Vozes da modernidade: A lírica de Adoniran Barbosa como ponto de encontro do samba e da crônica

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A figura de Adoniran Barbosa surge no rádio como representativa de certos momentos fundamentais de sua história social. Certamente não havia em João Rubinato nada que fugisse do artista padrão do veículo. Sua ascendência italiana não era barreira para participar das atividades radiofônicas. Por outro lado, além de compartilhar com outros artistas radiofônicos a fraca renda que a atividade no meio lhe atribuía, sua experiência na cidade – onde, até sua entrada definitiva na rádio, se constituía entre períodos de desemprego a uma nova atividade instável – lhe aproximava das pessoas cuja vida era desapossada de privilégios, interagindo assim com o trabalhador braçal até os lumpems da cidade. Da relação estabelecida com essas pessoas é que Adoniran pode, através dos textos de Moles, criar personagens que remetessem à realidade diária e que proporcionasse entretenimento com uma paródia desta. Através disso, aparecem no rádio diversos fatores que antes eram recalcados: da representação dos marginalizados até a formação de um contradiscurso. São experiências que Adoniran teve no veículo que foram cruciais em sua formação como sambista; quer seja influenciando este, quer em uma conjuntura que o sambista e o radioator compartilharam. 4.1.2. O sambista Adoniran Barbosa e a memória no samba Embora já compusesse sambas desde os anos 30, seu efetivo sucesso como compositor e, mais importante, seu “estilo característico” de criar sambas ligados intimamente ao cotidiano das camadas baixas das grandes metrópoles se manifesta a partir dos primeiros anos da década de 50, ou seja, depois de farta experiência e sucesso como radioator. A gravação de “Saudosa Maloca”, em 1951, já evidencia um compositor que se voltava a tematizar a metrópole paulistana e, principalmente, a história das pessoas que a habitam. Antes desse período, as tentativas de Adoniran no samba podem ser facilmente qualificadas como emulações do estilo dos sambistas cariocas, tanto da dicção quanto das temáticas29.

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Maria Izilda Santos de Matos chama atenção para aquela que seria a primeira canção de Adoniran, “Minha vida se consome”, composta em parceria com Pedro Romano e Verídico, algumas das temáticas pelo qual seria conhecido já estariam presentes, em especial a miséria urbana, manifestada na figura da fome.


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