencia-se no que é impresso pelas interpretações de “Saudosa Maloca” tanto do compositor quanto do grupo Demônios da Garoa, que num relato marcado por oposições simbólicas, isso não é feito opondo o trágico e o cômico. Pelo contrário, nesse samba tratam-se de conceitos complementares e inseparáveis. O tragicômico em “Saudosa Maloca” existe como manifestação da experiência em sua conexão com o viver. Pois na modernidade e na violência que ela pode exprimir, a possibilidade de manifestar-se através da memória passa pelos sentires de sofrer, não excluindo, contudo, que mesmo nas desgraças existe possibilidade de riso. 4.3.2. Abrigo de vagabundos Esse samba de Adoniran, incluído no álbum de 1973, apresenta uma continuação da narrativa de “Saudosa Maloca”, prosseguindo de onde a história desta canção parou. Eu arranjei o meu dinheiro Trabalhando o ano inteiro Numa cerâmica Fabricando pote E lá no alto da Mooca Eu comprei um lindo lote Dez de frente, dez de fundos Construí minha maloca. Me disseram que sem planta não se pode Construir, mas quem trabalha Tudo pode conseguir. João Saracura Que é fiscal da prefeitura Foi um grande amigo Arranjou tudo pra mim. Por onde andará Joca e Matogrosso? Os meus dois amigos Que não quis me acompanhar. Andarão jogados Na avenida São João? Ou vendo o sol quadrado Na detenção? Minha maloca a mais linda que eu já vi


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