Revista CDM Digital #37

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A morte como meio de vida

revista
corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR
ano 13 - edição 37 novembro de 2015
Quem são e como trabalham as pessoas que dependem da finitude para sobreviver

Corpo da matéria

Ano 13 - Edição 37 - Novembro de 2015 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR

Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR

REITOR

Waldemiro Gremski

DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Julius Nunes

COORDENADOR EDITORIAL Julius Nunes

COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR

Alana Dombrowski Lima , Aline Silva Bonn , Aryane Linhares Monteiro , Beatriz Lima de Castro , Beatriz Peccin Macota , Bruna Caroline Santos Cavalheiro , Bruna Martins Oliveira , Caio Porthus Knopik Roemers , Camila Beatriz Costa , Daniel Ramalho Malucelli , Daniele Dalla Libera Alcoléa , Gabriel de Almeida Sawaf , Gabriel Moreira Massaneiro , Gabriela Dolores dos Santos Fialho , Hélcio José Weiss Junior , Julia Baggio Pastre , Kauany da Rocha Miguel , Lana Gillies , Lara Pessoa Rego , Leonardo Dulcio , Luciano Galvão Simão , Manuella Niclewicz Saddock de Sa , Michel de Alcantara Machado , Monique Raquel Benoski , Natalia de Moraes da Rosa , Pedro Henrique de Melo , Roberto Rohden Godefroid , Vithor Allan Marques , Vitor Augusto Maoski Da Cruz , Aliny Amaral Santos Gohenski , Amanda Penteado da Silva , Anna Julia Ramos Lopes Tomio , Bruna Stefanie Kurth , Daniela Karoline Gusso , Dayanne Catherine Wozhiak de Lima , Fernanda Novaes Buffa , Gabriel Snak Firmino , Guilherme Albert Becker , Jonatan de Jesus Lavor , Karyna Rodrigues do Prado , Luana Kaseker da Silva , Luciana Prieto Ribeiro , Marcos Eduardo Sudoviski da Silva , Marina Biilow Creplive , Thauane Mayara Neris de Jesus , Jordana Figueiredo Machado

Imagem de capa: Natalia de Moraes da Rosa - 6ºP Jornalismo

2 Revista CDM Jornalismo PUCPR

A morte lhes cai bem 4

Aconteceu com o amigo de um amigo meu... 14

Vida passa[li]geira 22

Suor e lágrimas para o bem 28 Rua e bar lar doce lar 34

EDUCAÇÃO

Calendário em recuperação 40

ECONOMIA

À sombra do Dólar 44

A outra face da crise 48

Os donos da noite 50

ESPORTE

A vitória da superação 54

COMPORTAMENTO

Profissão: Blogueiro 60

Lado veg da vida 66 Na trilha da aventura 62

GASTRONOMIA

Tá com sede de quê? 70

ESPECIAL REGIÃO METROPOLITANA

Cidades de sucata 76

Witmarsum hoje e amanhã 82 A memória da terra 88 O futuro é verde 96 Desembarque 100 Malte, lúpulo e RMC 102

O encontro de vários mundos 108

Ensino à distância 112

Tradição familiar 116

Arte metropolitana 122 Cores ao vento 122

As cores de Campo Largo 132

Jornalismo PUCPR Revista CDM 3 CIDADES

A MORTE LHES CAI BEM

Os profissionais que lidam com a finitude da vida no dia a dia falam sobre suas rotinas de trabalho

Fotos: Natália Moraes Texto: Luciano Simão Edição: Aline Bonn

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Se você morresse hoje, atingido por um raio ou uma bala perdida, o agente funerário Fábio Henrique Gomes poderia ajudar a escolher o seu último leito. Relógio no pulso, terno escuro, sapatos mar rons, aperto de mão firme, um ar de sobrieda de que condiz com a profissão. Curiosamente, lembra um pouco o presidente Barack Obama quando sorri.

– A venda do caixão, o transporte, o auxí lio, toda a parte difícil quando a família está enlutada: esse é o trabalho do agente funerário – explica, adotando um tom suave e cortês.

Se a família não possui lote para o falecido, Gomes oferece um no cemitério particular da funerária, em Almirante Tamandaré, ou a op ção do serviço de cremação. Pois, embora atue em situações delicadas, o agente funerário é basicamente um comerciante, algo que Gomes compreende bem – especialmente após nove anos atuando no mercado da morte.

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negocia os caixões: de R$ 246 a R$ 50 mil à vista ou no crédito. cidades Jornalismo PUCPR Revista CDM 7
Gomes

Aos 22, auxiliava nos velórios e fazia o café. Virou motorista. Não era fácil: motorista de funerária é aquele que busca os corpos, os veste, faz a ornamentação floral da urna. Ele ainda lembra com um nó na garganta de uma criança gordinha que mal entrava no caixão –“parecia que estava dormindo”. De motorista para agente funerário, hoje Gomes é gerente de plantão.

Na sala ao lado, Gomes exibe os caixões enfileirados, claros e escuros, de cerejeira ou maciço de pinus, altos e baixos, estreitos e lar gos, dois modelos infantis discretos no canto, pequenos e brancos e tristes. Se têm Cristo em relevo dourado, não servem para os evangé licos. Já os muçulmanos preferem o modelo básico de R$ 246, pois o descartam após o transporte e sepultam o corpo embrulhado em lençóis. Os modelos mais caros, que chegam aos R$ 50mil, têm alças banhadas a ouro ou prata. O valor pode ser parcelado. Para as cinzas, as urnas dispostas na estante: há as mais tradicionais, as multicoloridas que lembram baleiros, o modelo de bronze de R$ 7mil,uma Pietà, uma Bíblia, um balanço, um carrosselzinho branco com pequenos cavalos imóveis.

Os caixões, as urnas, os túmulos e lápides, tudo está à venda, tudo tem seu preço. Porém, mais do que habilidades comerciais, um bom agente funerário precisa de tato e delicadeza para lidar com o luto.

– Cada caso é um caso. Alguns dão risada, outros choram, outros chegam desesperados. Algumas famílias buscam culpar o agente, o hospital, qualquer um para não lidar com o que aconteceu. Por isso dizemos: “Respeito a quem vai, respeito a quem fica, respeito sempre”.

Apesar do contato direto com a morte, Gomes não pensa muito no próprio fim. Acredita no céu e no inferno e que o corpo é apenas corpo, tanto faz sepultar ou cremar, mas não pretende ficar no cemitério não, prefere ser cremado. – Já que do pó a gente veio, vamos pro pó mais rápido, né?

Tanatologia

Terminadas as negociações, o preparo para o velório. Em seu tanatório (instalações onde os corpos são preparados) reluzente, as mãos enluvadas de CarlosHenrique Pereira devolve riam a forma e a cor ao seu rosto dormente. Trajando um branco estéril, da camisa polo justa às sandálias Crocs nos pés, o jovem tanatólogo fala sobre a morte com naturalida de. Sua voz é calma, tem olhos verdes vivazes escondidos detrás de um par de óculos de armações avermelhadas.

Se o biólogo é o estudioso da vida, o tanatólogo – do grego Tânato, a temível encarnação da Morte – é o especialista que lida com os mortos.

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– Você passa a dar mais valor à vida – diz o jovem, animado. “Quando uma pessoa é viva, ela tem seu valor. Quando ela morre, ela vale mais ainda para a família.”

Pereira começou a carreira há apenas um ano e hoje é um dos profissionais que fazem a limpe za e o preparo de cadáveres enviados pelas fu

os aventais e as botas, removem as ataduras que os hospitais às vezes colocam, tiram as roupas, põem o cadáver na mesa. Checam o atestado de óbito. É necessário ser preciso, saber há quanto tempo morreu e por quanto tempo será velado para dosar a diluição dos produtos químicos que garantirão a preserva

estavam

nerárias à Pró Tanato, no bairro São Francisco. Cristiane, sua colega, é a mais experiente dos dois, uma mulher risonha com maquiagem e brincos discretos e um traje tão branco quanto o dele. Tem experiência em hospitais e necrotérios. Quando adolescente, assistia escondida a aulas de Anatomia do curso de Medicina para ver os cadáveres de perto.

– Enquanto os outros estavam lá incomodados com o corpo, eu queria era saber por onde tinha entrado a bala – dá gargalhadas. Pereira também ri. Os dois têm uma dinâmica pecu liar.

Sem acanhamento, detalham a rotina um tan to mórbida de um tanatólogo. Primeiramente, vestem o branco. Ao chegar um corpo, pegam

ção necessária. Aspiram os líquidos corporais por meio de uma perfuração no abdômen e fazem o tamponamento (algodão nas narinas, ouvido e garganta), visando sempre à conser vação temporária e à putrefação natural do organismo, de uma maneira que não produza necrochorume e contamine os lençóis freáti cos. E não, eles não roubam os órgãos. Tudo é reposto no devido lugar.

– O que a gente faz aqui é a total descontami nação do corpo – explica Cristiane. – É a eliminação dos odores e bactérias – com pleta Pereira.

Acabaram de finalizar o tratamento de um se nhor diabético falecido em seu domicílio. Um dia calmo no tanatório é aquele em que

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“Enquanto os outros
lá incomodados com o corpo, eu queria era saber por onde tinha entrado a bala”.

Para os tanatólogos Pereira e Cristiane, um dia parado envolve “apenas” três cadáveres.

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tratam “apenas” três corpos. Em dias corridos, o número chega a oito ou dez. O preço mínimo do serviço é de R$ 1mil.

Esmalte

Após a limpeza, Pereira e Cristiane dão os toques finais: a “maquiagem cadavérica”, termo utilizado pelos técnicos. É um processo com plexo que pode envolveruma extensa recons trução facial. Utilizam substâncias especiais para mascarar os danos ao rosto, além de vários produtos específicos, pós que misturam para obter o tom de pele exato da face do morto. Não é incomum que as famílias façam pedidos mais exóticos, levando o esmalte favorito da fa lecida ou exigindo que seja feita uma maquiagem chamativa – o que não agrada Cristiane, que prefere a discrição.

– Tem gente que pede pra pintar as unhas de verde fosforescente, de amarelo-cheguei. Outro dia ligaram pedindo um esmalte cor de areia. E por acaso isso aqui é um salão?

Na vida social, é complicado explicar aos ou tros o que fazem. “Quer dizer que vocês ficam lá lavando defunto?” é a pergunta que mais ouvem. Alguns demonstram estranhamento e repulsa, outros se recusam a cumprimentá-los com um aperto de mão. Os tanatólogos acham graça nisso, porém até entendem o porquê.

Para Cristiane, o tanatório é um ambiente car regado de ares pesados e muita negatividade, e tudo deve ser esquecido ao deixar o trabalho para não contaminar a vida pessoal. Já Pereira, que não se considera umbandista embora siga à risca os conselhos de um amigo médium, acredita que o local está repleto de espíritos que, por não conseguirem desprender-se do corpo, ainda não encontraram seu rumo.

– Toda pessoa morre com um sentimento, de tranquilidade ou ódio ou com alguma dívi da qualquer, e por estar ali mexendo tanto no corpo você acaba absorvendo isso – diz o jovem, que toma um banho de ervas e sal grosso semanalmente para se livrar das energias negativas.

Flores

Depois de tudo isso, o velório, as lágrimas, um orador e algumas palavras reconfortantes, e, por fim, o enterro e o adeus. Mas o fim do seu mundo não seria, lamento, o fim do mundo. O tempo passa e a vida segue em frente. A Terra continua a girar. À sombra do cemitério, Inês de Jesus venderia flores fúnebres aos seus entes queridos, como o faz há 42 anos. Com um lenço multicolorido enrolado no pescoço, escolhe a dedo as flores

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mais belas ao som chiado do velho televisor escondido atrás do balcão. O luto e a morte já não a perturbam, pois tudo o que faz é pelo amor às flores.

– É mais fácil lidar com essas coisas quando a gente já perdeu alguém, aí você sabe o que os outros estão sentindo também – diz Inês,me xendo inconscientemente nas flores ao falar: puxa uma folha, toca na terra, ajeita um caule, acaricia uma pétala.

Para enfeitar sua última morada, ela sugeriria os crisântemos, as mais tradicionais, disponí veis em todas as formas e tons. Cada família tem suas preferências, mas para ela todas as cores importam.

- Afinal, o que seria do azul se não fosse o amarelo? – indaga sorridente.

E os crisântemos lhe fariam companhia, adornariam sua lápide enquanto alguém neste mundo ainda selembrasse de você.

Enquanto os mortos aguardam visitantes, o pedreiro-coveiro Roberto Brasil limpa e faz a manutenção geral do cemitério, abrindo e selando as sepulturas quando necessário. Já teve pesadelos com as coisas que dormem lá dentro, mas não mais. Hoje trabalha cantarolando e com um cigarro na boca, chapéu de palha e chinelo de dedo nos pés, e uma única luva verde, cujo par deve ter perdido em algum

lugar. O radinho à pilha aos seus pés toca “Tô Voltando”, da dupla Gino e Geno, embora ninguém ali pareça estar voltando para nin guém.

Mas mesmo nos dias mais parados, o cemité rio não é um lugar solitário. Durante o dia, o guarda que patrulha o local vigia os túmulos, impedindo ladrões de roubarem o cobre e ou tros metais usados nos letreiros e porta-retratos das lápides. À noite, góticos e outras tribos urbanas apaixonadas pelo mórbido e profano pulam os muros para beber e divertir-se em meio aos mortos. Nos fins de semana, a guia especializada conduz os turistas curiosos, dis correndo em tons didáticos sobre a história dos túmulos mais antigos, belos e estranhos...

Para toda essa gente, a morte é um mercado, uma maneira de ganhar a própria vida.Mas nós, que não convivemos com ela, não costu mamos considerá-la algo assim tão tangível, concreto. Sabemos que é inevitável, mas no fundo conservamos a esperança de que jamais virá para nós. Por mais que seja impossível saber quando chegará e o que virá depois, não devemos evitar pensar a respeito. “Você passa a dar mais valor à vida”, disse o tanatólogo Car los Pereira, e todos deveriam ouvi-lo. Afinal, é o ponto final quem determina se uma história terminou bem resolvida. É a própria morte quem confere valor inestimável à vida.

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Mesmo cercado de mortos, o coveiro Roberto já não tem mais pesadelos.

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ACONTECEU COM O AMIGO DE UM AMIGO MEU...

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Curitiba é cenário de lendas urbanas que atravessam o tempo
Texto: Caio Porthus, Daniel Malucelli e Gabriel Massaneiro Fotos: Gabriel Massaneiro Diagramação: Michel de Alcantara
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Écom o bordão que dá título a esta reportagem que começam as histórias conhecidas por lendas urbanas. Al guém desconhecido passou pela experiência, seja o primo de um antigo colega, um tio de segundo grau, não importa. O que se sabe é que um tempo depois, todo um bairro, uma cidade, um país, conhecem o causo, que fica gravado na imaginação das pessoas para sempre.

As histórias não morrem com o tempo, sequer com o fim de um local. Se a casa mal-assom brada do bairro for derrubada, em breve a mesma narrativa se repete e volta a ser contada para todos. Essas narrativas, algumas assus tadoras, outras bizarras, outras engraçadas, passam de geração a geração, volta e meia ganhando novos detalhes ou pequenas mudan ças. Afinal, “quem conta um conto, aumenta um ponto”.

Quem nunca ouviu falar da Maria Sangrenta? Que se tivesse seu nome repetido três vezes em voz alta na frente de um espelho, apareceria e mataria o jovem que desafiou a lenda. Ou a famosa brincadeira do copo na qual dizem ser possível conversar com espíritos? Quem nunca

saiu de noite e ficou com medo de exagerar na bebedeira, acabando numa banheira de gelo sem os rins?

Inúmeros são os filmes, livros, seriados que se baseiam em histórias e as tornam ainda mais famosas, saindo de uma pequena região e tornando aquilo um fenômeno mundial. Mas, para o sociólogo paranaense Marcos Urbano, o que facilita mesmo a popularização de uma história hoje em dia é a internet. “Se antiga mente, somente com o boca a boca servindo como forma de divulgação dessas lendas eles já ficavam famosos em pouco tempo, hoje em dia, com a internet e, especialmente, as redes sociais, a facilidade com que um mito se espa lhe ficou ainda maior. É muito comum abrir o Facebook e se deparar com um amigo com partilhando uma história que aconteceu com alguém que no fim das contas sequer existe”. Apesar disso, Urbano não acha que esse efeito seja negativo. “Muitas vezes, esses mitos ser vem para alertar as pessoas sobre algo perigoso, e por mais que muitos não sejam verdadeiros, pelo menos cumprem sua função deixando todos informados”, completou.

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“Criei um carinho muito maior pela ci dade, parece que através das lendas conheço ela muito melhor.” - Carol Sakura, escritora, roteirista e coordenadora de pesquisa do Dogzilla Studio
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O Edifício ASA é assombrado pela lenda da noiva suicida desde a década de 1970.

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Loira suicida do Edifício ASA

Inaugurado em 1954, o primeiro “gigante” residencial e comercial de Curitiba tem o nome das inicias da construtora respon sável pelo empreendimento: Aranha S.A. (ASA). Nele, circulam cerca de 4 mil pesso as por dia. A própria construção já é miste riosa. A planta original se perdeu, e nem o arquiteto responsável é conhecido. Para o atual síndico do edifício, o médico aposen tado Antônio Miguel (74), ferros e cimento foram desviados ilegalmente da constru ção de Brasília para levantar o ASA. “Creio que foi o Oscar Niemeyer que comandou essa construção, eu ainda vou descobrir”, contou. Mas é durante a noite que o ar fica pesado.

A lenda conta que uma noiva se jogou ves tida toda de branco do último andar (22.) após ser deixada no altar pelo seu marido no dia do casamento. No chão, o vestido ficou manchado de vermelho. Desde então, a noiva fantasma anda pelos corredores do Asa, que tem um histórico real de suicídios. “De noite, se ouve barulho pelos corredores, isso eu não posso negar”, disse o síndico. O zelador Antônio Muzy, que também é morador do prédio há 30 anos, conta que quatro pessoas se joga ram desde que ele está no condomínio. “Se a loira foi a causadora, eu não sei. Eu não acredito, mas também não duvido.”

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Curitiba não poderia ser diferente. Desde águias e leões de pedra que ganham vida durante a noite, até uma noiva suicida que assusta moradores de um prédio, ou uma loira que após ser abusada por taxistas, voltou para conseguir sua vingança, como toda boa cida de, a capital paranaense é recheada de contos. Com isso, a equipe Dogzilla Studio decidiu criar um álbum de histórias em quadrinhos chamado Bocas Malditas – Curitiba e Suas Histórias de Gelar o Sangue, para ilustrar os mais famosos contos da cidade. Antonio Eder, ilustrador e organizador da publicação, conta como foi o processo de criação. “Fizemos uma

muito maior pela cidade, parece que através das lendas conheço ela muito melhor”. “Acho as lendas essenciais para conhecermos quem somos, é impressionante como elas falam de nós e de nossa cultura. É algo que não pode se perder”, finalizou.

Mito ou lenda?

A dúvida é comum. Quando se escuta uma história como a da famosa loira vingativa do Abranches, ela se trata de uma lenda ou de um mito? Muitos confundem ambos os termos, utilizando-os de maneira errada.

pesquisa de quais seriam as principais lendas urbanas de Curitiba. Essa pesquisa se deparou com algo muito comum: a falta de referência bibliográfica e as poucas e suspeitas fontes para pesquisa. No final, selecionamos 26 histórias de Curitiba, um número bem significativo levando em consideração a falta de registros mais exatos”.

Carol Sakura, coordenadora da parte de pesquisa e do roteiro da produção comentou sobre sua alegria em conhecer as lendas da cidade. “Antes de trabalhar no livro não conhecia quase nenhuma delas, foi uma surpresa ter acesso à essas histórias. Criei um carinho

Na Antiguidade, quando muitos dos fenômenos eram incompreendidos pelo ser humano, os povos encontravam maneiras de explicar os fenômenos. Isto é o que conhecemos como mitos. Um bom exemplo é a própria criação do universo, que em cada cultura ganhava con tornos diferentes.

Já as lendas são histórias muitas vezes misterio sas e sobrenaturais, que se modificam com o tempo de acordo com a imaginação do povo. Lendas misturam a realidade com à ficção.

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Hoje em dia, com a internet e, especialmente, as redes sociais, a facilidade com que um mito se espalhe ficou ain da maior. ” - Marcos Urbano, sociólogo
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O fantasma da Loira do Abranches fez vários taxistas de vítima na década de 70

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Loira do Cemitério do Abranches

Mais uma delas… Se nos contos ro mânticos elas são referência em beleza, nas lendas as loiras são assombração! É quase uma obsessão popular pelos fantasmas das mulheres de cabelos dourados à procura de vingança. Em cada cantinho do país elas estão por aí vagando sem rumo. A loira do cemitério do Abranches “causou” durante os anos 70.

Taxista há 40 anos, Francisco Vitorino, de 67 anos, contou a versão mais famo sa da época. “Uma linda loira, daquelas que parecem beldades, em uma noite fria ao embarcar em um táxi foi estu prada e morta por um taxista psicopata, que depois teria jogado o seu corpo no cemitério do Abranches. Então, o fan tasma da loira decidiu se vingar. Vestida com uma capa preta, ela solicitou uma corrida ao taxista assassino até a porta do cemitério.

Túneis subterrâneos

O livro Secret Cities of Old South Ameri ca, do ufólugo, jornalista e explorador Harold T. Wilkins afirma que existe, debaixo de Curitiba, túneis que ligam a capital a Ponta Grossa, e neles há diver sas construções incas. Ainda há relatos de que uma serpente gigantesca guardava um tesouro colo cado lá por um pirata. A lenda diz que o Capitão Zulmiro, que possuía terras no litoral do Paraná durante o século XIX, teve seu espírito invocado durante uma sessão espírita em 1904. Segundo as pessoas que estavam nessa sessão, seu fantasma pronunciou que seu te

Sem reconhecê-la, ele topou. Chegan do lá, ela tirou a capa e disse que havia chegado em casa e que morava em um túmulo. Reza a lenda que o taxista teve um ataque de asma e morreu asfixiado. Na época, os mais velhos juravam que era verdade”.

A história virou capa de jornal. Em junho de 1975, saiu no extinto jornal paulista no Notícias Populares, famoso por suas manchetes sensacionalistas, o drama dos taxistas curitibanos. Na primeira página, as aspas de um taxista chama do Wilmar, “Eu fui estrangulado pela loira fantasma”. Segundo o NP, Wilmar foi assombrado pela loira que tentou o enforcar, mas quando ele se dirigiu até a Delegacia mais próxima ela simples mente desapareceu.

souro “seria encontrado por uma gera ção futura”. Apesar dessa história ter sido publica da em 1952, foi somente em 2007 que comprovaram a existência dos túneis. Não, não há sinal de nenhuma cobra ou de construções incas, tampouco esses túneis se estendem até Ponta Grossa. Na verdade, eles se encontram debaixo de dois clubes de imigrantes italianos e alemães, que os construíram durante a Segunda Guerra Mundial com medo de um ataque popular.

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Vida

PASSA[li]GEIRA
lugar de chegadas e partidas, histórias cruzadas e experiências vividas
Ônibus:
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Bruna Martins Oliveira

Trinta terminais. 1.746.224 passageiros diários na capital paranaense. Idas e vindas. Destinos e propósitos distintos. Cada passageiro, carregando sua bagagem de vida, em dez minutos ou em duas horas. A catraca gira. A cidade em movimento. De um jeito ou de outro, o transporte coleti vo faz parte de grande parte das pessoas que viajam por aí, seja para trabalhar, estudar ou passear.

ao contorcionismo diário das vértebras e do corpo inteiro entre os outros passageiros que mais parecem sardinhas enlatadas. Ao menos, é essa sensação predominante para quem pega o Inter 2, em pleno fim de tarde no Terminal do Campina do Siqueira. Horário de pico (de trânsito e de caras e bocas também).

Uma senhora aproveita para tricotar. Outros pas sageiros parecem tricotar pensamentos

” .

O estudante de Psicologia Gabriel dos Santos é uma dessas pessoas. Ele passa três horas e meia do seu dia dentro dos coletivos. A viagem começa no município de Fazenda Rio Gran de, seguindo até o bairro do Portão, onde ele trabalha. Após o expediente, segue até as proximidades da Avenida Marechal Floriano. Vai estudar. E por volta das 22h30 o ciclo recome ça. O ônibus realmente faz parte de sua vida e, embora seja necessário, ele lamenta:– Acho que perdemos muito tempo só dentro do ônibus.

Celulares à mão. Barulho das teclas e uma nova notificação do Whatsapp. Um braço estendido busca o apoio. É de uma moça, cuja expressão cansada e a bolsa colada ao corpo revelam um dia que parece ter sido cansativo. Tanto como os de Gabriel. Não bastasse, ela é uma das várias pessoas que se submetem

Alguns ouvem música, outros parecem refletir sobre a vida, recostados à janela. Uma senhora, com a sorte de estar em um banco, aproveita para tricotar. O novelo de lã está enrola do na sacola e seus dedos dançam sob a agulha mes mo com as lombadas. É uma roupa de bebê. Outros passageiros pare cem tricotar os pensamentos. Um deles é um homem que aparenta ter uns 40 anos e, em pé, carrega uma pasta transparente com um currículo. Com expressão séria, ele se mostra preocupado em conseguir um emprego, o que não é difícil quando uma pesquisa recente do IBGE mostra que a taxa de desemprego do mês de julho é a maior desde 2009. Tempos difíceis.

Em um banco solitário, uma jovem leitora devora as páginas de um livro de aproxima damente 200 páginas. A movimentação das pessoas aumenta e a inquietação também. Uma gravação anuncia que a próxima parada é o Terminal do Portão. É um sobe e desce e percebe-se o desespero de algumas pessoas para se agarrar e permanecerem de pé. Duas amigas conversam e riem. Uma mostra uma foto de uma criança para a outra e relembra as graci-

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nhas de um fim de semana qualquer. Parece seu neto. Ela continua mostrando outras fotos da família, no álbum que agora é digital. Tem pos modernos.

Outras amigas reclamam do trabalho e de ter que chegar em casa e trabalhar ainda mais, para filhos e maridos. É a chamada tripla jor nada em prática. E de correria e tempo apertado o motorista Fabrício Neves entende. Há 30 anos, ele trabalha transportando as pessoas de uma ponta à outra da cidade. Com horários definidos. Contando os minutos. Nestes anos de viagem, ele revela já ter conhecido as mais variadas pessoas. E presenciado diversas situações, ora felizes, ora tristes. Já foi assaltado. Já viu passageiros sendo assaltados. Ele descreve um dia que o marcou: – Uma vez um passageiro chegou ao tubo e

tinha acabado de ser assaltado. Ai eu reuni outros passageiros e descemos para ajudar, acionamos a polícia e tudo, só para não deixar o cara fugir. Todo dia é uma história – conta.

Em outra estação, uma menina passa a catraca. Cabelos curtos, no máximo uns 20 anos. Ela carrega um maço de flores. Será que ganhou de alguém? Parece séria. E revela que teve um dia péssimo.

São essas e outras cenas que a cobradora Maria da Luz vê todos os dias. Trabalhando há dez anos no transporte urbano, sendo dois anos de experiência no tubo Eufrásio Correia, ela já presenciou de tudo um pouco. Fez amizades com passageiras e inclusive trocou telefones. Viu brigas e cenas violentas e cenas tão trágicas que chegam a ser cômicas.

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Bruna Cavalheiro
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“Em toda a cidade, os tubos refletem a vida de quem está de passagem”.

– Aqui a gente vê tudo. Vemos pessoas de tudo quanto é jeito. Umas entram cantando e tocando no ônibus, outras brigando e tratando a gente com falta de educação. Mas é muita gente mesmo – diz a cobradora.

A emoção e o medo também já foram sua companhia de trabalho. – Já vi briga de gangues na minha frente. Já vi um rapaz ensanguentado que veio correndo depois de levar uma facada. E eu ainda que chamei o Siate. Já vi mulher se pegando pelos cabelos aqui no tubo – relembra, franzindo a testa.

Em meio ao bate-papo, uma das amigas de Maria traz um embrulho. É seu almoço. O relógio marca 15h20. Rotina agitada de quem recebe e dá troco a centenas de passageiros. E assim, a viagem continua!

Mas eu paguei

Um homem de uns 45 anos, pedinte, faz um apelo às pessoas para que alguém o ajude a pa gar a passagem. Consegue entrar no tubo e sai cantarolando. Fala de Deus e de que ninguém é melhor que ninguém. O cabelo grande, a barba malfeita e as roupas simples o caracteri zam bem. Em uma das mãos, ele carrega um guarda-chuva; na outra, uma muleta. As pessoas em sua volta o olham. Mas não dizem nada. Não interagem. Parecem que criam muros.

Entre idas e vindas nos ônibus, grandes amizades podem surgir, como a do moto rista José Maurício e Francisco Domingos.

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Bruna Cavalheiro
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a passagem, cara! Não vou descer não”.

Crianças brincam com seus balões, o empur ra-empurra recomeça. Alguém fala: “guarda esse celular!”. Moleques discutem dentro do ônibus.

– Mas eu paguei a passagem, cara! Não vou descer não – diz um deles exaltado.

– Pagou mesmo? Sai mano! – responde o outro à altura.

Cenas que também são comuns aos olhos do motorista José Maurício de Carvalho que há 26 anos dedica sua vida no transporte público. E nestas idas e vindas, ele destaca: – São muitas histórias. Já me envolvi em acidente. Fiz amigos. Primeiro, comecei como cobrador. Depois, virei motorista. Muita coisa que a gente vive, sempre com alegria. Como passo a maior parte do meu dia no ônibus, o trabalho é a minha vida – diz.

Dias e noites, da manhã à madrugada, os cole tivos são abrigos das mais variadas histórias. Só basta embarcar na viagem e perceber como o ônibus é a extensão da vida.

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No intervalo da jornada de trabalho, a fuga de mui tos está em compartilhar a solidão.
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Gabriel Snak
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Suor e lágrimas para o bem

Voluntários de várias faixas etárias dedicam tempo e afeto na realização de churrascos beneficentes em prol dos moradores do Pequeno Cotolengo por Gabriel Snak fotos: Jonatan Lavor

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Acebola é figura recorrente em muitos pratos. Ela deixa a sua marca por onde passa. Também é notório que, ao ser cortada ou descascada para compor diversas receitas, produz uma ardência nos olhos, provocando lágrimas que inundam os canais lacrimais. Dizem que faz bem ao cora ção, possui propriedades anti-inflamatórias... Bem, até aí não há novidade. Tudo isso acon tece no Pequeno Cotolengo, institui ção que acolhe pessoas em situação de deficiência múltipla e paralisia cerebral. Quando o voluntariado se agita a cada primeiro fim de semana do mês, é o tradicional churrasco que move a casa para arrecadar verbas. Lá é o lugar onde um gesto tão simples, como o manuseio das cebolas, é capaz de abastecer a alma de forma que nenhum outro ali mento o faria, caso não fosse por ação

em prol dos outros. Nenhum centavo move as mais de 400 pessoas que tornam possível a oferta do almoço aos domingos. Por trás das refeições servidas na casa dos mi lhares, trata-se de um número que seguramen te supera três mil unidades, surgem as faces responsáveis pela façanha. Seu Antônio que o diga. Parece que cada centímetro quadrado da área de preparo das carnes corresponde a uma “Sempre

Dona Glause, voluntária há 42 anos no Pequeno Cotolengo. Cebolete de corpo e alma.

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ouvi dizer que ser voluntário é algo muito gratificante. É realmente uma emoção tanto física quanto espiritual.”
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parte de seu próprio corpo. “Eu não sei quantos mil bois eu tirei desse tanque pra assar na grelha. Já perdi a conta”, diz esse senhor, que carrega 88 anos de existência, dos quais já se vão boas décadas de trabalho voluntário. Ele é da época em que os churrascos eram vendidos antecipadamente, cerca de 70 reforçavam as receitas do Pequeno Cotolengo. “Nós com právamos no açougue de cinco a dez quilos. A gente ia no meio do mato buscar”, lembra. Para a edição de setembro, a expectativa é de 2.620 quilos de alcatra e filé sendo despejados no tempero.

Ceboletes

Mesmo distante das cebolas, o seu olhar já compartilhava da vermelhidão e marejar ca racterísticos de quem atua no time dos “ceboletes”. Sobretudo a partir do instante no qual revelava o porquê de estar ali. “Você vê aquelas pessoas sofrendo noite e dia, abandonadas, mas ninguém é tão pobre que não possa ajudar ou fazer alguma coisa”, afirma.

Para o bom prosador, as cebolas. Dalí é o setor de onde brotou toda a prosa. “Ceboletes”, afi nal, são os encarregados delas, a protagonista da salada que acompanha a maionese, riso to, frango, feijão cavalo, e o bem conhecido churrasco vindo lá do time do seu Antônio. O termo tem dona: Glause Mayer. Voluntária há 42 anos no Cotolengo – diga-se de passagem que o trabalho voluntário na instituição tem por volta de 48 anos de idade. Em março deste ano, o próprio Pequeno Cotolengo completou meio século de atividades. “Eu vim a uma festa de inauguração da capela, visitei as crianças lá dentro e decidi ajudar”, explica. Os “ceboletes” dividem o espaço com as “batatetes”, cuja no menclatura sugere ser de sua autoria mesmo:

grupo na grande maioria formado por senhoras responsáveis pelo encaminhamento das batatas. Desde então, ela coordenou o churras co em meia dúzia de oportunidades. De risada mais constante que o suor das pálpebras, dona Glause disse que às sextas-feiras os voluntários lavam os talheres, o salão e os demais itens da louça. No sábado, os legumes e verduras são lavados, cortados e postos na câmara fria. Res ta ao domingo o atendimento realizado pelos garçons – voluntários também – para servir os pratos já temperados, à disposição da fome de muitas famílias. “A gente faz aqui o que não faz na casa da gente. Quando termina, volta mos muito cansados, toma um banho e acorda no dia seguinte como se nada tivesse aconteci do”, conta. Logo ao lado de dona Glause, os “ceboletes” demostram sinais de renovação entre os seus quadros. Daiane Santos de Oliveira tem 26 anos. Em sua estreia no manejo das cebolas, as lágrimas do rosto desciam com a mesma velo cidade que ela dispensava as cascas para o cor te. “Fazia mais ou menos uns sete meses que pensava em fazer trabalho voluntário aqui”, destaca. A guinada definitiva veio na mudança de um emprego para outro. Bastou uma se mana de folga para a assistente administrativa emendar a inscrição e a acolhida na instituição. “Sempre ouvi dizer que ser voluntário é algo muito gratificante. É realmente uma emoção tanto física quanto espiritual”, ressalta.

A poucos metros de distância, Rafael Cortese é mais um “cebolete” disposto a herdar a mo tivação dos veteranos. Na vitalidade dos seus 32 anos, esse técnico eletromecânico há pelo menos cinco corre de um ponto ao outro, ora na limpeza, ora quebrando qualquer galho

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É esperada a venda de mais de 3 mil filés na edição de setembro.

que apareça na cozinha, geralmente formada por pessoas de idade bem mais avançada. Ele sempre responde ao chamado para fazer aquela forcinha a mais. “Estou aqui para fazer o bem sem olhar a quem. Vejo nessas crianças uma intenção para melhorar todos nós que estamos ao redor delas”, complementa.

O Pequeno Cotolengo e o voluntariado compartilham de uma relação simbiótica. Eles se fortalecem mutuamente. Marly Tokarski, coordenadora de voluntários da casa, comenta que os churrascos concentram o maior número de voluntários. Só no sábado, cerca de 180 realizam a mágica de tornar realidade almoços que alimentam de duas a três pessoas. O mês movimenta, em média, a

dedicação de 700 deles. No entanto, é possível auxiliar voluntariamente em outros ramos da casa: produção de fraldas, costura, artesanato, bazar ou lavanderia. Ela chama atenção para o alto número de inscritos ajudando, pois se trabalha, acima de tudo, para as crianças e moradores acolhidos pela instituição, indepen dentemente de credo, etnia, posição política

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“A gente faz aqui o que não faz na casa da gente. Quando termina, voltamos muito cansados, toma um banho e acorda no dia seguinte como se nada tivesse acontecido.”
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ou orientação sexual. “Tanta gente fazendo o bem em um local só, trazendo benefícios para os moradores, pois as ações voluntárias atin gem indiretamente todos eles”, assinala Marly Tokarski. “Isso aqui é uma extensão da minha família. Já estou aqui há 35 anos”, completa. No apostolado de São Luís Orione, beatifica do pelo Papa João Paulo II em 2004, nasce a vocação de atender crianças órfãs e abandonadas. A especialidade da instituição reside no tratamento a casos de comprometimento neurológico grave. Em torno de 210 pacientes são moradores fixos. A infraestrutura do Pe queno Cotolengo se espalha em 15 mil metros quadrados de área útil. Anualmente, estima-se a realização de mais de 40 mil atendimentos distribuídos em 13 especialidades. A casa conta ainda com um setor de desenvolvimento insti

tucional que desempenha ações de captação de recursos junto a governos, emendas parlamen tares, doação de pessoas físicas e parcerias via projetos com empresas privadas.

O padre mantenedor da casa, Renaldo Amau ri Lopes, também reforçou a empreitada dos voluntários nos tempos de seminarista. “É fácil ajudar o Pequeno Cotolengo. Você se inscreve, há em seguida uma conversa com a assistente social, que culmina na acolhida que a casa pro move, explicando como tudo funciona”, frisa. Ainda há a chance de se atuar pela aptidão que mais convém aos interessados. Agora a novida de fica por conta do setor de marcenaria e, in clusive, dos lares dos moradores. Existem vagas para anjos da guarda no plantel, mas aliado a um processo de seleção exigente, nem por isso mais ou menos especial que os demais.

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RUA E BAR LAR DOCE LAR

Quando faz calor em Curitiba, a primeira ideia que vem à cabeça é onde tomar uma cerveja ou um drinque gelado. Ganham pontos os endereços que têm áreas ao ar livre - alguns, com o privilégio de serem cercados de árvores e plantas

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Reportagem Aryane Monteiro Fotos Kauany Miguel

Sol, uma roda de amigos e bebidas geladas são, juntos, o melhor convite que os bares de rua têm a oferecer. Em um passeio pela cidade podemos perceber que os estabelecimentos e por vezes, os clientes, avan çam pelas calçadas, “privatizando” o espaço público.

Bares como La Santa Bar Cocina Mexicana, na Rua Paula Gomes, 485, quase esquina com a Trajano Reis, mesmo com o espaço interno pequeno, atrai o público que escolhe ficar na rua.

Leandro de Oliveira, um dos sócios do La San ta, conta que antes colocava mesas e cadeiras para fora do bar, po rém foi proibido pela prefeitura da cidade.

“Já imaginávamos que o bar ia ser pequeno e que a rua acabaria sendo uma extensão. Nós só não podemos colocar mais mesas na rua sem a autorização da prefeitura. Para a rua não precisa, porque ela é pública, e até o próprio cliente sempre pediu essa liberdade de poder utilizá-la.”

O sócio afirma que o bar tentou resolver a situação com a prefeitura, porém sem sucesso. “Nós meio que abandonamos essa parte de poder contar com algum órgão publico. Então, nós fazemos nossa parte: tiramos o lixo da rua, fechamos no horário”, defende Oliveira. Meses depois da inauguração do La Santa, abriu o Chicken House Rock Bar, bem ao lado, com a proposta de servir frango frito. Rogério Penasso Furtado, sócio do Chicken

House afirma que na hora de abrir o estabelecimento também já imaginava que a rua seria utilizada pelos frequentadores, por esta ser uma característica da região.

“Nós nos baseamos muito nos bares que existem, como O Torto e Rockburguer, mas na realidade não é só nosso bar ou o bar do lado, a região toda é assim. O pessoal tem como ideia utilizar a rua mesmo, é um espaço de todo mundo e todos gostam de ficar por ali.” Furtado defende o uso das calçadas e ruas, pois para ele os bares só sobrevivem pela parte externa. “Acho que se meu bar fosse um pouco maior, não daria certo. Tenho exemplos aqui do lado: dentro do bar, está vazio, e lá fora está cheio. A galera gosta mesmo da rua, pode conversar melhor. O nosso público vem aqui pensan do em ficar do lado de fora.”

O proprietário do Chicken House confirma que, para ele, o uso das ruas é uma tendência forte e reflete em lucro para os estabelecimentos. “O movimento dos bares cresceu muito, e nós, proprietários, torcemos para que aumente mais ainda, pois podemos tentar organizar a rua, porque hoje usamos o espaço, mas a estrutura não é boa, a calçada é mal-acabada, não tem iluminação, é necessário banheiro químico. Então, com uma força maior, com mais bares, mais empresários, quanto mais abrir, para os comerciantes em si, é melhor”, diz Furtado.

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“Quanto mais abrir, para os comerciantes em si, é melhor.” Rogério
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Furtado, proprietário do Chicken House Bar

Dentro da lei

A ocupação do espaço pode até ser espontâ nea, mas existem regras a serem seguidas. Sara Polisseno de Oliveira, gerente de fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), explica que é necessário obter uma licença da Prefeitura de Curitiba para o uso do espaço urbano.

A gerente de fiscalização afirma que as mesas e cadeiras podem ser colocadas na calçada, mas têm que atender um padrão que é defini do pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPUC).

Para obter autorização, o estabelecimento terá de encaminhar a solicitação à SMU, acom panhada de projeto com as seguintes infor mações: dimensões da calçada, localização de equipamentos públicos nas proximidades (tele fones, postes), disposição das mesas e cadeiras, e tipo de mobiliário a ser utilizado, conforme a padronização definida pelo IPPUC, que é aquele que já existe na cidade, uma "mureti nha" de metal verde com as mesas compatíveis com o padrão.

A faixa reservada à circulação de pedestre terá de ter no mínimo dois metros de largura e a destinada ao mobiliário, largura máxima de três metros. A área onde ficarão as mesas e cadeiras terá de ser demarcada.

A secretaria vai avaliar as condições para liberar a licença. A permissão tem validade de um ano.

Caso os donos dos estabelecimentos não atentem a essas especificações Policeno afirma que existe a lei 11.095 de 2004 do Código de Obras e Posturas do Município, que prevê uma notificação aos bares que obstruam as calçadas,

O Chichen House bar tem como prato principal o frango frito e cerveja barata.

O Chichen House e La Santa ficam lado a lado, e clien tes na caçada aproveitando o espaço.

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O bar La Santa chama a atenção bela entrada grafitada.
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com qualquer material, se não tiver licenciado conforme o projeto que foi aprovado.

O departamento de fiscalização vai notificar o local para que as mesas sejam retiradas da calçada. Caso não sejam retiradas, existe uma multa, no valor de R$ 687, e se por fim as irregularidades persistirem, o estabelecimento poderá ter o alvará de funcionamento caçado.

“A lei é o Código de Obras de Posturas do Município, não diz especificamente que o bar pode colocar, diz que é proibido obstruir a pas sagem com qualquer tipo de equipamento, seja instalado ou depositado na calçada. Existem alguns decretos que saíram ao longo do tempo, permitindo a regularização desse uso através das licenças específicas, porém esses decretos são de competência do uso do solo”, explica Jussara.

Tem até praça

O bar Choripan, que fica na Rua Tapajós, 30, aproveitou o jardim que havia em frente à casa e o transformou em uma praça para seus clientes.

O dono do bar, Carlos Antonio Fracaro Ro cha, explica que ele entrou com um processo na prefeitura para adoção da praça. O processo é chamado de Parceria Pública-Privada (PPP), contrato de prestação de obras ou serviços não inferior a R$ 20 milhões, com duração mínima de cinco e no máximo 35 anos, firmado entre empresa privada e o governo federal, estadual ou municipal.

“Nós tentamos a PPP porém o processo foi negado, pois a vizinhança não gostou da bem-feitoria, por muita reclamação dos vizinhos a prefeitura não liberou a adoção. Então nós

A rua é minha

Com o crescente movi mento, a rua São Fran cisco no centro da cida de virou pauta pública

A criação recente da Praça de Bolso do Ciclis ta e abertura de vários bares, movimentou a vida noturna da rua São Francisco no centro da cidade, o que incomodou os moradores do único prédio residêncial da re gião, o edifício Schmidlin Tamm. Para o síndico, Luiz Carlos Shiminelo, o maior problema, além do barulho alto que perdu ra pela madrugada, é a quantidade de lixo que fica espalhado na rua pela manhã. “É absurdo a quantidade de garra fas de bebidas, bituca de cigarro, além do cheiro, porque o pessoal usa a rua de banheiro” diz Shi minelo.

Um abaixo assinado foi criado pelos moradores, pedindo aos bares que atualmente fecham as 23h, encerrem suas ati vidades mais cedo, além de mais rondas políciais abordando os “mijões” da rua.

Enquanto o pedido é ava liado, a prefeitura criou a campanha “precisamos falar da São Francisco”, para debater a ocupação conciente dos espaços públicos da cidade.

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estamos cuidando apenas na frente do bar, o que é de responsabilidade de quem mora no local, cuidar do seu espaço.”

Fracaro, conta que apesar do primeiro processo ter sido negado, ele entrou com um novo pedido de adoção da praça e está aguardando o resultado pela prefeitura.

O local é bem arborizado e colorido. Tem mesas e cadeiras feitas artesanalmente, pintadas com diversas cores, além de flores para enfeitar o espaço. O que chama a atenção é a quantida de de lixeiras, que estão por toda parte. “Nós colocamos um monte de lixeiras, nós tentamos manter tudo limpo, temos pessoas que ficam responsáveis pela manutenção da praça. Vai das pessoas terem consciência na hora de vir para a rua”, afirma o dono.

Guilherme Soares foi pela primeira vez a um bar que disponibiliza uma praça e saiu de lá com uma impressão positiva. “Fica mais informal, gostei bastante. ”

Já Heloisa Grein Viera costuma frequentar os bares pelos espaços ao ar livre que eles ofere cem. Ela acredita que o ambiente fica muito mais aconchegante.

Bar Choripan: praça para uso e ocupação pública.

“No caso do Choripan as pessoas chegam aqui, sentam ao ar livre e conversam. O clima de Curitiba que é o problema, mas ultimamente está sendo bom. Eu gosto, mas acredito que deve incomodar os vizinhos deve ter algum barulho, tira um pouco da liberdade."

Realmente, o bar ao ar livre não agrada todo mundo. Os moradores da região se sentem muito incomodados pelo barulho que começa às 14 horas e se estende madrugada a fora. Ana Cristina Ferraz, vizinha do Choripan, conta que o barulho vai até três, quatro horas da manhã.

“Nós já fizemos de tudo, denunciamos, fize mos abaixo-assinado e nada adiantou. Moro aqui há sete anos, o bar está aberto há um ano e meio. A região era muito calma antes da abertura do bar, agora ninguém mais tem sossego.”

Enquanto moradores, frequentadores e os donos não chegam em um acordo, a rua continua livre, o bar aberto e a cerveja gelada.

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Galeria

A Rua São Franciso é um dos principais exemplos de ocupação urbana da cidade. A grande quantidade de bares na região atrai muitas pessoas.

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Calendário em recuperação

Muito foi falado sobre os 73 dias de greve dos professores e funcio nários da rede estadual de ensino do Paraná. Só no primeiro semestre deste ano foram duas paralizações: do dia 9 de feverei ro até 11 de março e de 25 de abril até 9 de junho. Durante o período, muitas tentativas de acordo com o governo foram frustradas, um confronto histórico entre a Polícia Militar e manifestantes aconteceu, salas de aula perma neceram vazias e um milhão de alunos da rede pública foram prejudicados.

Diante das incertezas, alunos e pais se adequa ram como puderam. Cleide Ferreira, ope radora de telemarketing e mãe de Gabrielly Ferreira, de 14 anos, resolveu trocar a filha de colégio. Gabrielly cursava o 9º ano do ensino fundamental na rede pública e, logo que a primeira paralisação teve início, Cleide resol veu a matricular em um colégio particular, apesar de a decisão afetar a condição financeira da família. “Nesse tempo de crise econômica no país não foi uma decisão fácil mudar minha filha de colégio e adquirir mais uma conta fixa. O ensino particular não é barato e, por causa disso, precisei abrir mão de outros gastos e lu xos como alguns passeios e viagem para poder pagar a mensalidade.”

Ciente da gravidade da situação, a mãe diz ser algo válido para o futuro de Gabrielly. “Se ela continuasse no colégio público, certamente iria ser prejudicada pela greve”, afirma. Para Gabrielly, a mudança também não foi fácil, além de passar a frequentar um ambien te novo, com colegas e pessoas diferentes, e ter sua rotina alterada, a estudante precisou enfrentar algo ainda mais difícil para ela: a distância dos amigos com quem convivera

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Após a greve dos professores, pais e alunos buscam alternativas para recuperar o tempo e o conteúdo perdidos Aliny Gohenski Aliny Gohenski

desde os primeiros anos de escola. “No começo foi muito difícil para mim, pois estava acostu mada com minhas amigas por perto, fazíamos trabalhos juntas, minha melhor amiga estuda va na mesma sala que eu.” Agora a estudante já se diz adaptada ao novo colégio e lembra da importância disso. “Sei que estou lá por uma boa causa. Enquanto no colégio que eu estuda va todos estavam em casa, eu continuei tendo aulas, não fiquei atrasada nos estudos e isso vai contribuir muito para meu futuro”, conta. Isabela Leineker, 17 anos, estudante do ter ceiro ano do ensino médio, não teve a mesma oportunidade de Gabrielly, mas mesmo assim não cruzou os braços. A estudante, que diz ter sido muito afetada com a greve, aproveitou o tempo em casa para revisar os conteúdos já passados pelos professores. Após o fim do perí odo de paralização e o retorno às aulas, a aluna destaca o empenho dos docentes para tentar recuperar as aulas perdidas e passar o conteúdo de forma com que os alunos possam aprender mais em menos tempo. Segundo ela, as aulas de sábado estão sendo bastante produtivas e a turma está comparecendo, principalmente por esta rem no último ano.

Para não ficar para trás, todos os dias Isabela e seus colegas se reúnem após a aula para fazer grupos de estudos e compartilhar o aprendizado. Apesar de todo o esforço de profes sores e alunos para colo car o conteúdo em dia, ainda há um grande atraso que pode prejudicar os

pré-vestibulandos. “Mesmo depois de toda essa greve e caos no ensino, os vestibulares das univer sidades públicas não adiaram a data das provas e isso pode nos afetar negativamente”, lamenta a estudante.

Para a professora da rede estadual de ensino Evelize Ferreira a sexta aula prejudica o desempenho dos alunos e sobrecarrega o professor, e as aulas aos sábados atrapalham os alunos em relação às suas atividades complementares. De acordo com a professora, mesmo com todo o esforço, os alu nos do último ano do ensino médio serão preju dicados, pois o vestibular é realizado antes do fim do ano letivo e existem conteúdos que eles só vão aprender após a realização das provas.

Tomada De Consciência

Hermes Leão, presidente da APP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Paraná, defende que embora possa parecer um paradoxo, a ausência dos estudantes nas escolas por razão da pro longada greve, a paralisação também produz uma tomada de consciência quanto à importância da escola para a vida dos jovens e adolescentes. “Contudo, algum prejuízo intelectual e de

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Nesse tempo de crise eco nômica no país não foi uma decisão fácil mudar minha fi lha de colégio e adquirir mais uma conta fixa.” Cleide Ferreira, atendente de tele marketing

aprendizado não pode ser descartado. Entendemos que está havendo um esforço coletivo de garantir os direitos letivos a comunidade estudantil”.

A Secretaria de Estado da Educação (SEED), através dos Núcleos Regionais de Educação (NREs), acompanha o cumprimento dos calendários de reposição de aulas em todo o estado, que devem conter as 800 horas-aula previstas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Como houve casos de escolas que não aderi ram à greve, outras que aderiram parcialmente e outras que participaram totalmente do movi mento, os calendários são diferentes. Segundo a SEED, parte das escolas da rede estadual encerrará o ano letivo de 2015 até dezembro, enquanto outras unidades só terminarão em 2016, nos meses de fevereiro ou março, con forme o caso.

Leão, presi dente da APP

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Entendemos que está havendo um esforço coletivo de garantir os direitos letivos a comuni dade estudantil.” Hermes
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Amanda Penteado

A GREVE

Após 73 dias de greve e várias tentativas de acordo entre a classe e o governo, no dia 9 de junho a greve foi sus pensa e o acordo apre sentado pelo governo, que prevê o pagamento de 3,45% , referente à inflação entre os meses de maio, quando vence a data-base da catego ria, e dezembro de 2014. Em janeiro de 2016 e 2017, os servidores devem receber um novo reajuste, com a infla ção acumulada no ano anterior, mais um ponto percentual. Em maio de 2017, os servidores ainda devem receber um novo aumento, em relação ao primeiro quadrimestre do ano. Já em 2018, a data-base voltará para o mês de maio, quando será paga a inflação acumulada no último período

A preocupação da SEED neste momento é com a qualidade da reposição de aulas, e por isso a secretaria pede a cola boração de alunos, pais e/ou responsáveis, para que entrem em contato com a Ouvidoria (0800419192), (41) 3340-1538 e (41) 3340-1539, (41) 3340-1596, (41), 33401732) caso tenham alguma reclamação ou sugestão a fazer.

estudante Isabela Leineker revisou os conteúdos em casa du rante os dias de greve e aprova as medidas de reposição.

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Guilherme Becker
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A

À SOMBRA DO DÓLAR

Com a desvalorição do real e a alta da moeda norte-americana, é possível visuali zar efeitos distintos na economia brasileira. Enquanto alguns veem uma oportun nidade para lucrar com exportações, outros sofrem com a diminuição das vendas e o aumento dos gastos

Asúbita alta do dólar em 2015 pegou todos de surpresa. Nem mesmo os economistas especializados no assunto conseguiram prever tal elevação. Em julho, a moeda acumulou alta de 10,16% e avança quase 29% no ano, causando diversos tipos de impacto para empresas e consumidores em geral.

Em 2014, o Federal Reserve (FED), o Banco Central dos Estados Unidos, começou a retirar gradualmente o estímulo monetário da eco nomia do país, isto é, implantou um conjunto de medidas que, entre outros efeitos, reduziu a quantidade de moeda em circulação. Dessa forma, o dólar se valorizou, como explica o economista Gastão Balaban.

“A cotação do dólar varia da mesma maneira que o preço de qualquer produto comercializado: seguindo a lei da oferta e da procura. Quando existe dólar demais em circulação, o

valor dele diminui e vice-versa. Esse modelo vale para qualquer mercado internacional e é capaz de influenciar especialmente aqueles que investem ou comercializam em moeda estran geira”, esclarece. Além disso, com a expansão econômica de países como o Japão e a crescente recuperação da Europa, os capitais, que estavam vindo para países emergentes como o Brasil, começaram a ir para essas economias, o que contribui para a desvalorização do real.

Entretanto, Balaban afirma que nem todas as resultantes são negativas. Com o dólar cotado a mais de R$ 3,50, muitos brasileiros optam por utilizar produtos fabricados no Brasil e por viagens nacionais. Dessa forma, é possí vel gerar benefícios para a economia do país. “Para a indústria nacional, pode significar um aumento das exportações, o que ajuda o Brasil a equilibrar a balança comercial”, diz.

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Beatriz Lima com a colaboração de Camila Costa e Lana Gillies
economia 44 Revista CDM Jornalismo PUCPR
Em julho, a moeda acumu lou alta de 10,16% e avança quase 29% no ano.
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Jornalismo PUCPR Revista CDM Foto: Beatriz Lima

Mas, para quem já tinha as datas marcadas para sair do Brasil e o cancelamento da viagem estava fora de cogitação, foi necessário repen sar alguns planos para não acabar saindo no prejuízo. A estudante Carolina Sartorio (foto abaixo) está planejando sua ida aos Estados Unidos desde o início deste ano. A carioca, que passou em um processo seletivo para trabalhar no Walt Disney World Resort, no estado da Flórida, afirma que as preocupações que ela já tinha em relação ao valor do dólar, só aumentam.

Segundo a estudante, ela terá de pagar as passagens aéreas, aluguel e alimentação e, com o salário de U$ 10 por hora, não sobrará quase nada para gastos extras com entretenimento. “Existe um período em que eu posso ficar nos EUA passeando antes de trabalhar, mas eu desisti dessa parte por conta dos gastos”, relata. Carolina conta que já está tomando algumas medidas preventivas para não acabar ficando sem dinheiro durante a viagem. “Eu estou

fazendo alguns trabalhos free lance aqui no Brasil para poder levar dinheiro e, quando eu estiver lá, pretendo fazer o máximo possível de horas extras. Fora isso, só dá para torcer para o dólar abaixar.”

Alexandre Cicconi é diretor da agência de viagens TZ em Curitiba. Apesar de afirmar que o que mais afeta o mercado do turismo é a constante oscilação do valor do dólar e não o seu aumento em si, como costuma se pensar, ele mostra-se preocupado com a diminuição nas vendas de pacotes de viagens. “O mercado se torna difícil com essa oscilação. Os brasilei ros não estão mais viajando para fora, porque as agências de viagem não podem garantir que o preço feito hoje será o mesmo de amanhã”. Cicconi afirma que, como estratégia para não ficarem no prejuízo, as companhias aéreas trabalham com um preço mais acessível de passagens. “Há alguns anos, a passagem aérea era vendida a U$ 900. Hoje, essa passagem custa U$ 320. Então, o valor da tarifa em dó lar diminuiu, embora o câmbio tenha subido. Se fizermos uma análise hoje, a tarifa em reais está saindo igual ou mais barata do que ela saía antes da alta do dólar, porém, os brasileiros

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Setembro 2010 R$ 1,80 Setembro 2011 R$ 1,60 Setembro 2012 R$ 2,06 economia 46 Revista CDM Jornalismo PUCPR
A oscilação do dólar nos

têm o espírito de compra. Isso quer dizer que a tarifa pode estar baixa, mas mesmo assim ainda existe o custo da viagem que envolve a alimentação, os passeios, a compra de roupas, entre outras despesas”, relata o empresário.

O diretor da TZ viagens afirma que a agência não teve tantos prejuízos com o aumento do dólar, contudo houve uma queda considerável de vendas. Aproximadamente 85% do mo vimento da agência eram pacotes de viagem e passagens aéreas internacionais. Após a alta do dólar, cerca de 50% das vendas caíram em comparação a seis meses atrás. É difícil definir o que ocorrerá na economia mundial nos próximos meses, mas Gastão Balaban lista algumas das possíveis consequências caso o dólar permaneça em ascendência. “No Brasil, pode ocorrer a desaceleração da econo mia, aumento da inflação e, em consequência, um possível racionamento de água e energia. Já no exterior, há preocupações com a crise na Grécia e a possível elevação da taxa básica de juros nos EUA, o que geraria uma redução de fluxo de capitais no Brasil.”, finaliza.

E o euro?

Com a desvalorização do real, Mariana Benevi des (foto abaixo), estudante fluminense que está fazendo intercâmbio na Espanha, aumentou suas preocupações com a contenção de gastos. Apesar de utilizar o euro como moeda, a alta do dólar também tem afetado diretamente sua vida no país em que vive.

Antes mesmo de embarcar, Mariana foi acon selhada a trocar o máximo possível de reais por euro, já que uma crise era esperada. Quando chegou à cidade de Vic, no início deste ano, a co tação do euro estava pouco acima de R$ 3. Hoje, apenas alguns meses à frente, o valor da moeda europeia está quatro vezes maior do que o real. “A valorização do dólar e do euro afeta não só meu lazer, mas principalmente coisas como o meu alu guel e o supermercado. Agora fico aqui na torcida para [o euro] não chegar a R$ 5, porque eu não tenho nem passagem de volta comprada ainda”, relata a estudante.

Cautelosa, a brasileira vem juntando um pouco de dinheiro todo mês para se prevenir de outras eventuais desvalorizações do real, o que dificultaria ainda mais o envio de dinheiro por seus pais. Segundo ela, a mesma técnica de economizar previamente foi utilizada para seu mochilão. “Eu já havia juntado grande parte do dinheiro para o meu mochilão quando estava no Brasil, mas se não fosse por isso, acredito que não conseguiria fazer metade da rota de países que percorri”, con fessa a intercambista.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 47 título da seção
Setembro 2013 R$ 2,24 Setembro 2014 R$ 2,25 Setembro 2015 R$ 3,45 economia Jornalismo PUCPR Revista CDM 47 nos últimos 5 anos

A outra face da crise

A empreitada de pessoas que buscam fontes alternativas de sobrevivência em épocas difíceis

Desvalorização da moeda. Redução da atividade no país. Aumento do desemprego. Desaceleração da indústria e do comércio. Diante desse quadro econômico, qual seria a atitude correta para atravessar o período de crise? Inovação. Se gundo dados do IBGE, a taxa de desemprego subiu no segundo trimestre de 2015 atingindo 8,3%. O estado do Paraná alcançou a média de 6,2 %, ficando com a quarta menor taxa de desemprego do país. Na trajetória dos ajustes financeiros, existem pessoas que optaram por investir nos seus talentos que fogem às suas qualificações estampadas em diplomas acadê micos.

É o caso da curitibana Ana Teresa Inoue, formada em Comércio Exterior, pós-graduada em Finanças e mestre em Administração de Empresas. Dividindo-se entre suas ocupações, ela arrumou tempo para dedicar-se à produ ção de sabonetes artesanais. Essa atividade é realizada no período noturno e nos fins de semana, para conciliar os afazeres na firma de sua família e de seu marido. “Minha rotina se baseia em três etapas: no período da manhã, me dedico exclusivamente para o negócio da minha família. À tarde, ajudo meu esposo com a administração de sua loja, e depois tenho maior flexibilidade de horários para a compra de matéria-prima e produção dos sabonetes”, afirmou.

“O cidadão enxerga, no trabalho alternativo, uma saída para a crise. É uma fonte de lucro que pode fazer toda a diferença”, explica o economista Luciano Garcia. E ainda acrescenta que “uma postura de otimis mo é fundamental para superar esse momento”. “Sempre pense nas oportu nidades”, diz. Essa filosofia dialoga di retamente com as ideias de Ana Teresa sobre o melhor caminho para escolher um trabalho alternativo. “Não existe receita de bolo para obter uma renda extra. No meu caso, desenvolvi um produto de qualidade, me arrisquei, mas ao mesmo tempo analisei onde estava pisando.”

48 Revista CDM Jornalismo PUCPR
Fernanda Novaes, Karyna Prado e Luana Kaseker Flor de Tangerina é a aposta de Ana Tereza. Luana Kaseker
economia

Uma aposta é certa: as incertezas perdem espa ço com o controle do orçamento combinado ao planejamento de gastos. Monike dos Santos de Miranda é formada em Gestão de Pro dutos e trabalha em uma grande empresa de Curitiba, porém, mesmo com o emprego fixo, buscou aumentar sua renda como manicure. O tempo de dedicação e o dinheiro sempre à mão fizeram do “trabalho extra” um hobby. “A vantagem é que você está fazendo uma coisa que gosta com comodidade. Atendo minhas clientes em horários reduzidos no meio de semana e, aos sábados e domingos, consigo ter mais tempo. No meio de semana procuro atender por no máximo duas horas e meia, pois preciso descansar também”, declarou. Buscar opções diferentes e adquirir novos co nhecimentos fazem parte dos empregos alter nativos. A professora de ensino infantil Helen Voos começou a ocupar seu tempo livre com a produção de caixinhas de madeira personaliza das. Foi em seu momen to de lazer, vendo televi são, que ela se interessou pelo artesa nato e começou a buscar formas de colocar o que aprendeu em prática. “Cada caixa que produzia ficava cada vez melhor. As técnicas foram mudando e fiquei mais pratica”, contou. Mesmo com todos os benefícios que o trabalho alternativo oferece, como liberdade, renda ex tra, conhecimento e diversão, Helen também afirma que a atividade alternativa ainda não é fonte de lucro totalmente rentável. “Já pensei em deixar o trabalho fixo e ficar apenas com o

artesanato, mas não tenho coragem de executar esse plano, pois ainda não é um ramo muito lucrativo”, disse.

O medo de não conseguir administrar bem atividades paralelas, acaba impedindo muitas pessoas de investir em novos negócios. Para o administrador Ro drigo Alvarenga, manter dois empregos não é uma tarefa fácil. Aqueles que conseguem conciliá-los optam por tarefas que trazem satisfação.

“Não é simples nem fácil administrar duas atividades, principalmente se tratando de tarefas que muitas vezes irão concor rer pelo mesmo tempo e dedica ção. Normalmente atividades extras estão relacionadas a algum hobby. À medida que esse projeto evolui, ele irá consumir mais tempo, dedicação e esforço, portanto dificilmente o mesmo terá sucesso se não estiver alinhado com alguma causa. ”, finalizou. Arriscar e saber conduzir duas ou mais ativi dades abrem novas possibilidades de aprendizado pessoal. Disposição e conhecimento de causa podem colaborar para o sucesso financeiro em um cenário desfavorecido.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 49
Helen buscou no artesanato uma nova renda.
“Sempre pense nas oportunidades.”
economia
Luciano Garcia, economista
KarynaPrado

Os donos da noite

O mercado de música eletrônica, que movimenta mais de R$ 3 bilhões anualmente no Brasil, tem em Curitiba um de seus grandes polos Texto e fotos: Beatriz Peccin e Vitor Cruz Leia esta reportagem ouvindo a playlist dos entrevistados no Spotify!

https://goo.gl/Ulkwjp

economia

Um globo espelhado reflete as luzes neon que acompanham o ritmo da música alta e das batidas da caixa de som no canto da festa. Flashes se confundem com as selfies feitas na pista de dança. É uma noite cheia de mãos e corpos esbarrando-se uns nos outros, até que de repente a pele quente e suada sente o choque do líquido gelado que acaba de ter sido derramado. Para mais de 28 milhões de brasileiros este cenário é sinônimo de diversão.

Foi esse clima que levou o DJ Hermes Pons a se apaixonar pela música eletrônica e que o mantem há 23 anos neste mercado – setor que arrecadou R$ 3 bilhões no ano passado apesar da crise e da diminuição dos patrocínios por conta dos grandes eventos esportivos – “Eu saia religiosamente todo final de semana”, diz Pons.

A descoberta e a afinidade de Hermes pela música eletrônica não são à toa. O sul do Bra sil é o território onde mais predomina o estilo musical dançante. Segundo estudo feito pela conferência de música eletrônica da América Latina, a Rio Music Conference, mais de 30% dos eventos e clubes do estilo estão localiza dos no sul do país, perdendo só para a Região Sudeste, com 41%.

Para João Anzolin, sócio-diretor da Hot Con tent, produtora de conteúdo especializada, o Sul foi muito mais influenciado pela Europa e pela importação da cultura americana nos últimos 50 anos, refletindo isso na cultura jovem. Primeiro o rock, no fim dos anos 70, e a partir dos anos 90, com o “boom” desse estilo. Anzolin acredita que “as pessoas acaba ram abraçando esse gênero como uma cultura própria, especificamente em Curitiba, que

apresenta uma cena muito forte pelo traço da colonização europeia”.

Rio Music Conference

A conferência reúne anualmente profissionais de diversas vertentes para pensar e melhorar a qualidade da música e dos clubs na região. Em sua última edição em Curitiba, em setembro passado, mais de 200 pessoas circularam pelo Portão Cultural pensando e modificando a cena de música eletrônica. De acordo com o anuário do RMC, em média 600 pessoas visi tam os clubes noturnos. O resultado aumenta nos grandes festivais como a Dream Valley, em Penha (SC), que chega a reunir 9.500 pessoas. O sucesso da cena na Região Sul foi influencia do pelos patrocínios de grandes marcas, como a Coca-Cola, que investiu mais de R$ 700 mil em clubes e pequenos festivais – no montante total, os patrocinadores foram responsáveis por 27% do faturamento anual, com mais de R$ 800 milhões em ações e anunciantes nos eventos.

Crise Segundo a última divulgação da Rio Music Conference, o mercado de música eletrônica nacional não cresce mais como antes devido à situação do país. Sandro Horta, sócio-funda dor da DJCom, empresa de agenciamento de DJs, comenta que “a crise logicamente afeta todos os mercados, desde o cara que vende arroz até nós, que vendemos DJs”. Horta ainda vê a música eletrônica crescendo, citando a marca de automóveis Ford, fazendo sua pro paganda de tevê com a música do Snake – DJ francês que fez sucesso recentemente com a música “Turn Down for What”.

economia

Com o receio dos empresários, os mais afetados pela crise são os artistas internacionais, o que pode ser bom para o mercado de DJs e produtores nacionais. Eduardo Phillips, sócio-diretor do clube Green Valley, em Itajaí (SC) – eleito o melhor clube do mundo pela revista DJMag britânica – aponta que “hoje, nós estamos ditando tendência, não estamos mais tão dependentes”.

Cena Local

A cena em Curitiba é controversa. O tradicional clube Liqüe fechou as portas em 2013, depois de mais de oito anos trazendo os maiores nomes do segmento para a cidade. Entre os vários motivos para o fechamento, estão a locação do espaço e renovação de contrato. A casa também já havia mudado a sua playlist antes do fechamento. Nos meses anteriores, a Liqüe tocava diversos gêneros musicais, como sertanejo e funk.

e da segmentação. “Se antes um era preto e outro era branco, com espaço para diferentes gêneros, hoje nós temos um grande cinza.” Igor Mattar, proprietário antiga casa Legends, concorda com Hermes e saiu de cena pela falta de novidade no mercado. “Eu já vi tudo isso há 15 anos de uma forma muito melhor.”

Se para Igor e Hermes, a música de massa prejudica a cena underground, a agente de DJs Juliana Faria acha que há espaço para todo mundo no mercado local. “A cena de Curitiba é bastante atuante porque tem vários DJs que se originaram aqui e tem uma representação nacional grande, como é o caso do Repow (produtor curitibano que caiu no gosto de

O mesmo rádio que despertou o interesse do DJ Hermes Pons pelo house – música eletrô nica de pista – hoje lhe causa certo receio. Para ele, o rádio e a TV são grandes responsáveis por não haver mais a cultura do underground

Fernando Oliveira

Como você quer ter uma experiência incrível em um open bar?!

famosos DJs como Hardwell e Tiesto, além de recentemente ter se apresentado no festival Tomorrowland Brasil).

Assim como observa a agente, o empresáriofundador da escola de DJs AIMEC, llan Kri ger, afirma que ainda vigora a opção pelo estilo

“Trabalhar com diver são, não é se divertir, é trabalhar, mas me divirto sim”, comenta

João Anzolin.

52 Revista CDM Jornalismo PUCPR economia

Hermes Pons não se apre senta mais em clu bes desde junho, após 23 anos de carreira.

underground do público curitibano na música eletrônica, principalmente nos clubes que trabalham exclusivamente com essa vertente, como é o caso do Club Vibe e a Danghai, em Curitiba.

Fernando Oliveira, diretor artístico da casa curitibana Soviet, fala que mais importante do que o conceito musical da casa é a diversão para os frequentadores. “O negócio é colocar o povo pra dançar e se divertir, cada um de nós gosta de uma coisa. A casa tem que tocar tudo.”

Mas Fernando aponta a dificuldade de trazer o público com a prostituição do mercado, dando listas VIP, bebidas de graça e outras regalias que não trazem nenhum retorno monetário para a casa. “Como você quer ter uma estrutura bonita, um bom atendimento e uma experi ência incrível fazendo open bar?!”

Lifestyle

Eduardo Phillips lembra que antigamente o sonho dos adolescentes era ser roqueiro. “Hoje o sonho do jovem é ganhar um CDJ [aparelho de CD que possui recursos próprios para utili zação por DJs] e tocar música eletrônica.” Isso se deve à mudança das tendências, mas princi palmente por ser um trabalho com uma pitada

de glamour como conta Sandro Horta: “Dá para se ganhar muito dinheiro. E não estou falando de nenhum Calvin Harris [DJ com a maior arrecadação segundo a revista Forbes] da vida”. Mas Phillips lembra que estar nesse mercado é estressante e cansativo por ser um contato direto com o público. “Nós vendemos experiência, mas para isso acontecer, tem que gostar muito. Se não gosta, não se mete.”

Histórico

A música eletrônica – diferentemen te de grande parte dos outros esti los musicais – só surgiu graças aos vários aparatos tecnológicos, desde o toca-discos até os sintetizadores, que basicamente produzem ruídos ritmados e manipulados sonoramen te por meio da variação de velocida de ou do sentido de leitura de suas gravações.

O marco inicial para esse estilo musical foi em 1948, com a difusão do Concert de Bruits pela Radiodiffu sion-Télevision Française, influência do francês Pierre Schaeffer, que criou o Musique Concrète, movimento no qual a composição era feita a partir desses ruídos, sem sentido para mui tos da época.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 53
economia

A vitória da superação

Esportes paralímpicos derrubam barreiras que possam impedir alguém de praticá los. Curitiba busca ser uma cidade de referência na área Gabriel Sawaf

esporte 54 Revista CDM Jornalismo PUCPR

Preguiça, frio, chuva, calor demais ou uma dorzinha sentida de última hora na ponta do dedão do pé esquerdo. Tudo isto às vezes se transforma em desculpa para não se praticar alguma atividade. Não para aqueles que buscaram no esporte uma nova vida.

Assim é a realidade de quem pratica esportes paralímpicos. Pessoas que tiveram suas vidas afetadas por alguma lesão ou que nasceram com alguma deficiência encontram no espor te a chance de fazer algo durante suas vidas. Para eles, resultados podem até importar, mas isto não é a prioridade, já que praticar alguma modalidade já é uma vitória.

Essa motivação alcançou todo o território na cional, chegando até Curitiba. A capital paranaense se projeta para ser um grande centro de referência paraolímpico e foi representada por 13 atletas no Parapan. Enquanto a excelência não chega, diversos resultados já foram colhi dos, graças ao amor, dedicação e superação das pessoas que englobam este meio. Algumas

instituições, como a Prefeitura da Cidade, a Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP) e ONGs ajudam a motivar e lapidar atletas.

Tênis em cadeira de rodas

O tênis em cadeira de rodas é praticado desde a década de 70. Sua semelhança com a moda lidade convencional é grande, tendo apenas diferença nos quiques, que podem ser dois ao invés de um, como acontece na modalidade olímpica.

Em Curitiba, existem alguns projetos que trabalham com o esporte. Um deles está na PUCPR. O Centro Desportivo de Deficientes (CEDE) oferece diversas modalidades em con vênio com a faculdade. O tênis é uma delas. “Eu estava no segundo ano da minha faculda de. Surgiu uma oportunidade de trabalhar em uma ONG com pessoas com deficiência. Dessa experiência, surgiu a ideia de trabalhar com o tênis, devido ao fato de eu praticar há muitos anos já. Neste período tenho acompanhado

crédito: Vithor Marques

Tênis em cadeiras de rodas é considera do o mais parecido com o con vencional.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 55 esporte

torneios internacionais, e com isso o pessoal aprende mais”, conta professora Melissa Muel ler, responsável pelas aulas da modalidade no clube.

O esporte ainda não possui atletas profissionais no estado, mas há uma perspectiva para isso. “A gente fundou a Federação Paranaense de Tênis em Cadeiras de Rodas, para que os atle tas possam praticar o esporte aqui no Paraná. No esporte, tem muito ranking internacional, então a gente tem que ir a outros estados com petir”, relatou Melissa.

Um dos praticantes da modalidade na capital paranaense é Rosélio Pereira, que está otimista com o crescimento do esporte. “Conheci o esporte em 2009 por meio de um amigo em Minas. Em Curitiba ainda não havia essa modalidade, então iniciamos em 2011. Des de então, cada vez mais cresce o número de adeptos do tênis em cadeira de rodas e já tem outros municípios incluindo o esporte. Então, a tendência é crescer ainda mais”, relatou.

Rugby em cadeira de rodas

O rugby em cadeira de rodas, ou simplesmente quad rugby, também começou a ser praticado na década de 70 e entrou nos Jogos Paralímpi cos a partir de Sidney 2000. A modalidade não se assemelha tanto com a prática convencional, a não ser nos fortes contatos durante a partida. O esporte é praticado em quadra de basquete,

Linha do Tempo

Disputa pela bola no rugby. Este esporte pode ser misto.

com uma bola semelhante a do vôlei e quadro jogadores para cada lado. Ao contrário da prá tica convencional, os atletas não precisam ficar tocando a bola para trás para avançar ofensi vamente, acontecendo toques e lançamentos normalmente. O objetivo é ultrapassar a linha de fundo adversária com as duas rodas da cadeira, em um espaço entre dois cones. Uma das grandes atrações da modalidade é que ela é mista, ou seja, homens e mulheres competem juntos.

Em Curitiba, o Quad Rugby chegou através do cinema. “Eu conheci o esporte através do documentário americano Murderball, que con ta sobre o início do rugby em cadeira de rodas. Depois disto, fui fazer um curso na Unicamp em 2010 e em 2011 iniciamos o projeto”,

1948

Na Grã Bretanha, era realizado um evento exclusivo para defi cientes físicos.

1960

Os jogos foram au mentando, se interna cionalizaram e saíram da Inglaterra, quando foram disputados em Roma

56 Revista CDM Jornalismo PUCPR
crédito: Gabriel Sawaf
esporte

relata Marcelo Martins, treinador das equipes curitibanas Gladiadores e Titans. Hoje, os trei nos acontecem no Ginásio da Polícia Militar de Curitiba e é desenvolvido pela ONG Saúde Esporte.

Mais do que uma prática de iniciação, o quad rugby hoje em Curitiba é uma referência em questão de rendimento nacional. Dos 12 convocados para a seleção brasileira que ficou em quarto lugar no Parapan, cinco jogam na equipe Gladiadores. Um deles é Anderson Kaiss, conhecido como Tico. “É uma grati dão enorme estar na seleção, nós sabemos que tem muita gente que queria estar onde nós estamos, então para mim isto tem um imenso valor”, relatou. O exemplo de Tico também inspira outros atletas que são colegas de treinos. É o caso de Jeferson Ferreira, que está no esporte há seis meses. “A gente acompanhando os jogos de Toronto foi muito bacana, porque é um privilégio ver seus colegas representando o seu país. E aqui dentro todo mundo é uma equipe, que busca crescer e aprender junto”, disse o atleta, que conheceu o esporte em um jantar no Madalosso.

ço. As regras são as mesmas. E a velocidade dos movimentos dos atletas é algo que impressiona na esgrima com cadeira de rodas.

Esgrima em cadeira de rodas

Um dos mais belos esportes esteticamente está presente nos Jogos Paralímpicos desde o come

1989

União do Comitê Olím pico e o Paralímpico. Assim surgiu o que conhecemos como Paralímpiadas.

“É o intercâmbio: eu ensino esgrima e eles me dão uma lição de vida.

A modalidade é praticada em Curitiba em uma das academias mais conhecidas da região quan to ao esporte, a Mestre Kato, em parceria com a ADFP. Os atletas da esgrima convencional e de cadeira de rodas treinam juntos. Isto amplia a convivência e também traz inspirações. O esgrimista Athos Schwantes, que participou da Olímpiada de Londres em 2012, festeja essa convivência. “É muito importante ter essa con vivência. Eu vejo isso sendo como um passo natural e fundamental, já que somos iguais”, argumentou.

Um dos atletas que estão dentro do projeto é Leandro Camargo, que sofreu um acidente há um ano e quatro meses, colocando-o numa cadeira de rodas, e está na modalidade há seis.

“Eu conheci o esporte pelo meu ex-cunhado, que já praticava e depois me convidou para vir. Gostei e a experiência está sendo muito bacana, ajuda a gente se recuperar da lesão”, argumentou. Camargo tem vários sonhos

1992

Primeiras paralimpí adas disputadas em Barcelona, na Espa nha.

2016

Paralímpiadas do Rio de Janeiro, em que serão disputadas 20 modalidades de es portes paralímpicos.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 57
esporte

dentro da modalidade. “Entrar para a seleção brasileira, disputar as Paralímpiadas, ir para outros países, isto a gente leva como propósito para a vida”, ressaltou.

Coincidentemente, a inspiração para Camar go estava do lado dele. A seleção brasileira de esgrima em cadeira de rodas treinou por uma semana em preparação ao campeonato nacio nal da modalidade e para o Mundial da Hungria. Entre os atletas escolhidos para defender o Brasil está o paranaense Sandro Colaço, que pratica a modalidade desde 2010. “Eu me apaixonei pelo esporte por causa de depender somente de mim, da minha dedicação para alcançar os meus resultados”, realçou. Colaço faz parte da seleção permanente, que é coman dada pelo mestre Cesar Leiria, que já dirigiu a seleção nacional de esgrima convencional e re sumiu em poucas palavras o que acontece nos treinos. “É o intercâmbio: eu ensino esgrima e eles me dão uma lição de vida”.

crédito: Gabriel Sawaf

Curitiba quer ser referência

Com a chegada da Paralímpiada e os resultados alcançados no Para pan, o crescimento e a procura para a prática paradesportiva está sendo otimizada. Para isso, a Prefeitura de Curitiba, dentro da Secretaria Muni cipal de Esporte, Lazer e Juventude possui um setor de atendimento ao paradesporto. Dentro das normas to madas para o incentivo desta prática, está o convívio de pessoas deficien tes em turmas comuns de ginástica, hidromassagem e natação. “A nossa ideia é trabalhar com a iniciação, para depois focar no rendimento”, explica a professora Gisele Youssef, gerente do setor. As atividades são encontradas nos Portais do Futuro do CIC, Bairro Novo e Boqueirão, além de todos os Centros de Esporte e Lazer (CEL).

A Prefeitura de Curitiba está também trabalhando com a questão escolar. Em 2015, os Jogos Escolares Para desportivos foram realizados junto com os Jogos Escolares. Como não há muitos espaços públicos para rendi mentos, atletas especializados são designados em parcerias com ins tituições que promovem atividades, como a ADFP e a CEDE. “Nós temos profissionais de referência por aqui. Os nossos resultados são muito bons se vermos a estrutura que temos.”

Desempenho

brasileiro em competições paralímpicas

1976

Primeira medalha em jogos. Robson Sam paio e Luís Carlos conquistaram a prata na bocha.

1984

O Brasil voltou a ga nhar medalhas, só que desta vez foram 28, sendo sete no lugar mais alto do pódio.

58 Revista CDM Jornalismo PUCPR
Destaques nacionais Ricardinho FUTEBOL DE 5
NATAÇÃO Terezinha Guilhermina ATLETISMO Alan Fonteles ATLETISMO esporte
Na esgrima, as cadeiras são fixadas.
Daniel Dias

Bocha

A grande força curitibana nos esportes para límpicos. O objetivo do jogo é lançar bolas vermelhas e azuis o mais próximo de uma bola branca. Cada esfera mais próxima da “bola alvo” vale uma pontuação. A modalidade está nos Jogos Paralímpicos desde 1984.

Além da estratégia, o esporte, em sua versão adaptada, é encantador, pois reúne pessoas com lesões sérias, não podendo falar em alguns casos, mas que se dedicam e vencem as bar reiras por meio da superação e ajuda de fami liares. O professor responsável pelo projeto, Darlan Ciesielski, explica que para a prática é necessário um acompanhante. “A nossa única exigência para a prática da modalidade aqui é que a pessoa tenha autonomia ou que algum familiar acompanhe-a para pegar as bolas e auxiliar no que for necessário”. É o caso do comerciante Antônio Edson, que há seis anos traz seu filho Valério para treinar . “Antes ele não fazia nada, e hoje é para ajudar a vida dele melhorar, ter mais amizades e convívio social”, explicou.

Ao lado do pessoal que está treinando por hobby, estão os atletas da seleção brasileira, recém-chegados do Parapan, comandados por Ciesielski. Entre os atletas está Richardson dos Santos, que conquistou o ouro na categoria

curitibanos estão se preparando para o Rio 2016.

BC3 em Toronto. O atleta entrou no esporte após sofrer um acidente de trabalho, há dez anos, que o deixou paraplégico. “Eu comecei a praticar por uma questão de ressocialização. Nunca imaginei que iria conseguir fazer algu ma coisa, mas me apresentaram todo o suporte e eu fui me adaptando. Fui treinado e quando vi fui deixando minha vida social de lado para me dedicar só aos treinos”, recordou. Richard son consegue competir por conta de uma calha que o auxilia, e para seu apoio está sua esposa, Adriana Rocha, que é sua atleta-guia. “Quando conhecemos o esporte eu percebi que ele gos tou e fui apoiando e hoje estamos aqui”.

Últimas Paralimpíadas

Jornalismo PUCPR Revista CDM 59 2008 Quebra
2015 Os atletas brasileiros ficaram
1988 1992 1996 2000 2004 2012 16 14 17 4 9 14 27 3 0 4 0 2 6 13 21 6 10 6 22 14 12 7 33 21 14 8 43 109 74 257 74 crédito:
de recorde de medalhas na Paralim píada. Foram 47 me dalhas
em primeiro lugar no quadro de medalhas do Parapan de Toronto.
Gabriel Sawaf
Atletas
esporte

Profissão:

BLOGUEIRO

Com o crescimento da internet, os blogs deixam de ser apenas hobbie e se tornam fonte de renda

60 Revista CDM Jornalismo PUCPR título da seção
comportamento
Daniela Gusso, Dayanne Wozhiak, Luciana Prieto e Marina Creplive

Ainternet dominou o mundo nos últimos anos. Segundo o Ibope de 2015, o Brasil pode ser considerado o 5.º país mais conectado do mundo, com mais de 77 milhões de usuários. Neste cenário, muitas pessoas lançam um novo olhar sobre o assunto, ultrapassando o entretenimento e utilizando rede como ferramenta de profissão ao compar tilhar gostos, dicas e a vida pessoal com um público que parece ser infinito. Foi por volta do ano de 2010 que os blogs se tornaram relevantes, segundo Luísa Barwinski, especialista em Marketing e em Novas Tecno logias em Jornalismo. Segundo ela, as empresas perceberam nessa época que poderiam utilizar essas plataformas como uma forma de divulgar uma marca por meio de word of mouth marke ting (marketing de boca a boca). Isso porque os blogs são importantes formas de conversar com um público-alvo bem delimitado, que pode, inclusive, ser o mesmo ou similar ao da empresa que nele investe.

As três irmãs curitibanas Bárbara, Débora e Júlia Alcântra decidiram criar um blog quan do a internet ainda não era esta febre atual e o assunto era de um gosto comum às três: a moda. Nisso, nasceu o Tudo Orna. “A maio ria das pessoas já comentava nas nossas fotos: ‘Que marca você esta usando?’, ‘Que sapato bonito?’, nas minhas imagens e das minhas irmãs”, lembra Débora, que é a filha do meio entre as três.

Sem pretensão de levar para o lado profissio nal, o blog começou a crescer aos poucos e se tornou um dos pioneiros em falar de moda do Brasil. Foi só quando os convites para partici par de eventos começaram a se intensificar que as irmãs perceberam a oportunidade de um re

torno financeiro, atuando tanto com presenças especiais quanto como fontes para matérias. “A gente demorou muito tempo, muito esforço e muita dedicação para ter um reconhecimento no mercado de moda”, afirma Débora. Atualmente, o Tudo Orna engloba as formações das três e representa 100% da renda financeira das irmãs e sócias: Bárbara é designer de produto, Débora, relações públicas, e Júlia é designer de moda e estudante de Design. Além da plataforma de blog, o Tudo Orna ain da ganhou mais espaço. O trio também criou a grife de bolsas Orna Concept e o aplicativo para edição de fotos profissionais. Fechando a lista, elas ainda são muito procuradas para dar palestras e workshops.

Doce

O primeiro tour gastronômico de doces em Curitiba é fruto da internet. Criadora da no vidade na cidade, Ledinara Batista percebeu a oportunidade ao constatar que os posts em seu blog – o Férias Now! – que davam dicas sobre lugares onde comer doces, atingiam números

Jornalismo PUCPR Revista CDM 61 título da seção
deboralcantara Além do Tudo Orna, a blogueira Débora Alcântara é administradora do Instagram @apartamento.33
comportamento
Luciana Prieto

muito maiores de visualização do que o assun to principal: viagens. Formiga de plantão, a jornalista já conhecia os locais que, mais tarde, fariam parte do tour, o que tornou a tarefa de criar um roteiro algo muito fácil. O Curitidoce surgiu pensa do principalmente para turistas, mas acabou conquistando o coração da cidade, aconte cendo quinzenalmente aos sábados na Praça da Espanha. O objetivo é simples: conhecer lugares e degustar suas delícias, além de ouvir a história do estabelecimento e do carro-chefe da casa diretamente do dono, que faz uma breve apresentação. Atualmente, Ledinara comanda dois roteiros deste gênero – docerias – e um de drinks, que acontecem semanalmente. Além destes, ela ainda traz para o público, mensal mente, um tour especial de Nutella.

Um ano depois da criação do Curitidoce, o projeto compõe cerca de 80% da renda finan ceira da criadora – os 20% vêm de seu trabalho como assessora de imprensa de clientes que a procuraram por sua ligação com o ramo dos doces. Às aspirantes a blogueira, Ledinara

deixa uma dica: “Não tenha pressa, porque se você já começa pensando em dinheiro, a chance de se frustrar é maior. Aí se você começa fazendo só porque gosta. Se não te der dinhei ro, você vai continuar fazendo do mesmo jeito, porque demora mesmo”.

Luisa Accorsi, jornalista e blogueira luisa_accorsi

Sonhos

Amante da escrita, fã de moda e sonhadora incorrigível, Luisa Accorsi decidiu dividir seus sonhos com o mundo. Enquanto cursava Jornalismo, a londrinense, que já tinha passado pelas faculdades de Direito, Administração e Publicidade, percebeu que não tinha muita abertura para falar sobre os temas que mais gostava, como moda, cinema e literatura. Para

62 Revista CDM Jornalismo PUCPR
feriasnow
Prieto
A receita para o sucesso de Ledinara Batista une paciência, dedicação e ao amor pelo trabalho.
Luciana
Encontrei um trabalho que amo, e passei a trabalhar muito.

resolver isso, acabou criando, em maio de 2011, um blog: o Sonhos de Crepom.

Sonhos esses que também falam muito sobre a história da blogueira. Em 1979, Chico Buar que compôs uma canção para sua filha, Luísa, que dizia: “Por ela é que eu faço bonito/ Por ela é que eu faço o palhaço/ Por ela é que saio do tom/ E me esqueço no tempo e no espaço/ Quase levito/Faço sonhos de crepom”. Com uma mãe amante da música brasileira, Luisa Accorsi deve à MPB a escolha de seu nome e de seu blog também. Pois, como cresceu ouvindo essa canção, ela decidiu batizar o blog com parte de seus versos.

O Sonhos de Crepom mudou a vida de Luisa, que encontrou no blog, o seu “lugarzinho no mundo”. Quatro anos após sua criação, a plataforma é hoje “profissão” para a jornalista. “Encontrei um trabalho que amo, e passei a trabalhar muito”, diz. Além do blog, ela ainda conta com um canal no YouTube, uma conta no Instagram, uma página no Facebook e, recentemente, foi convidada para participar do “Caras Blogs”, rede de blogs Revista Caras Com milhares de seguidores, Luisa afirma que quando começou não havia nenhuma pre tensão de fazer do blog seu trabalho. O reco nhecimento começou após um ano da criação do Sonhos de Crepom e, desde então, tem sido fonte de sustento para ela. Que ganha através de publicidades no blog, redes sociais e ao associar seu nome com outras marcas. Segundo a blogueira, a receita de sucesso para o mundo dos blogs envolve: trabalho duro e paciência. “Hoje em dia, é muito difícil come çar um blog, pois já existem muitos... Mas há sempre espaço para novos talentos. Uma dica é

explorar o que você tem de melhor, algo único, para conseguir se diferenciar e se destacar”. Além disso, ela chama a atenção para a neces sidade de saber os limites entre a vida privada e a pública, e afirma que busca ser sempre “um bom exemplo” para suas seguidoras.

Financeiro

Para Luísa Barwinski, ainda é cedo para dizer se os blogs ajudam a movimentar a econo mia do país, embora representem uma frente importante de publicidade para empresas de diversos portes e atuações. “Blogueiros com boa reputação e audiência fiel costumam trazer resultados próximos de dez vezes o valor do investimento na campanha, o que é bastante significativo para os anunciantes que os con

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luisa_accorsi
Com mais de 150 mil seguidores no Instagram, Luisa Accorsi encontrou na internet o trabalho sonhado. comportamento
Divulgação

tratam”, afirma, completando que isso faz com que a relação de confiança entre as partes tenda a durar bastante tempo. Além disso, não adianta inventar números ou mídia kits super elaborados, segundo ela. A empresa anunciante tem como saber do retorno dado pelo blogueiro por meio do fluxo de visitas e dos comentários feitos pelos leitores, tanto no blog quanto nas redes sociais. Para os patrocinadores, o retorno é maior se há boa participação e a influência desse blog for comprovadamente relevante, visto que os blogueiros servem como agentes de word of mouth marketing.

Para quem deseja investir na plataforma, a especialista diz que o retorno demora e que não existem estratégias certeiras para o suces so, muito menos imediato. Cada plataforma tem um público, com o qual é criado um laço, então não é possível delinear fórmulas. Em todo caso, alguns pontos devem ser levados em conta: quem é o público-alvo? Quais os pontos de interesse desse público? Quais as regras desses leitores em relação aos anúncios e posts patrocinados? Qual linguagem é mais adequada para inserir os posts patrocinados? Mas nem tudo está perdido. “Apesar de estar bastante competitivo e com players muito bem definidos e com grande força de atuação, o mercado de blogs sempre terá espaço para quem está disposto a fazer um trabalho in teressante, que converse bem com o público escolhido”, conclui.

64 Revista CDM Jornalismo PUCPR título da
seção
O mercado de blogs sempre terá espaço para quem está disposto a fazer um trabalho interessante. “
“ Blogueiros ao redor do mundo 1º 2º 3º 4º 5º 29,22% 6,75% 4,88% 4,19% 3,93% Homens ou mulheres? comportamento 49,1% 50,9% Usuários por idade 21 a 35 anos Menos de 20 anos 36 a 50 anos 51 anos ou mais
Luísa Barwinski, especialista em Marketing e em Novas Tecnologias em Jornalismo

Puro Osso

Fenômeno curitibano na internet, Maycom Bruno, mais conhecido como Purosso, se inspirou em nomes conhecidos como PC Si queira e Cauê Moura para criar seu vlog. “Eu achava legal você gravar um vídeo dando a tua opinião sobre diversos assuntos... desde os que estão bombando na timeline até os mais pessoais”, afirma o vlogueiro. No começo, os vídeos eram feitos apenas como forma de treino, sem serem postados no Youtube. Após um canal fundado em sociedade e sem sucesso, surgiu, finalmente, o Purosso.

Segundo Maycom, o principal ponto é pegar o timing das notícias lançadas pela mídia, como, por exemplo, o vídeo que ele produziu sobre os comentários que Zeca Carmargo fez após a morte de Cristiano Araújo, que ultrapassou 44 mil visualizações. O lado comercial já era esperado desde o início, mesmo sabendo das dificuldades. “Meus amigos falavam ‘Você vai fazer um canal, já tem 500 mil pessoas fazendo

VLOG?

Com espaço para todos, as redes também abrem portas para quem fala bem em frente às câmeras

canaldopurosso

isso... você vai ser mais um?’.” Com deter minação e esforço, o publicitário conseguiu, em menos tempo do que esperava, chamar a atenção de grandes marcas como Skol e Sony, sendo chamado para fazer presença em eventos.

Com o crescimento do canal, os hábitos tam bém mudaram. “Antes eu era mais boca dura, falava muito palavrão. Eu tive que adaptar o formato para conseguir continuar agradando meu público e conseguir contratos, anúncios e eventos.” Atualmente, o Purosso representa a renda total de Maycom, que teve de deixar a agência em que trabalhava como publicitário para se dedicar mais ao novo empreendimento. E ele não para por aí! Seus planos futuros incluem a criação de uma marca de roupas do canal, além de outros produtos como copos, já lançados com bastante retorno. Outro projeto é o de tornar a mídia em uma produtora, com espaço físico, para produzir o próprio conteú do e também o de outras pessoas.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 65
Maycom Bruno, ou Puro Osso como é conhecido, tornou-se um vlogueiro de sucesso ao fazer vídeos para o Youtube sobre os mais diversos assuntos.
comportamento
Dayanne Wozhiak
66 Revista CDM Jornalismo PUCPR título da seção Considerada por muitos um estilo de viver, a dieta vegetariana estrita conquista seu espaço e atinge um público cada vez maior
veg da vida 66 Revista CDM Jornalismo PUCPR comportamento
Gabriela Fialho, Julia Baggio e Monique Benoski
Lado

‘‘O

veganismo (Alimentação

Vegetariana Estrita) é um estilo de vida que ultrapassa as vertentes de ter uma base de alimentação saudável e foca em extinguir das nossas vidas todas as formas de exploração aos animais.” É assim que Tatiana Velozo, estudante de Admi nistração de Empresas e “vegana para a vida”, como ela mesma se denomina, conta um pou co mais sobre suas escolhas. Vegetariana desde os 8 anos, Tatiana diz que vive muito bem com todas as suas restrições alimentares e jura de pés juntos que mantém sua dieta veggie há 10 anos.

Vinda de uma família de carnívoros fanáticos, que não deixam de fazer um churrasco aos domingos, lutou contra esses valores e hoje sua família abre um espaço na churrasqueira para seu churras quinho veggie. “Os domingos na minha casa ficaram muito mais ‘a minha cara’. A gente consegue agradar todo mundo, minha família, que ama carne mal passada, até pega uns pedacinhos da minha carne vegana”, conta. O assunto que antes era tratado com anor malidade, agora virou tema da área de com portamento. A dieta vegana, por exemplo, atravessa os limites da alimentação e entra no

campo da filosofia de vida. Por motivos éticos, os veganos não consomem ou vestem nada de origem animal em nenhuma área de suas vidas. Alimentação, vestuário ou qualquer outro tipo de atividade que envolva sofrimento animal são excluídos de suas rotinas.

Fabiana Muniz foi a grande responsável por inserir Tatiana no mundo vegano. Hoje, as duas aguentam juntas as piadinhas e implicâncias dos amigos. “Conheci a Tati em um encontro de amigos em comum, acabamos pedindo o mesmo prato, que era o único que seguia a nossa dieta. Na época, ela era apenas vegetariana. Acabei contanto um pouco sobre a filosofia vegana e aos poucos ela foi seguindo

domingos na minha casa ficaram muito mais ‘a minha cara’.”

Tatiana Velozo

a dieta também. Hoje, trocamos várias receitas e pensamos até em abrir um negócio juntas na área.”

Comércio

Curitiba é umas das capitais brasileiras com maior número de veganos. Cada vez mais estabelecimentos oferecem opções de pratos feitos exclusivamente com ingredientes de origem

crédito: Monique Benoski

Hambúr guer de beterraba, pasta de dente vega na e sorve te veggie.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 67 título da seção
“Os
crédito: livro Veggie Burgers Para Todo Mundo
comportamento

vegetal. Pensando na dificuldade que tinham para encontrar esses produtos, Caroline Fer reira e Tatielle Jorge decidiram criar a Veg Veg – Empório Vegetariano. A primeira conta que era muito complicado morar sozinha, trabalhar o dia todo e ainda ter de cozinhar diariamente. “E na rua, o que nos salvava era praticamente só açaí e batata frita”, comenta.

A Veg Veg é um espaço vegano, porém, as empresárias deixam bem claro que a filosofia da loja sempre foi ser um espaço acolhedor e aconchegante para todos os públicos e, princi palmente, um local sem julgamento, no qual um cliente “não vegano” pode entrar, conhecer os produtos, entender o que é o veganismo e se sentir “em casa”.

Uma das referências para a criação do estabelecimento foi o mercado Vegans, na Ale manha, que é segmentado em diversas classes de produtos para veganos, incluindo roupas, calçados, alimentos congelados, vegetais e até uma lanchonete. Pensando nessa diversidade, faz um mês que a Veg Veg trouxe mais uma novidade para Curitiba, a lanchonete Veg, que traz um cardápio selecionado com muito cari nho pelas duas amigas. “Foi um sonho realizado. Agora os nossos clientes podem experimentar os alimentos já preparados”, conta Caroline.

Saúde Qualquer estilo de alimentação que um indivíduo escolha para seguir regularmente traz pontos positivos e negativos. Existem alguns mais saudáveis e outros nem tanto, porém, nenhum tipo de dieta será livre de prejuízos.

Sempre que algum alimento é retirado do cardápio, a falta de nutrientes pode alterar o metabolismo. No caso do veganismo não é diferente. Como são retiradas da rotina as pro teínas completas, como a carne, e a vitamina B12, que vêm do leite e dos ovos, o corpo fica sem receber esses nutrientes por completo.

Segundo a nutricionista e autora do livro A Cozinha Vegetariana de Astrid Pfeiffer, fazer exames laboratoriais são necessários para veri ficar o nível dessa vitamina no organismo. Em seguida, é preciso fazer uma suplementação com um profissional da saúde. Todos os outros nutrientes a alimentação vegetariana estrita consegue suprir.

‘’A retirada da carne, do ovo e dos lácteos pode ser feita sem problema nenhum, porém, é importante reajustar os nutrientes durante o dia para que a alimentação fique equilibrada’’, explica Astrid.

Para a nutricionista Camila Malucelli, é sempre importante pensar na saúde e em uma alimentação completa com os nutrientes que o nosso corpo precisa. Não importa a dieta ou estilo de vida que a pessoa segue. O principal

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Caroline Ferreira e Tatiele
Jorge - Pro prietárias da Veg Veg. comportamento
crédito: Monique Benoski

Paula Abraão: “Escolhi ser vegana após começar a en tender o que acontece com os animais na base de uma cadeia alimentar. Acredito que a vida dos animais tem a mesma importância que a nossa. Mas são questões de escolhas e respeito a elas. ”

Gabriel Borges: “Mesmo Curitiba sendo um polo forte do veganismo, há um tempo era muito complicado encon trar produtos veganos de qualidade. Já passei muito tempo a base de coxinha veggie, mas nunca abri mão da minha escolha. ”

Leonardo Barrozo: “Grande parte das pessoas não en tende o que é o real significado do veganismo. Sempre generalizam ser veggie com ser vegetariano. Pensam que apenas não como carne de origem animal e ponto final, mas não julgo. ”

é sempre ter uma dieta balanceada e diversa. ‘’Podemos fazer isso com acompanhamentos de profissionais da área e sempre pensar que nosso corpo funciona como um aparelho que precisa de diferentes cargas, que vêm a partir da alimentação’’, afirma.

Segundo a posição da American Dietetic Asso ciation (ADA), a alimentação vegana é indicada para qualquer tipo de pessoa. “A alimen tação vegetariana apropriadamente planejada, incluindo dietas veganas, são saudáveis, nutricionalmente adequadas e podem proporcionar benefícios para a saúde, bem como a prevenção e o tratamento de certas doenças. Bem planejada, a alimentação vegetariana é apropriada para indivíduos durante todas as fases do ciclo de vida, incluindo gravidez, lactação, infância, adolescência e também para atletas”, defende a entidade.

Serviços

Para mais informações sobre produ tos orgânicos, em Curitiba existem 14 feiras ao ar livre durante a semana, confira no site da Prefeitura de Curiti ba.

Veg Veg – Empório Vegetariano: Praça General Osório, 333. Galeria Osório –Loja 11 – Centro – Curitiba. Sunny Cakes – Cupcakes Veganos –/sunnycakesvegan Doces e Cores – Confeitaria Vegana –/docesecorescuritiba

Bolo de Café com Bolo – Quitute Vegano /bolodecafecombolo

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comportamento

Tá co sede de quê?

m

seja uma paixão
drinques
coquetéis
Mesmo que a cerveja ainda
nacional, os
e
estão conquistando o público da capital paranaense
gastronomia 70 Revista CDM
PUCPR
Por Lara Pessôa e Manuella Niclewicz
Jornalismo

Do café ao gengibre, da pimenta ao alecrim. São vários os ingredientes que derrubam o conceito de que drinques se resumem a caipirinhas de diferen tes frutas. A lista dos queridinhos do momento é grande e inclui shots moleculares, txupitos e coquetéis especiais alguns até feitos de acordo com o humor do cliente. A linha tênue entre criatividade, inovação e ousadia tem conquis tado cada vez mais os bares e o paladar dos curitibanos.

Segundo Cristiana Brenner, uma das sócias do Officina Restô Bar, a casa - aberta há apenas nove meses - surgiu após uma intensa pesquisa de mercado. “Eu e a minha sócia tínhamos uma reserva para investir em um estabelecimento gastronômico. Após estudos a respeito das tendências do setor, optamos por abrir em Curitiba um local com o modelo da alta coquetelaria”, explica.

Sucesso entre os curitibanos, um dos atrativos do estabelecimento é o bartender, Diego Bas tos, 4º colocado no concurso Diageo World Class Drink 2015, que aconteceu em São Paulo no primeiro semestre.

Com um gosto especial pelas bebidas amargas e o desejo de torná-las mais apreciadas pelos curitibanos, Diego acredita que para adquirir conhecimento sobre a elaboração dos coque téis é preciso degustá-los. “O autocontrole é extremamente importante para um profissio nal da área. Eu gosto de comparar o trabalho do barman com alguém que gosta de ler.

Quanto mais livros você lê, mais conhecimen to será adquirido. Com a coquetelaria é a mesma coisa: quanto mais se experimenta, mais você saberá a respeito das misturas”, comenta.

Além disso, após ter adquirido três anos de

experiência na Europa, dos 18 aos 22, Die go voltou a Curitiba prestando consultoria a vários restaurantes. “Antes de trabalhar no Officina, cheguei a inaugurar cerca de três estabelecimentos em quatro meses.”.

O fenômeno da popularização do setor, cha mado de mixologia na vida noturna, é mun dial e comum em inúmeras cidades internacio nais. Entretanto, aqui no Brasil, o ramo cresce timidamente e Curitiba é umas das cidades expoentes da tendência, ao lado de São Paulo e Belo Horizonte. De acordo com Paulo Jacovos, barman e diretor da Associação Brasileira de Bartenders (ABB), este processo é cíclico e per manece em constante mudança. “Esse cenário muda a cada geração em que se descobrem maneiras diferentes de consumidor e bebidas misturadas com visuais mais atraentes, aromá ticos e saborosos sem perder aquele ‘barato’ que o álcool sem exageros nos dá”, afirma.

O primeiro bar especializado em drinques de Curitiba se localiza bem no centro da cidade. O Tiger Cocktails tem o objetivo deixar o am biente mais descontraído, além de contar com uma carta bastante criativa. O estabelecimento surgiu de uma parceria entre o mixologista Igor Bispo e o chef Marcelo Amaral. O bar, autêntico, com bastante personalidade e iden tidade, apresenta a filosofia de ser descoberto como as casas americanas à época da Lei Seca. “Eu desenhei o Tiger na minha cabeça há mui to tempo atrás e a gente não segue um padrão fixo se comparado a outros estabelecimentos”, afirma um dos sócios e também o bartender do local, Igor Bispo. “Gostamos bastante da coquetelaria contemporânea e, dessa forma, a gente acaba criando muita coisa”, acrescenta. Quanto à disseminação e o aproveitamento de estabelecimentos como o

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gastronomia Jornalismo PUCPR Revista CDM 71
crédito: Fernanda Pompemeyer

Tiger, o 5º colocado do concurso da Diageo World Class Drink revela que a proposta de coquetel bar já existe há tempos na cidade, porém, somente nos últimos anos é que teve uma maior curiosidade do público a respeito do fenômeno. “É engraçado que se formos analisar pela renda per capita, por exemplo, a gente tem muito mais coquetel bar e barten der de qualidade em Curitiba do que em São Paulo. Mas a maior diferença nesses casos está no público e nos seus interesses. Ainda é muito difícil conseguir inovar aqui na cidade”, adverte. Porém, ao contrário do que muitos pensam, o caminho de Igor Bispo para o sucesso não foi fácil de ser trilha do. Trabalhando em bares desde 1998, ele começou no ramo porque precisava de uma renda complemen tar a seu trabalho fixo, na

época em uma empresa de confecções. “Tinha acabado de me formar em análise de dados, mas nunca quis trabalhar com isso. Teve um dia em que um amigo meu comentou que estavam precisando de gente para auxiliar em um bar. Acabei indo, tomei gosto pela coisa e fui progredindo”, lembra. Dedicado em 100% do seu tempo, com vontade de querer ser o melhor em tudo, Igor comenta que seus chefes viram sua dedicação e seu esforço e foram dando oportunidade de criar, de se especializar. Na época (em 2005), o jovem foi para os EUA e ficou durante um ano

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“Se formos analisar, a gente tem muito mais coquetel bar em Curiti ba do que em São Paulo.” - Igor Bispo,
mixologista
Igor Bispo é proprietário do Tiger
gastronomia
Divulgação World Class Drink

treinando e aprendendo novas técnicas. De Curitiba para o mundo O Paraná é fonte de diversos talentos e no mundo da mixologia, a tradição não seria diferente. Os profissionais mais reconhecidos do país conta com muitos paranaenses. Campeão Brasileiro de Coquetelaria, Carlos Rober to Malaquias, por exemplo, já representou o Brasil e o Paraná no Mundial de Las Vegas, em 2004. Além de diretor da ABB, também é um dos melhores bartenders do país: já garantiu seis vezes o campeonato nacional promovido pela associação e participou de diversas competições no exterior. Além do concurso da Diageo, Diego também já esteve entre os dez finalistas do Dons of Tequila, concurso de coquetelaria promovido pela marca mexi cana de tequila José Cuervo. Bispo também é um dos maiores finalistas dos campeonatos de coquetéis. Na lista do mixologista, ainda estão inclusos o campeonato Amarula Cocktail Spirits, Absolut Criative Drinks e Bols Around the World.

Formação em bons drinques

Ser barman não é somente misturar bebidas. O merca do de trabalho e o processo de elaboração de drinques diferenciados, mantendo a sofisticação e o requinte da alta coquetelaria não são propostas fáceis. Ainda que a profissão exija uma carga prática extensa para a cria ção dos copos, o Senac oferece o curso de ”Elaboração de Drinks e Coquetéis” para quem busca um aperfeiço amento neste setor. Voltado não só para bartenders, o curso apresenta um crescente interesse das pessoas pela gastronomia elaborada e até mesmo aquelas que buscam um melhor conhecimento para o dia a dia. O módulo trabalha com três modalidades da coquetelaria – batidos, mexidos e montados – tendo como padrão a Associação Internacional de Bartenders (IBA).

Para o mestre do curso, José Luiz Dominico, a opor tunidade de abordar diversos temas que permeiam e contribuem na formação do barman é inspiradora. “Durante o período, ensinamos desde assuntos básicos como higiene e postura do profissional, até o uso de utensílios e equipamentos, a produção de bebidas e a história da coquetelaria”, defende.

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gastronomia
crédito: Fernanda Pompemeyer

Uma por todas e todos por uma muita experiência, também foi bem compli cado por eu ser mulher. As pessoas já desacreditavam na hora!”. Mas, como tudo na vida, é questão de tempo: a jovem foi ganhando espa ço, respeito e consideração no meio, mostrou a seriedade do seu trabalho e comprovou que a questão de gênero de nada influencia quando a determinação para alcançar o sucesso fala mais alto. “Até porque é da mulher ser muito mais dedicada e detalhista”, explica a jovem. Para os que buscam se aventurar no ramo, ela sugere procurar profissionais de referência no mercado, pois eles sempre têm muita vontade e conteúdo para ensinar. Entretanto, só os ensinamentos não são suficientes. “É preciso também muito treino e dedicação.”

Em 2013, ela abriu mão da faculdade de Di reito para se dedicar a uma paixão: misturar bebidas com qualidade. A curitibana Emilin Lima foi aprendiz de Igor Bispo e hoje trabalha como barmaid no Slainté Irish Pub, além de prestar consultoria a bares e restaurantes com intuito de inovar seus cardápios. No início, Emilin comenta que foi preciso muito estudo, coragem e dedicação para entrar no mercado. “Por mais que eu não tivesse

Com o intuito de dar uma maior visibilidade a esses profissionais, o concurso Diageo World Class Drink também estimula a elaboração de novos preparos de bebida. Os dez melhores bartenders do Brasil foram desafiados em uma competição no mês de junho, em São Paulo.

A proposta do evento é feita com desafios e é por isso que, na opinião do 4º colocado, Diego Bastos, é a melhor competição do mundo. Entretanto, o portão de acesso para o evento é difícil. De acordo com Diego, vários bares de Curitiba já tinham par ticipado mas, desde 2010, não teve nenhuma apro vação paranaense no local. “Na minha cabeça eu não ia passar. A proporção que as coisas tomaram era algo que eu realmente não esperava. Eu queria, e muito, mas não sabia que ia conseguir conquistar tudo em tão pouco tempo”, desabafa. Este era o último campeonato que faltava para Igor

Bispo poder participar e completar a sua coleção de méritos no ramo. “Estava quase me aposentan do de participar de campeonatos, até que surgiu a oportunidade. Eu atuo há 12 anos no mercado e tenho um reconhecimento de área que chega a ser de nível nacional, então já provei para mim mesmo do que eu sou capaz”, comenta Igor.

O ineditismo da edição de 2015 foi a participação de três mulheres, compondo o maior número do núcleo feminino disputando a etapa brasileira até hoje. Os competidores precisaram encarar diversas provas, nas quais não só a simpatia, mas a técnica, a criatividade e a agilidade foram testadas. Além disso, resolveram uma avaliação de conhecimentos gerais sobre técnicas e termos de coquetelaria e ul trapassaram os limites de tempo em um desafio no qual deveriam preparar três rodadas de coquetéis em apenas quatro minutos.

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da seção
World Class Drink
gastronomia
Crédito: Lara Pessôa

O mestre das cartas Com apenas 18 anos, Diego Bastos já estava atrás dos balcões de bares a bordo de cruzeiros e hoje assina a maioria da carta de drinques do Officina Restô Bar ao lado do paulista Marcelo Serrano. Curitibano de coração e paulista de nascença, Diego acredita que a coquetelaria é uma parte desmembrada da alta gastronomia e que nem todo o bartender têm capacidade para criar uma carta completa.

Confira os conselhos de Diego para criar uma boa carta de drinques: Conhecer o seu público-alvo.

Pensar no tipo de bebida que você quer utilizar (linhas premium, nacional, standard).

Sempre priorizar a qualidade da bebida do que a quantidade em si.

coquetéis

BLURRY, por Diego Bastos

Vodka Absolut Berriaçaí, purê de abacaxi e tangerina, infusão de hi bisco, xarope de açúcar e suco de limão siciliano.

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Diego Bastos no último desafio do World Class Drink 2015. Carta de do Officina Restô Bar, assinada por Diego Bastos. Crédito: Manuella Niclewicz Divulgação World Class Drink

Cidades de sucata

Para muitos, o lixo pode ser tanto um meio de sobrevivência quanto matéria-prima para obras de arte

meio ambiente
Daniela Gusso, Dayanne Wozhiak, Luciana Prieto e Marina Creplive Dayanne Wozhiak
G I T A L
CDM DI
REGIÃO
E S P ECIAL
METROPOLITANA

Em 2014, Curitiba recolheu cerca de 29,4 mil toneladas de lixo pela coleta seletiva – sem levar em conta as 511 mil toneladas recolhidas pelo sistema conven cional. Motivo de descarte para alguns, o lixo é sobrevivência para outros. Em tempos de crise, uma alternativa? Em meio a tanto lixo, uma solução?

Dizem os dicionários que reciclagem é o ato ou efeito de se recuperar a parte útil dos de jetos e de reintroduzi-la no ciclo de produção de que eles provêm. Já recuperar tem outro significado: promover a restauração de algo ou reintegrar alguém na sociedade. O que é preciso para que o processo de reciclagem seja totalmente introduzido no Brasil – e no mundo? Segundo Felipe Mazza, mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial, engenheiro ambiental e ex-professor de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, três aspectos têm de ser levados em consideração: conscientização, tecnologia e mercado.

Conscientização talvez seja o mais difícil de todos. Por que é importante? “Torna o trabalho do catador mais fácil, mais seguro, livre de contaminação, com menos vetores de doença”, ressalta Mazza. Mas, como transformar um hábito de anos? O argumento mais válido é dado todos os dias: a reciclagem ajuda o planeta e as pessoas, melhora a vida, só não se convence quem não quer. A tecnologia é necessária para a evolução em um meio competitivo, já que cada vez mais surgem empresas de reciclagem. É a partir da inovação que os resultados melhoram e, consequentemente os produtos produzidos.

Depois desta etapa, é a hora de vender. Para isso, o mercado precisa estar mais aberto, afinal

“de que adianta as pessoas separarem o lixo, a indústria processá-lo, se ninguém comprar o produto reciclável?”, indaga o engenheiro. Os preços mais altos são um fator importante, enquanto um pacote de papel A4 alcalino com 500 folhas custa R$ 15,50, um de papel reci clado com a mesma quantidade e da mesma marca sai, em média, por R$ 19,30. Segundo Mazza, esse aumento é desnecessário. “A questão da reciclagem é passar a aproveitar os descartados para que eles voltem ao mercado

e ajudem a empresa a lucrar. Mas não lucrar por um preço mais alto, e sim por uma despesa mais baixa. Se materiais reciclados são mais baratos, a empresa já está ganhando”, diz.

Há ainda, no entanto, uma luz no fim do túnel: Curitiba é a única cidade na América Latina incluída em um ranking de cidades eco -friendly – ecologicamente corretas –, divulga do em dezembro de 2014 pela rede britânica BBC.

Parte da conquista desse título deve-se principalmente aos catadores de lixo espalhados pela cidade. Peças fundamentais deste processo, muitos deles encontram diversas dificuldades

Jornalismo PUCPR Revista CDM 77 meio ambiente
“De que adianta as pessoas separarem o lixo, a indústria processá-lo, se ninguém comprar o produto reciclável?”
Felipe Mazza, mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial

para realizar seu trabalho. Na região metro politana, a Associação dos Catadores Unidos de Fazenda Rio Grande foi criada há cerca de nove anos, com o objetivo de oferecer melho res condições a esses trabalhadores.

Lá, o lixo chega até eles através dos caminhões de coleta seletiva da cidade e de catadores não associados. Os funcionários apenas separam o material recebido, e além de não precisarem percorrer longos trajetos atrás de materiais nas ruas, eles também contam com uma rotina de trabalho, um espaço próprio para separação, salário proporcional e três refeições ao dia.

Tem gente que joga cocô de cachorro junto. É perigoso porque o catador sai prejudicado, podendo pegar uma doença”, afirma.

“As pessoas melhoraram muito. No começo, vinha muita sujeira e pouco material para reciclar. Aí trabalhávamos 15 dias para receber apenas R$ 50”, afirma Regina de Lima, que está na associação desde que ela foi criada, e também é catadora de rua. Atualmente, a situação é um pouco melhor. Como as pessoas estão separando mais o lixo, e chega mais ma terial no caminhão para ser reciclado e vendi do, os mesmos 15 dias dão o equivalente a R$

Regina de Lima conta que des de que a Associação foi criada, houve muitas mudanças e automatiza ção de pro cessos, como uma prensa para amassar latinhas que antes eram amassados nos pés.

Já para os profissionais que entregam o ma terial – e não fazem parte da associação –, o programa Troca Verde entrega vales, que podem ser trocados por frutas ou verduras em feiras da cidade. O objetivo é evitar a compra de bebidas ou drogas com o dinheiro da coleta. Segundo Renato Jorge de Cristo, presidente da Associação dos Catadores Unidos de Fazen da Rio Grande, um dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais é a mistura de lixo reciclável e orgânico. “Incomoda quem não separa em casa, por conta do orgânico.

320. Mas para receber isso, eles trabalham oito horas por dia, de segunda a sexta-feira, e mais quatro horas no sábado.

Sueli Lopes da Silva, que também faz parte da entidade e é catadora de rua, diz que apesar de vir mais materiais, ainda vêm muitos potes de margarina, por exemplo, sujos, o que os faz perder tempo limpando. Mas, apesar do tra balho árduo, não o troca por nenhum outro. Já foi diarista e trabalhou na indústria, mas a reciclagem a faz mais feliz. “Sinto que estou limpando a cidade.”

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Dayanne Wozhiak
meio ambiente

Ferro velho

Ser o rei da sucata não é coisa de novela. Ali, no município de Fazenda Rio Grande, Marce lo Pszybylski encontra no ferro velho a maté ria-prima para suas esculturas. Ele conta que sempre se interessou por arte, principalmente a que é feita em metal, com a qual teve contato aos 12 anos, após ver um senhor esculpindo no Largo da Ordem. Quanto à sustentabilida de, o artista confessa que só teve consciência dela, efetivamente, ao começar a fazer suas primeiras obras. A primeira peça foi uma guitarra, que ele quis dar de presente ao neto. Pszybylski era sócio em uma oficina de lataria e pintura e começou a usar os materiais que eram jogados fora para fazer essa peça. Ele diz que, a cada objeto que poderia ir para o lixo, ele imagina uma escul tura diferente – o que faz parte do processo de trabalho dele. Ele idealiza as esculturas, sem desenhá-las. Ao ser muito elogiado pelos ami gos, resolveu criar mais obras, participou de algumas exposições, como uma na sede muni cipal do Senai e outra na prefeitura. Pouco a pouco, o artista resolveu que era hora de investir somente nisso. Há mais ou menos um ano, começou a vender suas peças e, hoje, tem um espaço na feira do Largo da Ordem. “Lá na feira eu levo as peças menores, que as pessoas têm mais condições de adquirir. As maiores são mais para exposições mesmo, porque para comprar seriam mais caras. Elas levam mais tempo para serem construídas, e têm de ter giro de mercado”. Ele acredita que com a visibilidade que está tendo no Largo, poderá tornar a arte com materiais reaproveita dos sua fonte de renda.

O ferro que Pszybylski utiliza demoraria mais de cem anos para se decompor e, agora, ganha uma nova vida. “Meu trabalho é só um grão de areia no mar, mas ele faz as pessoas terem consciência de que dá para resgatar o que seria jogado fora e poluiria, ou que dá para doar para alguém que possa reaproveitar. É preciso usar a imaginação e ter força de vontade”, frisa.

Todo material recebido ou encontrado por Marcelo Pszybylski (foto acima) em ferros-velhos é transformado em arte.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 79
Dayanne Wozhiak Dayanne Wozhiak
meio ambiente
Dayanne Wozhiak

Não existe lixo onde existe arte

Foi aos 11, talvez 12 anos, que um garoto de Santos encontrou em uma sacola de brinque dos quebrados sua alma de artista. Toda vez que os patrões de sua mãe – empregada do méstica da casa – davam brinquedos novos às crianças da família, os quebrados viravam lixo. Mas, nas mãos de Rodrigo Marques Gouveia, eles viravam possiblidades. O garoto juntava peças, incrementava com outros objetos e, no fim, tinha modelos próprios, até mesmo mais interessantes dos que ele cobiçava nos comer cias da marca Estrela.

Marques, como prefere ser chamado, foi crescendo e a brincadeira de garoto foi ficando para trás, dando lugar a atividades mais sé rias. Na adolescência, envolveu-se com drogas e somente aos 21 anos é que a sucata virou refúgio, agente transformador da sua história. “Umas das coisas que me tiraram da cocaína foi justamente a minha arte. Ela transfor ma, une pessoas, abre a mente. Ela vicia e dá tanto ou mais prazer do que qualquer droga”, comenta.

O reciclável, o ferro, os materiais dispensáveis se tornaram instrumento. O que começou com quadros e objetos de decoração para o seu próprio quarto, passou a despertar o interes se de mais gente. “Com o passar dos anos, amigos me disseram que eu deveria levar isso mais a sério, daí fui ver o que era essa tal de arte”, lembra.

Na Cidade Industrial, uma garagem rece be a placa com frase “Não existe lixo onde existe arte”, pendurada ao lado do letreiro feito de madeira com letras em negrito es crito “Artemarques”. É ali onde ele expõe e cria seu trabalho. Embora tenha sua obra reconhecida, ainda é pouco para sustentar-se somente com ela. Assim, também trabalha na construção civil.

A arte que Marques achava ser exclusividade de museus, ou uma atividade intelectual, sem pre esteve presente em sua vida, desde os brin quedos quebrados até os quadros e esculturas com sucata que hoje são sua forma de, além de contribuir para o meio ambiente, ajudar no seu sustento.

E é essa arte que ele usa para mudar o mundo ao seu redor. Há dois anos, Marques iniciou um projeto para unir artistas autônomos para coleta de material e criação coletiva. Além dis so, promovia oficinas com crianças e as ensinava a arte da sucata, com o intuito de tirá-las das drogas, da mesma maneira que um dia ele próprio foi tirado. “Estamos na luta para transformar não só o ‘lixo’, mas as pessoas”, afirma.

O projeto foi interrompido, por ter despertado o ódio dos traficantes da região, porém o seu maior desejo é reintegrar as crianças e dar con tinuidade ao projeto, contando com incentivos fiscais e o apoio de gente que acredita nessa transformação.

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Prieto
Luciana
meio ambiente
Daniela Gusso e Dayanne Wozhiak

“Atualmente, estou criando e reciclando mó veis também, a partir do que jogam em terre nos baldios, becos, e matas próximas ao bairro, e estamos planejando um vídeo que mostre a gente no lixão, retirando, depois levando para casa, limpando, e transformando em arte. Nós o colocaremos no Youtube, afim de promover essa ideia, que já existe, é claro, mas queremos fortalecê-la ainda mais”, conta.

Em seus futuros projetos, o que permanece in tacto é a vontade de fazer arte e gerar transformação, seja contribuindo para a preservação do meio ambiente, ou expandindo a ideia de que o lixo não acaba na lixeira, mas pode ganhar vida e ser usado como um contribuinte para um mundo melhor.

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Luciana Prieto Luciana Prieto
meio ambiente
Marques Gouvêa transformou sua infância difícil em um caminho para arte.

Witmarsum hoje e amanhã

Como a tradição influencia na escolha do futuro dos jovens da colônia menonita em Palmeira

sociedade 82 Revista CDM Jornalismo PUCPR
Texto e fotos por Thauane Mayara
sociedade Jornalismo PUCPR Revista CDM 83

Entrar na faculdade, obter uma graduação, conquistar o emprego dos sonhos e ser bem-sucedido é o sonho da maio ria dos jovens brasileiros quando ingressam no ensino médio, ou em alguns casos, este desejo vem desde cedo — do berço de quem aprende com a família a importância de projetar um futuro de sucesso. Para Ricardo Philippsen, de 31 anos, isso não foi diferente. Filho de pais com ascendência alemã, como o próprio sobre nome sugere, Philippsen nasceu e cresceu na pacata Witmarsum, colônia germânica locali zada no município de Palmeira, nos arredores da Grande Curitiba.

Desde pequeno, Philippsen aprendeu com os ensinamentos de seus pais, embasados nos princípios da cultura menonita, a estabelecer um objetivo e focar em seu sonho. Porém, com o passar dos anos, o jovem não conseguia es colher uma carreira para seguir quando adulto; a única certeza que tinha era a de que queria viver e construir uma família dentro de Wit marsum, à qual seu coração sempre pertenceu.

Quando chegou finalmente ao terceiro ano do ensino médio, Philippsen, que durante toda a sua adolescência estudou no único colégio da colônia, a tradicional escola menonita Fritz Kliewer, teve de decidir o que faria dali para frente. Certo dia, durante uma conversa com seus pais, Philippsen decidiu que viria para Curitiba cursar Administração de Empresas em uma faculdade e a partir daí começaria a construir a sua carreira. Dito e feito. O jovem então migrou para a capital paranaense e du rante quatro anos estudou e morou em Curi tiba, até o momento em que as dificuldades começaram a aparecer. Ricardo não se sentia plenamente feliz e

realizado estando na capital e, para piorar a situação, sentia muita falta da família. “Quan do somos adolescentes vivemos uma grande contradição. Assim como os jovens da cidade pensam, os jovens do campo também têm pre ocupações, dúvidas e anseios sobre o que ‘ser quando crescer’. Tentamos nos enquadrar no padrão imposto pela sociedade de conquistar bens e um espaço, porém, quando migramos para as cidades e encontramos dificuldades, acabamos retornando para a nossa realidade”, conta. E foi exatamente isso o que aconteceu com Philippsen – após se formar na faculdade, o jovem decidiu imediamente voltar para Witmarsum, depois de travar uma luta com pro blemas pessoais em que precisou até mesmo de ajuda médica para perceber que voltar para a colônia seria a cura para a crise de estresse pela qual estava passando e que o levou até mesmo ao início de uma depressão por estar longe de sua família.

Porém, Philippsen não é o único jovem que passou por esse momento de dúvida em sua vida. De acordo com o professor Hans Ulrich Kliewer, filho dos fundadores do colégio tradi-

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“Assim como os jovens da cidade pensam, os jovens do campo tam bém têm preocupações, dúvidas e anseios sobre o que ‘ser quando crescer”, Ricardo Philippsen

cional menonita, escolher entre uma carreira com emprego fixo na cidade grande e perma necer na colônia, trabalhando nas cooperativas das famílias foi sempre um dilema presente na vida dos adolescentes e jovens que moram em

acabam voltando para cá depois de um tempo, seja para visitar os parentes ou para ficar de vez de Witmarsum”, relata.

Com um subsídio recebido do consulado alemão, os jovens da colônia Witmarsum

Witmarsum desde muito tempo atrás. Pro fessor de Alemão há mais de 30 anos, Kliewer afirma que os jovens da colônia são muito bem preparados desde cedo para enfrentar as escolhas que terão de fazer no futuro. “Há jovens que optam em permanecer na colônia e seguir o ofício dos pais nas cooperativas e nos negócios de famílias, mas há também aqueles que optam por uma formação superior para enfrentar o mercado de trabalho. Exemplo disso são alguns jovens que deixaram a colônia para trabalhar em grandes empresas alemãs dentro e fora do país, porém, eles sempre

recebem educação e ensino de qualidade desde cedo, mesmo antes de entraram na escola. As crianças descendentes de pais alemães herdam o idioma germânico que os acompanha no dia a dia em conversas que misturam o dialeto local com a língua oficial e um pequeno toque de português para que sempre se lembrem de que estão em solo brasileiro. Segundo Kliewer, os jovens recebem desde cedo uma formação sólida, pois todos são muito aplicados no que fazem — “Os alunos são muito bem-educados, contam com uma formação de qualidade, a maioria toca algum instrumento musical, lê

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Hans Ulrich Kliewer, filho dos fundadores do colégio Fritz Kliewer.
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muito e está muito bem preparada para o mercado de trabalho”, afirma Hans com orgulho. Porém, há sempre o outro lado da moeda. A globalização e a inserção das novas mídias den tro de sala de aula tem sido objeto de discussão entre os professores e coordenadores do colégio Fritz Kliewer. Segundo a professora Annaele Pauls, as novas mídias facilitam a aprendiza gem dos alunos, porém há ainda muitos que, por conta dessa facilidade, permanecem em sua zona de conforto e não conseguem traçar um plano de carreira para as suas vidas. “Hoje em dia, a maioria dos adolescentes não quer nada com nada, não sonham, não lutam para ter um futuro promissor. A preguiça e a falta de interesse pela aprendizagem têm levado

muitos jovens ao fracasso de suas carreiras, seja aqui na colônia ou até mesmo na cidade”, enfatiza.

PARA QUEM DECIDE FICAR

A opção de ficar ou retornar a Witmarsum acaba sendo a escolha da grande maioria dos jovens que nasceram na colônia. Ter o apoio e a presença da família nas decisões mais importantes da vida é uma das motivações dos jovens em querer permanecer em meio aos 2 mil habitantes que moram na região. E essa foi a opção de Philippsen. Quando retornou à sua terra natal, o jovem iniciou um projeto com base no ecoturismo, em que realiza passeios com turistas pela colônia, que inclui desde a visita ao museu até atividades de aventura na

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natureza.

Outro projeto desenvolvido por Philippsen são workshops de agricultura que ministra para crianças e adolescentes vindos de outras cida des. O rapaz procurar viver uma vida saudável e natural, sendo que uma das formas com que faz isso é tentar passar todo o seu conhecimen to para a nova geração – em sua plantação, po de-se encontrar mais de 40 espécies de tomates e outros frutos que são cultivados de forma 100% natural, sem agrotóxicos. A qualidade de vida das pessoas que vivem em Witmarsum também é umas das vantagens apontadas por Ricardo. “As pessoas aqui gos tam de cultivar a amizade uns com os outros. Sempre que é possível fazemos debates sobre os mais variados assuntos, seja na mesa da família ou na reunião do grupo da igreja. Os jovens adoram filosofar e compartilhar ideias e pensamentos. Isso faz o grupo crescer e manter os laços ainda mais fortes”, destaca.

Com os princípios menonitas enraizados no dia a dia dos moradores e vividos à flor da pele, a comunidade de Witmarsum mantém-se unida nos valores de um povo que luta por seus direitos de conquista e que não abre mão de seus ideais há mais de quinhentos anos –um povo guiado pelos ensinamentos da moral e da ética bíblica que pretende continuar trans mitindo sua tradição e suas convicções para as futuras gerações, assim como Philippsen, que redescobriu na vida simples, na riqueza de colher seus alimentos e de conversar com os amigos ao final do dia a felicidade e o verda deiro sentido da vida.

Os menonitas

Descendentes de povos germânicos da região da Prússia, onde atualmente encontra-se o território da Alemanha e da Polônia, os menonitas herdaram traços fortes da cultura alemã que unem a disciplina e a fideli dade aos princípios da ética e da moral cristã.

O teólogo holandês Men non Simons, durante o século XVI foi o grande precursor e difusor dos ensinamentos anabatistas, que alcançaram parte da popu lação germânica que viveu na Idade Média, grupo que mais tarde foi denominado “menonita” como homena gem ao grande mestre.

Por rejeitarem a ordem constituída e o contato com o mundo secularizado, os menonitas, mesmo sendo considerados pacifistas, foram alvo de perseguições por outros povos europeus durante vários séculos, o que os levou a passar anos peregrinando pela América, até estabelecerem moradia fixa em três países prin cipais: Estados Unidos, México e Brasil. Instalados em solo brasi leiro no início da década de 1930, os menonitas migraram para estados do Nordeste (Bahia) e do Sul

(Paraná e Santa Catarina). No Paraná, os imigrantes menonitas fundaram no ano de 1950 a Colônia Witmarsum, localizada no município de Palmeira, na Região Metropolitana de Curitiba.

Em uma comunidade que herdou a pontualidade e a seriedade dos povos germâ nicos, tudo precisa ser mui to bem planejado e feito com responsabilidade e agilidade. Na colônia Witmarsum, composta por cerca de 2 mil habitantes, 60% da população é descendente de alemães, um povo que preza pela organização e plane jamento que, para eles, é essencial para guiar a vida em todas as áreas, desde as atividades que serão decididas pela família durante o café da manhã até a escolha da profissão dos jovens. Na colônia, a comunidade me nonita encontrou na ativi dade agrícola e no trabalho dentro das cooperativas a forma de ganhar o sustento de cada dia, fundamenta dos sempre nos princípios tradicionalistas do cristianismo e da política da boa vizinhança.

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A memória da TERRA

Fósseis de 35 milhões de anos recontam a história perdida da vida na região

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Preguiça gigantesca 88 Revista CDM Jornalismo PUCPR

ILUSTRAÇÕES

Olhe para baixo. O que você vê? De baixo dos seus pés, grama, asfalto, metal… vá mais adiante. Além de tudo isso, o que há? O que o mundo subterrâ neo esconde sob as ruas, calçadas, hospitais e arranha-céus? Pense, olhe, escute: o solo fala. As rochas te chamam. A Terra tem histórias para contar.

Viaje. Pare o relógio, reverta os ponteiros, volte no tempo. Dez anos e verá que pouco mudou. Quinhentos e a cidade sumiu. Dez mil, cem mil, continue:  um milhão e a própria huma nidade desaparece no abismo do passado. Chegamos próximos aos 35 milhões: o período geológico é o Paleogeno, com os mamíferos em plena diversificação após o fim dos dinos sauros. O início remoto da nossa era, a Ceno zóica. O outro mundo que um dia ocupou sua cidade natal.

Olhe ao seu redor: terras baixas, planas e alaga das, marcadas por rios caudalosos, carregados de sedimentos, e pontuada por lagos sazonais, lar de peixes, anfíbios e antigas tartarugas. O clima alterna entre períodos úmidos e outros

Tesourão-grande

mais secos, semi-áridos. A vegetação sustenta as comunidades de herbívoros. Crocodilia nos vagam em terra firme, onde imensas aves carnívoras de até dois metros de altura aterro rizam a fauna local, de pequenos mamíferos de menos de dez centímetros a outros do porte de cavalos, de marsupiais a grandes criaturas encouraçadas semelhantes aos tatus do nosso tempo.

Pois é um cenário similar a esse que nos for necem recentes descobertas científicas, realiza das em um afloramento geológico repleto de fragmentos de fósseis que revelam uma fauna até então desconhecida: trata-se da Formação Guabirotuba, composta por sedimentos que ocupam grande parte de Curitiba e RMC e que parece ter o potencial de elucidar diversas dúvidas sobre a evolução da vida na América do Sul.

Formação Guabirotuba

Luiz Alberto Fernandes, geólogo, e Fernando Sedor, paleontólogo, fazem parte de uma equi pe de pesquisadores (Grupo de Pesquisa

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cendeu o interesse na região. Cerca de seis anos atrás, o primeiro fragmento – mais tarde identificado como o dente de um crocodiliano – foi descoberto acidentalmente por um aluno de Geologia que participava de uma aula de campo no local. Logo surgiram outros mate riais: fragmentos de carapaças de tartarugas, ossos de mamíferos, peixes e aves, e se tornou necessária uma exploração mais detalhada da Formação.

“Para um paleontólogo, mesmo fragmentos muito pequenos são extremamente impor tantes, pois a partir deles conseguimos muitas vezes obter uma identificação razoável a seu respeito”, relata o professor Sedor.

A presença dos fósseis permitiu afunilar a ida de estimada da Formação Guabirotuba. Hoje,

acredita-se que tenha surgido entre 40 e 20 milhões de anos atrás, média estimada em 35 milhões – entre o Eoceno e Oligoceno, últimas épocas geológicas do período Paleogeno. Pode parecer muito distante, mas é praticamente ontem para um paleontólogo.

A fauna perdida

Phorusrhacidae, Meridiungulata, Xenarthra, Sebecosuchia: nomes que poderiam designar seres de outras galáxias se referem, na verdade, aos representantes dessa nova fauna paleógena, descobertos no registro fóssil da Formação Guabirotuba.

Embora os pesquisadores já tenham deter minado os grupos aos quais pertenciam esses animais, é difícil explicar exatamente como

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seriam, pois muitos deles não têm representantes viventes. Os representantes do grupo Metatheria na formação, por exemplo, são parentes dos marsupiais atuais, enquanto para descrever alguns ungulados (animais de casco) com esqueletos incompletos é preciso apelar a analogias: “um pouco parecidos com uma anta misturada com um cavalo, mas que não são parentes das antas, nem dos cavalos”. Apesar dos desafios, os paleontólogos e geó logos atuando em conjunto foram capazes de estabelecer um cenário plausível da vida na região, envolvendo peixes ósseos e anfíbios, tartarugas e crocodilianos, enormes tatus e aves carnívoras gigantes, pequenos marsupiais e mamíferos ungulados de tamanhos variados, e provavelmente muitos outros seres que ainda serão descobertos.

“Por ser uma fauna totalmente nova de um período do qual é incomum encontrar registros no Brasil, a bibliografia ainda é escassa. Para comparar materiais é preciso visitar outras coleções, até mesmo fora do país, e por isso é necessário trabalhar em grupo. Ainda há muito a descobrir”, diz Sedor.

Conservando a história geológica

O geólogo Jean Vargas, sócio da Geodiver sidade Soluções Geológicas Ltda., defende um conceito ainda desconhecido pelo públi co leigo: a geodiversidade, termo análogo à biodiversidade. É formada por rochas, fósseis, processos, tipos de depósitos – enfim, a base para a vida e o desenvolvimento da própria história do planeta.

“É claro que não dá para conservar tudo, mas

podemos estudar, quantificar e estabelecer prioridades. A geoconservação é a gestão do patrimônio geológico. Ações nesta área têm como objetivo mitigar ou anular as ameaças naturais ou antrópicas às quais esse patrimônio

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A paleoarte é um ramo da ilustração científica que Paraphysornis brasiliensis

sociedade”, enfatiza Vargas.

“Conservar não é fechar para ninguém mexer mais, mas gerenciar para que aquilo seja bem utilizado”, complementa Fernandes.

Afetada tanto por fatores antrópicos (expansão urbana, ocupação do terreno, proximidade

que reconstitui cenários de brasiliensis

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a aterros) quanto naturais (erosão), é preciso definir estratégias para mitigar ou neutralizar as ameaças à Formação Guabirotuba, peça -chave para descobrir mais da história da fauna paleógena da América do Sul.

Para Sedor, “é preciso gerenciar muito bem as descobertas. Parte da história da nossa fauna e de outros elementos do planeta surgiram aqui. Conhecemos assim como surgiram esses animais e como se dispersaram. Como rochas dessa idade são incomuns no Brasil, e somente duas outras localidades têm fornecido fósseis, os achados aqui do Paraná são de grande rele vância”.

eras geológicas, Carlisbino prepara os materiais que estuda: anfíbios do período permiano, fos silizados há mais de 250 milhões de anos, muito antes dos dinossauros reinarem no planeta.

Embora ainda mantenha interesse por esses titãs do passado, lamenta que a mídia favoreça sempre os dinossauros sobre todas as outras inúmeras espécies que os paleontólogos estudam, optando pelo sensacionalismo e distorcendo o papel da paleontologia na reconstrução da memória de toda a vida na Terra.

Muito além de Jurassic Park

O que leva alguém a buscar entender a memó ria da Terra? De onde vem o fascínio pelas misteriosas criaturas que nos antecederam, mortas milhões e milhões de anos atrás?

“Quando eu era pequeno, havia aqueles fascí culos ilustrados que vinham com pecinhas pra colecionar e montar esqueletos de dinossauros. Depois veio o Parque dos Dinossauros (Ju rassic Park), e acho que se você perguntar pra qualquer paleontólogo eles vão citar a influência que isso teve”, relata o biólogo Thiago Carlisbino.

O jovem headbanger veste uma camiseta cus tomizada com silhuetas de dinossauros diver sos. Uma tatuagem no braço retrata o crânio fossilizado de um Dilophosaurus wetherilli, dinossauro carnívoro do período jurássico. Nos fundos do Museu de Ciências Naturais da Universidade Federal do Paraná, rodeado de ossos e quadros explicativos com as diversas

O paleontólogo, explica, é um cientista, um estudioso que deve estar sempre consultando as últimas publicações científicas para saber em que locais há chances de encontrar o que busca: sítios geológicos onde há maior probabilidade de encontrar fósseis. Não basta contar com a sorte: é preciso utilizar o vasto conhecimento contido na bibliografia existente a seu favor.

“Existem inúmeros processos de fossilização de restos de organismos, do soterramento ao conge lamento total no permafrost siberiano. Vestígios e traços de atividade de organismos diversos, como rastros e pegadas, são chamados icnofósseis, e também têm muito a nos dizer”, diz Carlisbino. Munido de conhecimentos prévios, o paleontó logo vai a campo e, com o auxílio de martelos e outros instrumentos, busca extrair os fósseis de interesse do local. É um trabalho lento e extrema mente delicado. De volta ao laboratório, a tarefa é ainda mais árdua: o material deve ser preparado para conservação. É necessário remover o sedi mento que encobre o fóssil, ou ao menos retirar o máximo possível, pois a própria rocha pode estar fornecendo suporte para o material, que pode não resistir sem ela.

e expor completamente o fóssil, e então utilizar uma espécie de resina que ajudará a preservá-lo

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para estudo.

É o aspecto morfológico do material fossilífero que permite que o paleontólogo identifique o grupo ao qual o animal um dia pertenceu, comparando seus achados com as espécies já descritas por outros profissionais da área. Com sorte, se for algo realmente novo, desenvolve um estudo e publica em forma de artigo em periódicos de paleontologia, contribuindo assim para o aumento do conhecimento na área. Embora o meio acadêmico absorva a maior parte dos paleontólogos, nem só de pesquisa vivem esses cientistas: há um campo inespera

damente amplo para atuar no setor privado, auxiliando, por exemplo, na prospecção petrolífera e em consultorias. Mesmo assim, Carlisbino enfatiza a importância da pale ontologia como ciência de base, ou “ciência pela ciência” – uma atividade essencialmente intelectual.

“O que interessa é você conhecer aquilo que viveu antes de nós. Com isso, entendendo os padrões dos fenômenos, também pode mos extrapolar para tentar compreender o que pode acontecer no futuro com a gente”, conclui.

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Marsupiais carnivoros disputam a presa com ave gigante. Cenas como esta eram comuns na região cerca de 35 milhões de anos atrás.

O futuro é verde

Como se sustentarão as cidades sem um planejamento urbano estruturado?

O projeto ConBio veio para mostrar que o sonho sustentável é possível

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Para desenhar um futuro próspero, são necessários todos os tons de verde. É imperativo romper com o desenvol vimento urbano acelerado e desnorteado e investir na construção de espaços públicos que visam à melhoria de vida dos cidadãos. Nessa luta, a aposta é na natureza. Cidades ao redor do mundo se mobilizam em torno dessa ideia ecológica para propagar um modelo que não precisará ser reciclado. É o caso do Programa Condomínio da Biodi versidade – ConBio, desenvolvido pela Socie dade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educa ção Ambiental (SPVS), atua desde 2013 no município de Campo Largo com o objetivo de conservar áreas naturais em ambientes urbanos e proteger a vegetação nativa, além de promo ver qualidade de vida dos moradores locais. O programa firmou parceria com a Prefeitura Municipal de Campo Largo e é financiado pela Fun dação Caterpillar, com o apoio da Pan American Development Foundation (PADF).

Conservado, o verde se multiplicou. Em 2011, os encontros de integração resultaram na criação da Associação dos Protetores de Áreas Verdes de Curitiba e Região Metropolitana (APAVE). Em conjunto com a SPVS e outras instituições que prezam pela biodiversidade, a APAVE procura ampliar resultados e influen ciar políticas públicas municipais, estabelecen do avanços importantes para a conservação das áreas naturais urbanas. Além disso, o programa também conta com o apoio da Caterpillar Foundation à SPVS para desenvolver o Con Bio, com o envolvimento da PADF, que tem a função de monitorar os resultados do pro jeto e, juntamente com a SPVS, buscar novos apoios para a ampliação da iniciativa. Depois do crescimento, o programa entrou em fase de propagação. É por isso que incen

A iniciativa do programa resulta em uma onda de consciência ambiental e sustentável.

O fruto não cai longe do pé. Em 2008, a iniciativa, originalmente desenvolvida em Curitiba, realizava visitas conservacionistas a proprietários de imóveis com áreas nativas, levando orientações sobre boas práticas de manejo e conservação de flora e fauna. No total, foram realizadas 900 visitas e inúmeros encontros de integração, explica Betina Ortiz, técnica do programa ConBio, “antes mesmo do programa ser assinado com a prefeitura de Campo Largo, já realizávamos visitas de integração com proprietários de áreas nativas com a intenção de incentivar a conservação da natureza e da biodiversidade”.

tiva e apoia a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal – também conhecidas como RPPNMs. “O ConBio, em 2011, recebeu financiamento da fundação O Boticário de Proteção à Natureza para apoiar os estudos necessários a fim de a propriedade ser transformada em RPPNM. Seis áreas rece beram levantamento florístico e topográfico, sendo que uma delas já foi transformada em reserva” exemplifica Betina.

A semente foi plantada e colhida. Em 2013, o ConBio firmou oficialmente convênio com a prefeitura de Campo Largo e ampliou ainda mais suas atividades no município. Este novo

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passo teve o objetivo não só de orientar, mas contribuir com a conservação de remanescen tes de florestas e campos na região urbana, informando e sensibilizando os moradores quanto à importância da recuperação e da manutenção da biodiversidade local, por meio de cursos de capacitação.

O investimento deu frutos. Em 2014, a ação mais trabalhada em Campo Largo foi a de Educação para a Conservação da Natureza. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, uma formação sobre a Floresta com Araucária foi realizada para os professores da rede municipal de ensino. Avanir Mastey, secretário de Educação da Prefeitura Municipal de Campo Largo, explica que “as professoras foram incentivadas a abordar o tema com os alunos ao longo de todo o ano letivo, além da realização de passeios em áreas públicas e plantios de mudas”.

A professora de Educação Infantil da Escola Municipal Madalena Portella Adriane Ferreira ressalta a importância do curso que, “além de permitir aprofundamento nos conhecimen tos sobre causas e efeitos do desmatamento, possibilitou também aprender como levar o tema da conservação para o dia a dia da sala de aula de forma lúdica, ensinando às crianças a importância da conservação da natureza”.

Durante o ano de 2014, com o apoio da prefeitura, o ConBio realizou um estudo de percepção ambiental com professores e alunos da rede municipal e ofereceu um curso de formação em Educação para Conservação da Natureza a todos os educadores do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental. Como incentivo, 1.200 mudas de espécies nativas foram doadas pela Sociedade Chauá para enriquecimento e

restauração florestal.

A consultora ambiental Ludmila Veado apoia e acredita na importância do programa, que traz para os centros urbanos a natureza, “o que resulta positi vamente na qualidade de vida das pessoas e dos sistemas naturais próximos”, explica. Ludmila sugere, ainda, que “todas as escolas deveriam incentivar o cultivo de hortas, pois isso faz com que as crianças

preciso incentivar a conser

vação da natureza e da biodiversidade.”

Betina Ortiz, técnica do programa ConBio.

aprendam a necessidade de se ter ambientes natu rais equilibrados para uma vida saudável”.

As raízes consolidaram-se e agora se sustentam sozinhas. Em setembro de 2015, a SPVS e o município de Campo Largo promoveram o 1.º Encontro de Proprietários de Áreas Naturais em Campo Largo no Gabinete da prefeitura. No evento, “foram apre sentados os resultados desses dois anos de atuação, trocas de experiências entre os envolvidos por meio de oficinas e conversação e a abordagem de temas e propostas que virão pela frente”, diz Avanir Mastey. Hoje, a iniciativa do programa resulta em uma onda de consciência ambiental que tomou conta de crianças e adultos de todas as idades. “Com as visitas às áreas naturais, as atividades recreativas relacionadas às árvores e a percepção na prática da importância de conservar, os alunos se tornaram disseminadores da questão ambiental, falando sobre isso com pais e conhecidos”, afirma a professora Adriane Ferreira.

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Entenda como funciona

Caterpillar Foundation

A Caterpillar Foundation é o lado filantrópico da Caterpillar Inc., líder mundial na fabricação de equipamentos de construção e mineração. A Fundação Caterpillar, fundada em 1952, tem contribuído com cerca de US$ 500 milhões para ajudar o progresso sustentável no mundo, fornecendo suporte a programas nas áreas de sustentabilidade ambiental, acesso à educação e necessidades humanas básicas.

SPVS

A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), fundada em 1984, em Curitiba, é uma instituição brasileira reco nhecida como uma das organizações não-go vernamentais conservacionistas mais atuantes no Brasil. A característica mais notável das atividades desenvolvidas pela SPVS diz respeito à inovação, como prática para incorporar valor às ações de conservação de natureza.

Palestra ministrada com o intuito de treinar professores para que eles possam implementar as aulas de meio am biente em suas salas de aula.

PADF

A Pan American Development Foundation (Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento - PADF), estabelecida em 1962, é uma instituição norte-a mericana filiada a Organização dos Estados Ameri canos (OEA); criada com o objetivo de implementar programas de desenvolvimento social e econômico, de contenção de desastres e de reconstrução na América Latina e Caribe. Por meio de parcerias com grupos comunitários, empresas, governos, organi zações não governamentais internacionais e locais, entre outros, a PADF cria programas sustentáveis que tenham por objetivo melhorar a qualidade de vida de populações vulneráveis.

Caterpillar Brasil

A Caterpillar Brasil atua há 59 anos com lide rança de mercado em seus segmentos. Com unidades em Piracicaba (SP) e em Campo Largo (PR), a linha nacional de produtos é composta por 40 modelos diferentes de máquinas, en tre escavadeiras hidráulicas, compactadores, carregadeiras de rodas e tratores de esteiras, além de ferramentas e acessórios especiais. A empresa é a 16ª maior exportadora do Brasil, sendo a principal de seu setor. Preza por ações de responsabilidade social e respeito ao meio ambiente e, desde 2004, é classificada como uma das melhores empresas para trabalhar no Brasil e na América Latina pelas pesquisas do Great Place to Work e Guia Você S/A-Exame.

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crédito: Equipe ConBio

Desembarque

Lugar de chegadas, partidas, reencontros. Um intermediário entre um lugar e outro. Para muitos pode se tornar um símbolo de realização de um sonho como o da primeira viagem, finalmente conhecer “aquele” lugar especial, ou simplesmente a sensação de andar de avião. O aeroporto é tudo isso, e pode ser mais.

Texto e Foto: Kauany Miguel

Aeroporto. O lugar de passagem, para alguns é um lugar de permanência. Em um quiosque de esquina, bem em frente ao portão de desembarque, trabalha Gabriela Ruizetescher, uma jovem de 19 anos que, em apenas poucos meses de trabalho, já entende bem do sentimento do “ficar”, e conta em meio a suspiros os vários reencontros que já observou dali do meio das canecas decoradas que vende.

“Pra mim, é especial. Sou de Brasília, e meus pais se separaram quando eu era pequena, então eu vinha a Curitiba para ficar com meu pai, e lembro sempre de descer correndo (do avião) para ver se ele já estava aqui me espe rando. Me remete a esse sentimento de sauda-

de”, conta lembrando com carinho enquanto observa o portão do embarque. Hoje, Gabriela mora na cidade e diz adorar trabalhar no aeroporto. Para ela, o mais inte ressante são os sentimentos e as histórias que passeiam diariamente nos corredores cinzas que a cercam. Assim é também para Rosa Re gina Penhabel, que trabalha em uma farmácia lá do outro lado de Gabriela.

“São 15 anos de aeroporto, adoro trabalhar aqui, conhecemos novas pessoas, vivemos com os passageiros, alguns estressados, outros tran quilos. Tentamos tratar com sorrisos, conversa, ajuda. Alguns passageiros entram chorando e saem sorrindo daqui, porque a gente passa

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um pensamento positivo”, conta relembrando histórias engraçadas que vive, como quando precisa falar com estrangeiros usando o Google tradutor, e explicando que o que realmente importa é o bom humor, um sentimento que, segundo ela, pode mudar tudo.

Em comum entre elas, e com qualquer outra pessoa que trabalhe no Afonso Pena, as pala vras sentimento, histórias, emoção e amor são recorrentes. A relação com o local é bem mais do que só trabalho; é de uma vida, e o signifi cado disso pode ser literalmente exemplificado na pessoa de Edilberto José Gassner. No auge de seus 62 anos, o senhor baixo de sorriso fácil cativa com todo o amor que fala da carreira construída.

seus funcionários, pois o pai de Edilberto era eletricista do distrito de obras do Afonso Pena. Os laços são tão profundos, que ele chegou a lançar um livro intitulado O Aeroporto e Eu, contando suas histórias.

Um exemplo é o encontro com sua mulher, Iva Retkwa, que se aposentou depois de 25 anos trabalhando na companhia aérea Varig. Apesar de não tê-la conhecido lá, o papo com a moça decolou quando descobriram que seus pais trabalhavam no terminal e eram amigos.

Em comum entre qualquer outra pessoa que trabalhe no Afonso Pena, as palavras sentimento, histórias, emo ção

São 41 anos de aeroporto, sempre na manu tenção. O trabalho, segundo ele, é mais importante em qualquer que seja o lugar. Edilberto já passou por todos os setores, do elétrico ao tecnológico, mas decidiu ficar com a prática. O prazer está mesmo nas pistas de decolagem, passear consertando as cercas, e saber que cada canto dos mais de 5 milhões de metros quadrados de área total do aeroporto tem um dedo seu.

Chega a ser difícil para o próprio técnico lembrar dos fatos importantes da sua vida, em que o Afonso Pena não estivesse, mesmo que indiretamente, relacionado. Seu nascimento, por exemplo, aconteceu no sítio aeroportuá rio, que são casas cedidas pelo aeroporto aos

Todas essas lembran ças, mesmo sendo do passado, permane cem no presente, caminhan do pelos mesmos lugares que o pai e o sogro, ou an dando pelas pistas hoje asfaltadas, mas que um dia já foram seu quintal. “Eu sinto como se tivesse crescido junto com a aviação. Vivi toda a transformação da automatização, da tecnolo gia, da construção mesmo de tudo isso aqui”, fala com orgulho, desse que foi seu primeiro e único emprego, já que está aposentado, mas continua trabalhando por opção e amor ao serviço que presta. “Eu me sinto aqui como se estivesse em casa. Acho que é quando eu vou pra casa é que eu trabalho”, brinca. Todos estão na “estação onde os passageiros passam”, como define Edilberto José, mas nenhum tem pressa de partir. Todos têm planos de ficar exatamente onde estão, no meio do caminho.

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e amor são recorrentes.
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Texto: Daniel Malucelli
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Fotos: Gabriel Massaneiro Diagramação: Michel de Alcantara

MALTE, LÚPULO E RMC

Cervejas artesanais ganham popularidade com a abertura de novas pequenas fá bricas na Grande Curitiba

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Uns preferem uma cerveja artesanal de trigo, já outros uma cerveja tipo Ale. Ainda há aqueles que gostam de uma tradicional lager.

A moda das cervejas artesanais pegou. Mas seria essa mais uma modinha gastronômica entre os brasileiros? A resposta é não, e pode ser explicada pelos números.

Primeiro, vamos esclarecer alguns dados. A cerveja é a bebida alcoólica mais consumida no Brasil – o terceiro maior produtor mundial, atrás de China e Estados Unidos. Ao todo, são produzidos cerca de 13,4 bilhões de litros anualmente, entre as grandes, pequenas e microcervejarias brasileiras, segundo dados do Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Fede ral (Sicobe).

O negócio das cervejas artesanais deslan chou na última década. Mas foi nos últimos quatro anos que a bebida chegou definitivamente ao copo dos brasileiros. Segundo a As sociação Brasileiras de Microcervejarias (Abra cerva), o mercado cresce em torno de 30% ao ano, com faturamento anual de R$ 2 bilhões – apenas 2,5% do total. Para se ter uma noção, nos Estados Unidos, esse mercado representa mais de 10% do total, e na Europa, 20%.

É com base nesses dados que a expectativa é de crescimento para os produtores paranaen

ses, e de canecas cheias para os apreciadores. O que os cervejeiros de plantão muitas vezes desconhecem é que boa parte dessas cervejas é produzida mais perto do que se imagina. Estima-se que existam cerca de 300 pequenas cervejarias no Brasil, sem contar os que pro duzem sua própria bebida maltada. Segundo a Associação das Microcervejarias Paranaenses (Procerva), são 45 microcervejarias no Paraná, sendo 20 na Região Metropolitana de Curiti ba. “É um mercado minúsculo, mas que tem crescido 60% ao ano aqui no Paraná”, explicou Murilo Ribeiro, vice-presidente da entidade.

Cerveja Gourmet

As cervejas artesanais têm uma gran de variação no valor, e custam em média três vezes mais do que as industrializadas. Não são apenas essas as diferenças entre as duas.

O sommelier especializado no assunto, Igor Boaventura, explicou que, no caso da bebida produzida pelas pequenas cervejarias, os produtos são mais bem selecionados, além da variedade dos tipos de cerveja, diferentemente das cervejas industriais.

“As cervejarias grandes e consolidadas no mer

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“Para uma cerveja ser boa, ela precisa apenas de água, malte, lúpulo e fermento na quantidade certa de cada ingrediente.” - Igor Boaventura, sommelier
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Klein e Way são duas das microcervejarias de destaque na Reigão Metropolitana de Curitiba

cado brasileiro visam a atingir o maior núme ro de consumidores possíveis. Eles produzem em larga escala e normalmente usam 60% de malte. O resto são outros cereais não maltados, como o milho, o que prejudica muito na qua lidade da cerveja. É uma forma de diminuir o custo de produção, já que esses cereais são bem mais baratos que o malte”, criticou Boaventu ra.

A utilização do milho no lugar do malte é uma prática comum das cervejarias industriais. Um estudo feito pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) analisou as cervejas nacionais mais consumidas e constatou que algumas delas chegam a usar 45% de milho.

“A legislação brasileira permite o uso de outros cereais na cerveja, e esse valor é o máximo permitido. Um desrespeito com o consumidor, tanto por parte da lei quanto das empresas.

Para uma cerveja ser boa, ela precisa apenas de água, malte, lúpulo e fermento na quantidade certa de cada ingrediente. O resto varia do processo de fermentação e dos tipos de malte e lúpulo que o cervejeiro vai usar”, contou o sommelier.

Por essas razões que os consumidores têm preferido pagar um pouco a mais e desfrutar de uma cerveja de qualidade. O estudante de Agronomia Guilherme Silvestre, que mora em Campo Largo, foi mais longe. Gostou tanto de degustar diferentes tipos de cerveja que decidiu produzir a sua própria bebida. “Eu faço 40 litros a cada dois ou três meses. Cada vez uma receita totalmente diferente. Já fiz cerveja do tipo Indian Pale Ale, Brown Ale, de Trigo. Não faço para vender. É para tomar com os amigos e com a família. Meu pai mesmo depois que experimentou nunca mais comprou cerveja no mercado”, contou o jovem em tom bem-humorado.

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Qual é a diferença?

No cardápio são tantas opções de cervejas que muita gente não consegue nem es colher. Então, vamos explicar de maneira simples.

Existem várias maneiras de se classificar uma cerveja. A mais comum delas é pelo tipo de fermentação, que pode ser alta, baixa, ou até mesmo espontânea, mais di fícil de ser encontrada. Vamos dividir entre os dois primeiros casos. Veja as diferenças.

Tipo Ale – cervejas de alta fermentação

Na fermentação alta, a cerveja é conduzi da a temperaturas elevadas, em torno de 18°C. São mais encorpadas, com aromas

frutados e em geral com cores mais escu ras. São Ale as cervejas tipo: Stout, Ame rican Strong Ale, Indian Pale Ale, Irish Red Ale e muitas outras.

Tipo Lager – cervejas de baixa fermentação

Já na baixa fermentação são conduzidas a temperaturas mais baixas, cerca de 12°C. São geralmente mais claras e são a maio ria nos mercados brasileiros. Tem o sabor moderadamente amargo. São Lager as cervejas tipo: Pilsen (ou Pilsener), Bock e Einbeck, entre outras.

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Considerado um dos melhores sistemas de ensino pelas Nações Unidas, a educa ção suíça está presente no Paraná há 35 anos. Contando com duas instituições no país, os colégios baseiam a sua pedagogia no método “Cabeça, coração e mãos”, visando ao desenvolvimento do estudante por meio de atividades práticas e con tato com outras culturas. Oferecendo o aprendizado de vários idiomas e opções extracurriculares, a escola dispõe de uma rígida carga horário para os alunos.

Em uma sala de aula convencional, a professora começa a passar o seu conteúdo no quadro negro, enquanto que o ambiente tomado por estudantes permanece em completo silêncio. De vez em quando, é possível escutar um murmurinho ou outro, ver um bilhete sendo passado de carteira em carteira ou risadas de um grupo de alunos. Até esse momento, tudo ocorre como em qualquer outro espaço escolar de um colégio brasileiro. O diferencial está na forma como tudo acontece: o idioma falado por alunos e pela professo ra não é o português, mas, sim, o alemão. “Quem olha de fora pela primeira vez, acredita que está em qualquer outro lugar que não é o Brasil”, relata Camila Cunha, 17, aluna do ensino médio do Colégio Suíço Brasileiro de Curitiba. A cena descrita acima foi a impres são que a estudante teve em seu primeiro dia de aula. Habituada com a didática e língua utilizada em outras escolas, ela estranhou o

seu começo no novo ambiente estudantil, mas conta que depois do medo inicial, tudo vira rotina. “Quando você entra, já tem vontade de ir embora, fica meio amedrontada, sabe? Mas com o tempo você faz amizades, entende a língua e acaba nem percebendo que está falando alemão ou qualquer outro idioma que não é o português”, comenta.

Seu ensino é tão diferente quanto o nome da instituição. A Schweizerschule Curitiba oferece a educação suíça, considerada uma das me lhores do mundo, para as famílias brasileiras que se interessam em dar esse modo de aprendizado a seus filhos. Tanto a filial paranaense quanto a de São Paulo são reconhecidas pelo governo suíço, e já somam mais de 1.200 alunos.

Fundada em 1980, a sede de Curitiba se encontrava no bairro Água Verde, mas com o seu crescimento foi necessário um espaço maior, que culminou na construção de uma nova sede

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Roberto Rohden

em 1993. Devido ao interesse de várias empresas e da prefeitura de Pinhais, a nova estrutura está localizada no município de Pinhais na região metropolitana.

Ambos os colégios trabalham com parte do currículo europeu além do currículo nacional integral, mas tem sua pedagogia embasada por Henrich Pestalozzi, pedagogo suíço. O foco é utilizar “cabeça, coração e mãos” para o desenvol vimento dos trabalhos com os alunos.

que eu entrei na escola sou incentivada a fazer muitas atividades extracurriculares. Ajuda mui to a conhecer e aceitar todo tipo de gente, e também para praticar de tudo um pouco.”

Trabalhamos para que os educandos cresçam com auto-

A professora do Colé gio Suíço, há 18 anos, Wanda Oliveira explica o que eles pretendem transmitir com esse estilo de ensino. “Traba lhamos para que os educandos cresçam com autonomia, que entendam que somos todos capazes de realizar coisas por nós mesmos; que sejam capazes, também, de ser responsáveis pelos seus atos, que saibam aceitar seus fracas sos e sucessos; valorizamos sua criatividade e os avaliamos de várias formas”, diz. Cunha reafirma o que a docente alega. “Desde

Da educação infantil até o ensino médio, os alunos se acostumam a seguir uma grade escolar mais rígida. “É um colégio muito diferente dos demais. Os alunos do 4.º e 5.º anos têm sua carga horária au mentada para 31 aulas semanais. Já os do 6.º ao 9.º anos fazem 34 aulas e do ensino médio têm um mínimo de 36 aulas semanais”, diz a professora Wanda. Para fugir do habitual ambiente escolar, a direção investiu em excursões para os alunos. Um exemplo foi a visita que os estudantes das duas filiais brasileiras fizeram à cidade de Tiraden tes (MG), onde encontraram Oscar Araripe, escritor e artista, com o intuito de explorar a criatividade e arte nos estudantes.

A didatica do colé gio suíço conta com o acompa nhamento e partici pação dos pais no aprendiza do de seus filhos.

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nomia.”
Schweizerschule COLÉGIOS SUÍÇOS PELO MUNDO (RELAÇÃO 2015) 7 unidades 5 Itália - 2 Espanha 2 unidades 1 Singapura 1 Tailândia 5 unidades 2 Brasil - 1 Chile - 1 Colômbia - 1 Peru 3 unidades 3 México NACIONALIDADE DO CORPO DOCENTE - UNIDADE CURITIBA (RELAÇÃO 2015) 63 professores 15 professores 70% dos formandos de 2014 foram estudar em universidades no exterior NACIONALIDADE DOS ESTUDANTES - UNIDADE CURITIBA (RELAÇÃO 2015) TOTAL: 78 TOTAL: 613 496 Brasileiros 117 Estrangeiros 73 Duplanacionalidade 44 Nacionalidade estrangeira

A visita fez parte da Semana de Enfoque

Curricular conjunta de Artes Visuais, que teve como objetivo uma imersão na cultura local. O próprio escritor conta que sua experiência foi bem explorada pelos visitantes. “Eles fazem um trabalho de interpretação com os alunos e me visitam em Tiradentes, onde bato um papo com perguntas e respostas.”

20 anos. “Tem cinco anos que estou no colégio, eu trabalho na secretaria e sou responsável pelas traduções.”

Outro aspecto interessante que o Colégio Suí ço trabalha é o contato com pessoas diferentes, muitas delas estrangeiras. Segundo a institui ção, cerca de 30% dos estudantes são de outro país, o que reflete no conhecimento e respeito por parte dos alunos por culturas e costumes diferentes. “Damos ênfase aos valores de cida dania e aplicamos várias metodologias vindas da Suíça que visam à qualidade de ensino”, diz a docente.

Não são apenas os estudantes que vieram de fora do Brasil. Alguns funcionários também foram selecionados para ajudar na manutenção do colégio e em outras funções, como a de tradutores dos conteúdos. Esse é o caso da alemã Hildegard Kortefaciom, que já está no país faz

Dupla oportunidade

Ao longo dos seus anos na escola, Camila Cunha tem colegas de vários continentes, seja dentro da sala de aula ou pelos corredores. “Quase todo dia tem uma pessoa nova que você conhece. Temos histórias novas para ouvir e é bem normal você escutar alguém falando em qualquer outra língua que não é o por tuguês. Em casa é que é estranho, porque só falo em português, e por vezes, meus pais me pegam falando em alemão ou inglês.”

A compreensão das matérias não é afetada, já que a maioria das aulas ainda é lecionada em português, mas uma segunda língua é ensi nada desde o maternal e a pré-escola. Com o passar dos anos, os estudantes vão tendo mais contato com o alemão, e algumas disciplinas ministradas nesse idioma. “O currículo do colégio inclui a língua alemã, obrigatória até o 9.º ano do ensino fundamental. Já a partir do 4.º ano, as crianças podem cursar também Inglês e Francês (extracurriculares), pois temos um centro de línguas cujos professores são os mesmos que atuam na escola”, explica Wanda Oliveira.

O Colégio Suiço é classificado como internacional por oferecer o programa de Bacharelado Internacional (IB). Por essa condição, a escola oferece a dupla diplomação, “o Bacharelado Internacional é um programa de dois anos para os alunos do ensino médio, chama-se Full Diplom e é oferecido ao aluno dando-o direito a cursar universidades no exterior. É um programa bastante exi gente”, explica a professora Wanda Oliveira. O corpo docente respeita as mesmas necessidades da grade curricular com um grupo de professores brasileiros que ministram disciplinas particulares a História, Geografia, Política e Língua Portuguesa e um corpo docente de origem suíça, alemã e austrí aca para as mesmas disciplinas em alemão, atendendo às ne cessidades do programa internacional de ensino.

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Internacional

Ensino à distância

Movidos pelo sonho da graduação, jovens enfrentam longas jornadas diárias

Oque estudantes da Região Metropo litana de Curitiba têm em comum?

A reportagem da revista CDM levantou quatro histórias diferentes, em quatro municípios. Todos os protagonistas compartilham uma experiência: em uma rotina agitada e incerta, eles passam horas em estradas para conseguir cursar o ensino superior.

São apenas 5h30 e o estudante de Jornalis mo Gabriel Callegari é acordado pelo som do despertador. Com tudo que precisará no dia arrumado na noite anterior, ele tem dez minutos para acordar e estar pronto antes que Paulo, motorista da van, o busque na porta de sua casa. Todos os dias, o trajeto é longo. Acompanhados do nascer do sol, ele e mais três estudantes deixam o município de Mor retes e enfrentam cerca de 70 quilômetros de estrada até a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em um percurso que chega a durar mais de uma hora. Em meio ao cansaço diário e a distância, o estudante conta que seu sonho sempre foi o

de entrar no curso e quando conseguiu uma bolsa do Programa Universidade para Todos (PROUNI), não pensou duas vezes.

“Lá em Morretes não tem nenhuma faculdade. Tudo lá é voltado mais para a agricultura e ao turismo. Não tinha nada que me interessasse na cidade. Quem cresce lá, tem três opções: ou você vem para Curitiba, vai para Paranaguá ou trabalha na roça. Como eu não queria isso, optei por vir todos os dias para estudar Jornalismo.”

Logo, Gabriel colocou na ponta do lápis os cálculos do custo de vida em Curitiba. Só em transporte, ele gasta R$ 600 por mês, o que o fez continuar em sua cidade, por pensar em questões de moradia e alimentação. A maior queixa em relação à rotina é o cansaço, o que baixa seu rendimento e o força a chegar em casa e dormir para recarregar as energias. A cada quilômetro deixado para trás em direção à capital, os estudantes podem encon trar uma aventura. Gabriel conta, com certa euforia, sobre o dia quando a dianteira da van

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Alana Dombrowski, Bruna Oliveira e Daniele Alcoléa

em que estava começou a pegar fogo próximo ao pedágio, e ele com os demais passageiros tiveram de descer para aguardar a esposa do motorista que veio ao socorro deles. Ela os trouxe para Curitiba, mas tarde demais, já era perto do meio-dia e a aula estava perdida. Assim como Gabriel, a estudante Julia Favaro Linhares decidiu enfrentar a rotina de estudar

Hoje, o fone de ouvido é o modo mais recorrente de se estar sozinho em meio à multidão.

Com o estudante de Engenharia Mecânica da FAE Centro Universitário Luiz Gustavo Razo to Taborda a rotina agitada se repete. Diaria mente, ele sai de sua casa em Bocaíuva do Sul, percorrendo 35 km até o Centro de Curitiba. Ao contrário dos outros, o estudante alterna o

A cada quilômetro deixado para trás em direção à capital, os es tudantes podem encontrar uma aventura.

longe de casa. Há cinco anos, Julia percorre uma hora e meia, saindo do município da Lapa até a universidade. Além da distância, ela trabalha o dia inteiro da sua cidade e sai às 16h30 direto para o micro-ônibus. Julia já se acostumou com a viagem. No des locamento, além das horas gastas, se vão todo mês R$ 360. Como não consegue estudar no percurso, pois lhe causa enjoo, ela aproveita para descansar e observar o caminho. Seus pais pedem que a estudante sempre os avise quando chega e sai da universidade. No micro-ônibus em que Julia vem à aula, a acompanham mais de 30 pessoas, entre eles estão amigos, casais de namorados e ex-casais, que talvez neste longo trajeto aproveitem a correria do dia a dia para ficarem juntos e ma tar a saudade, reafirmar promessas, enquanto outros, que no passado eram apaixonados, mas hoje se ignoram. Há, também, quem cochile ou finja estar dormindo, evitando o contato.

transporte entre ônibus de linha e moto e leva cerca de uma hora e 30 minutos. No caminho, o trânsito é intenso, pelo grande movimento de caminhões na estrada. O cansaço e a neces sidade de trabalhar no dia seguinte, também são reflexos de sua jornada.

Alana Dombrowski Gabriel Callegari enfrenta o cansaço da jorna da diária para cursar Jornalismo que é seu sonho.

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“O pior é quando estou voltando, pois chego 00h10 em casa. Isso atrapalha, pois no outro dia tenho que trabalhar cedo e, sendo assim, o desempenho cai um pouco. Quando estou no ônibus geralmente eu fico escutando música para descontrair.”

Cinquenta quilômetros de distância e aproximadamente duas horas e meia, de van, com põem os dias de Jéssica Muchinski, estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo. Jéssica, mora em Campina Grande do Sul e a correria já começa cedo, pois ela acorda às 4h50 da manhã e dorme muito tarde devido aos trabalhos da faculdade, o que reflete de forma radical na sua vida.

“Chegar atrasada por causa do trânsito ou por problemas na van é bem comum. Perco pelo menos quatro horas do meu dia, que eu poderia usar para estudar. A distância acaba atrapalhando o sono também. Quando temos trabalhos ou provas costumamos estudar até tarde. Como acordo às 4h50 para conseguir pegar a van e chegar a tempo na faculdade, chego a dormir apenas duas ou três horas algumas noites. O que atrapalha meu humor, concentração e por consequência as notas e/ou compreensão do conteúdo”.

No caminho, a estudante prefere ler e botar o papo em dia com os colegas.

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Nas salas de aula

Os longos trajetos, o esforço e a divisão do tempo entre trabalho e estudos acabam se refletindo no desempenho em sala de aula. A pedagoga e mestre em Educação pela PUCPR Daniele Saheb reconhece os sinais da rotina destes estudantes, no entanto, avalia que tudo depende da organização do aluno.

“São alunos que normalmente têm um des gaste físico e mental bem grande. Não são só os que moram longe, mas todos que têm uma rotina pesada. Ao mesmo tempo, também, conta muito o aproveitamento desse aluno quando ele está em sala. O que relatam é que quando estão na van, estão lendo e estudando e muitas vezes aproveitam mais o tempo de deslocamento do que outros que têm uma rotina tranquila. A questão é o aproveitamento do tempo. Cada um acaba encontrando um mecanismo para ajudar na sua rotina.”

Estes estudantes representam novos grupos sociais e novas vozes na cidade, influencian do toda a estrutura urbana, impactando no transporte e planejamento urbano. “A organi zação política da cidade é afetada. Esses jovens consomem alimentos, transporte, e demandam outras necessidades sociais, causando grande impacto estrutural. O deslocamento é resul tado de uma maior inclusão no ensino, com novas camadas sociais obtendo o acesso demo crático a educação. Muitas vezes pertencem à primeira geração da família que cursa o ensino superior”, analisa o sociólogo e professor da Universidade Federal do Paraná Ricardo Costa de Oliveira.

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Gabriel registra o amanhecer saindo de Morretes. Gabriel Callegari Julia Linhares O olhar da estudante Julia sobre seu transporte diário. Luiz Gustavo faz uma parada em seu percurso de moto para captar o momento.
educação
Luiz Gustavo Taborda

Tradição familiar

O Caminho do Vinho pode ser uma opção de passeio e histórias em São josé dos Pinhais

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Desliguem os celulares e preparem os ouvidos para boas histórias. A frase é quase o dito tradicional do Caminho do Vinho, roteiro de turismo rural localizado a poucos quilômetros de Curitiba. Bastante rico em tradições italianas e polo nesas, além de costumes e lembranças de um passado importante – mas quase esquecido – para os europeus, o Caminho do Vinho faz parte da Colônia Mergulhão, em São José dos Pinhais, e é uma excelente opção para quem deseja sair da correria da cidade para apren der um pouco mais a respeito da vinicultura, histórias e práticas daquelas terras. Com vielas de paralelepípedo, casas antigas e mais de 40 empreendimentos, o Caminho do Vinho já é considerado uma referência nacional na produção de vinhos artesanais e busca resgatar a cultura e as tradições desse povo. Entretanto, o local só começou a se tornar realidade no fim da década de 90, porque, até então, boa parte dos moradores fabricava o vinho para consu mo próprio e vendia apenas pequena parte da produção nas portas de suas casas.

Lá, é possível desfrutar do momento fugere ur ben (fuga da cidade) e entrar em contato com a natureza, perceber a calmaria da vida, promo ver o desapego das tecnologias, conhecer a vida das famílias das vinícolas, aproveitar os cafés coloniais e, é claro, degustar os tradicionais rótulos produzidos na região.

Um ponto de parada que deve constar na lista desse roteiro é conhecer um pouco da família Perbiche, residente no Brasil há mais de cem anos. Na propriedade, há a possibilidade de usufruir de experiências históricas e gastronô micas que vão além da produção dos vinhos. Grande destaque nas terras da família é a pre sença do único museu da região. De acordo

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com o produtor e proprietário, Roberto Perbiche, da Adega Vinhos Dom Rober to, quando inauguraram o empreendi mento, há mais ou menos 15 anos, ficaram como os últimos do rotei ro. “Por conta dessa classificação, pensei que precisaria de um diferencial para fazer o cliente se deslocar até o fim do percurso. Então, logo me surgiu a ideia de fazer esse museu”, explica. O museu começou como um acervo familiar e, aos poucos, as próprias famílias e visitantes da região passaram a colaborar doando alguns utensílios. Hoje, já são mais de 900 peças ex postas, entre televisões, ferros de passar à brasa, rádios e, é claro, diversos utensílios utilizados na fabricação de vinho pelos primeiros mora dores da Colônia Mergulhão. A curiosa história de como a família se conso

Roberto Perbiche - Produtor

lidou por ali é uma incógnita até mesmo para os Perbiche. Em 1878, o bisavô de Roberto, acompanhado do avô, então com 6 anos, chegaram ao Porto de Pa ranaguá a bordo do navio Pascal, que trazia além de imi grantes poloneses da região da Galícia – como eles –, camponeses da Prússia Ocidental, hoje Ale manha. “De acordo com os relatos dos nossos avôs, as mudas de uvas vieram na bagagem junto com os imigrantes”, conta Roberto. Naquela época, o Brasil precisava de mão-de-obra para o seu desenvolvimento na indústria e na agricultura e como o povo europeu, além de estar vivenciando tempos difíceis em seus países de origem, eram muito experientes e tinham as características necessárias para enri quecer as terras, eles não paravam de desembarcar em portos nacionais.

Ao que parece, quando chega ram à região de São José dos Pinhais, devido ao incentivo da prefeitura, o bisavô de Roberto conseguiu adquirir uma pro priedade de cinco alqueires, e com o passar do tempo, a família foi se estabilizando na produção e obtendo ainda mais terras na região.

Quanto à produção do vinho em si, hoje, Roberto trabalha

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”De acordo com os relatos dos nossos avôs, as mudas de uvas vieram na bagagem junto com os imigrantes.”
Manuella Niclewicz O museu da família Perbiche expõe mais de 900 peças.

ao lado de seu filho Mauro, responsável pelo cultivo do parreiral. Em decorrência da moder nização das máquinas e com uma visão em preendedora, a família sentiu a necessidade de melhorar o processo de fabricação e se adaptar às novas tecnologias. Esse é o motivo pelo qual o procedimento não é mais tão artesanal. O processo de amassar as uvas com os pés e os barris de madeira se tornaram apenas artefatos de memória do acervo. Atualmente, quem ocupa seus lugares são máquinas modernas, barris de aço inox e equipamentos que garan tem a própria segurança alimentar. Quanto à quantidade, Roberto garante que o engar rafamento anual de 30 mil litros de vinho é vendido exclusivamente em sua propriedade. Além do vinho, carro-chefe em toda a colônia, e do museu, Roberto tem o seu diferencial nos quitutes produzidos de forma artesanal pela esposa, Diva Pissaia. O modelo de negócio, que começou apenas como um agrado para os filhos, já chega às mãos da sexta geração da família, dos netos de Roberto. As bolachas e geleias Divina tornaram-se sucesso em todo o Caminho e virou destaque do empreendimen to.

Todo o percurso respira e suscita histórias e,

coincidentemente, algumas famílias instaladas por ali tem algum grau de parentesco. É o caso das famílias Perbiche/Pissaia. O lado italiano de seu Roberto vem de Diva. A família Pissaia ou Pizzaia, na grafia original, natural de Co volo, norte da Itália, também desembarcou no porto de Paranaguá, no ano de 1878. A história de dona Diva e sua família é conta da por Dirceu Pissaia, seu irmão e proprietário de outro empreendimento na região, a vinícola Vô Dide e Salumeria Mergulhão. Atualmente, quem toma a frente da vinícola é Dirceu e seu filho, Diogo, mas o empreendimento teve início sob os comandos de David Pissaia. De acordo com Dirceu, quem veio da Itália foi seu bisavô. “A Casa da Cultura, na entrada da Colônia, era a casa do nono ‘Húngaro’. Pelo fato de todas as adegas do lado direito de quem vem do portal serem da mesma família, acreditamos que meu bisavô era dono de todos esses terrenos e aos poucos foi desmembrando por gerações da família”, afirma. A história deles não difere muito do caso dos

Manuella Niclewicz Mauro Perbiche é o responsável pelo cultivo do parreiral.
turismo
Roberto e Diva Perbiche produzem vinho há 15 anos.

Perbiche. O início da produção se deve ao fato da existência de parreirais e uva para o con sumo. O pai de Dirceu, seu David, era quem detinha o hábito da produção para consumo próprio, ainda mais que, como defende Dir ceu, “todo o italiano que se preza costuma fazer um vinhozinho em casa”. Por mais que a produção fosse para desfrute próprio, a tradi ção foi repassada para seu filho Dirceu e o seu neto, Diogo. Mesmo que Dirceu crescesse vendo a tradição de seu pai, este não foi o primeiro modelo de negócio que ele decidiu implementar. A produção leiteira foi o primeiro empreendimento de Dirceu, que produzia cerca de 500 litros por dia. “Começamos assim. Mas, à época da inflação, o leite começou a en carecer e chegou no limite de que não valia mais a pena.”, lembra Dirceu. Enquanto Dirceu

e seu filho trabalhavam com esse tipo de agri cultura, seu David continuou com a tradição da produção artesanal de vinho. Foi então que, com as dificuldades de manter o negócio, Dir ceu resolveu comercializar os vinhos junto com seu pai e seu filho, no intuito de perpetuar a tradição. Atualmente, com a produção de 30 mil litros por ano, Dirceu comenta que uma desvantagem da produção é a terra ser muito fértil, pois isso aumenta as chances de praga. Entretanto, lembra, feliz, que “temos parrei ras de uva que tem mais de cem anos e ainda rendem frutos”.

Dirceu Pissaia - Produtor

Quanto à concorrência, Dirceu defende que não existe essa rivalidade entre os produtores. Inclusive, alega que “a Colônia vai para frente porque somos todos unidos e, de alguma forma temos algum grau de parentesco”. Para manter o controle de igualdade no valor do vinho e qualidade em todo o percurso,

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”Todo o italiano que se preza costuma fazer um vinhozinho em casa.”
Lara Pessôa Um dos bisavôs de Dirceu Pissaia. Três gerações da Família Pissaia: Dirceu, Diogo e David.

ele comenta que os produtores montaram a Associação do Caminho do Vinho, a Acavim, com foco primordial em organizar e trans formar a Colônia Mergulhão em um destino turístico rural. “Temos reuniões para a discus são de preços dos vinhos que são tabelados, também temos a preocupação com a conser vação do território em termos de iluminação, placas e reformas. A concorrência que existe é no atendimento e na qualidade”, comenta Dirceu.

Para aproveitar o passeio sem precisar se preo cupar em dirigir, uma das opções é a Linha Tu rismo Caminho do Vinho. Com ela, é possível fazer um passeio com duração de cinco horas, com roteiro personalizado e um guia turísti co – trajado com típicas vestes italianas – que explica toda a história. O serviço foi inicia tiva da esposa de Dirceu, Rosana Pissaia, em parceria com uma viação de ônibus. O objetivo de montar o transporte foi implementar o turismo na Colônia. Segundo Rosana, “em um dos cursos de empreendedorismo rural, logo vi que minha função dentro desse cenário seria a de receber pessoas. Então, fiz o curso de guia de turismo, montei uma agência e busquei

apoio para meu projeto de uma viação. É uma parceria que completa nove anos neste mês, mas vive da nossa persistência. “Não é nada sustentável”, afirma. Ainda durante o passeio, são feitas paradas estratégicas para um café colonial ou almoço. Ao todo, são programadas oito paradas. Existem várias formas de se apreciar um bom vinho, mas a grande variedade aca ba confundindo quem não é especialista na hora da escolha. Além da cor – branco, tinto ou rosado –, os vinhos ainda podem ser classificados quanto à classe, que diz respeito à graduação alcoólica, ou ain da ao teor de açúcar, podendo ser seco, meio doce ou suave.

Acerte na escolha!

O enólogo Washington Uchôa conta que a quantidade de açúcar influencia no estilo e não em sua qualidade em si. “Não são suas propriedades e características que determinam a qualidade dos vinhos e, sim, as necessidades de cada ocasião”, afirma.

Por isso, Uchôa alerta: o preço de uma garrafa não é proporcional a sua quali dade. “Ao tentar harmonizar um vinho, não é preciso gastar muito. Então, não invente! Se não for possível ter a ajuda de um profissional, seja coerente: busque vinhos da mesma região dos pratos a serem servidos”, explica.

As principais dicas do enólogo para quem quer escolher uma boa garrafa é pres tar atenção se não há vazamento em sua rolha, ler os rótulos, pois eles tra zem muitas informações e, em caso de grandes dúvidas, optar pelos produtores consagrados.

Serviço

Caminho

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do Vinho – São José dos Pinhais Rua Júlio Cesar Setenareski, s/nº/ Colônia Mergulhão, São José dos Pinhais, Paraná Lara Pessôa
turismo
Vinícola Vô Dide oferece produtos além dos vinhos.

Arte metropolitana

Ruas da grande Curitiba ganham um colorido especial pelas mãos de artistas urbanos

Alatinha de tinta na mão e a inspiração pela arte é a marca registrada des tes artistas que usam de seu talento e criatividade para colorir as ruas da Região Metropolitana de Curitiba. Inspirados na manifestação artística relacionada a uma lin guagem popular, seus trabalhos ganham vida em meio ao caos dos grandes centros urbanos. Com traços e cores, os grafiteiros se destacam e buscam fugir do rótulo de que o grafite e a pichação são sinônimos e trazem em suas bagagens, além da vontade de criar, o desejo de se manifestar.

Afastada da exclusiva relação com o universo jovem e muito longe do estereótipo de “coi sa de marginais”, a arte de rua tornou-se um dos maiores movimentos artísticos de grande alcance neste mundo de configuração cada vez mais globalizada. O graffiti designa a arte que transpõe muros, paredes e dialoga com toda es pécie de mobiliário urbano. Os grafiteiros, por amor à sua arte, se entregam por aquilo que os move, e na maioria das vezes tiram dinheiro do próprio bolso para manter sua paixão.

No Muro

Rodeados pela vida agitada da Região Metropolitana de Curitiba, muitos moradores e empresários cedem espaços para o graffiti. Esse foi um dos motivos que fez com que o comerciante Luís Gonzales, 51 anos e morador de Araucária, transformasse sua moradia em espa ço para a arte dos grafiteiros. Depois de várias tentativas falhas de “proteger” o muro de sua residência e de seu estabelecimento de indevi das pichações, Gonzales deu uma chance para a arte urbana, a qual conhecia, mas pela qual sentia certo preconceito. “A pichação era algo frequente no muro da minha casa e de minha loja. A cada mão de tinta para esconder, era uma nova depredação. Um dia um grafiteiro tocou minha campainha pedindo um espaço do meu muro para ele me presentear com sua arte”, explica. Esse foi o primeiro contato de Gonzales com o graffiti, depois de receber sua primeira arte de presente ele se apaixonou e hoje é conhecido pelas cores que entornam sua casa. “Depois da primeira vez que fizeram no muro da minha

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Gabriela Fialho, Julia Baggio e Monique Benoski
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casa, me encantei com tanto talento e criatividade e vi que aquilo era arte de verdade. Hoje, todo mundo conhece minha casa e meu comércio pelo graffiti que colorem os muros. Tento renova-los todo o mês”, conta.

Graffiti x Pichação

Em diversos pontos da cidade encontramos diferentes formas de arte nos muros de cada esquina. Mas como podemos distinguir o que realmente é criação artística e o que está fora das leis? Uma questão que divide opiniões de leigos a especialistas. O graffiti hoje é um mer cado muito promissor. Há consumidores da manifestação, nas galerias de arte urbana, por exemplo, o que afirma a seriedade do trabalho feito. Para Caio Brandalize, artista plástico e especialista em arte de rua, “O graffiti é consi derado uma expressão urbana, enquadrado ao street art – em tradução livre, arte urbana. A pichação, além de não ser considerada arte, é crime previsto em lei. Em outros ter mos, pode ser avaliada como vandalismo”, opina.

crédito: divulgação

Daniel, “Onew”, não abre mão da sua arte, mesmo acreditando que viver de graffiti atu almente é algo quase impossível.

crédito: divulgação

Para um artista, ter seu traba lho na rua é o mais importante, indepen dente do local.

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“Sempre uso o graffiti para dei xar marcas boas no mundo ”
Kallib Daher, grafiteiro

Rafael vive no universo do graffiti desde seus 8 anos, porém, só fez uso da sua primeira latinha de tinta aos 10. Desde pequeno, sempre estudou e buscou referências para evoluir. Sobre a possibilidade de viver de graffiti, Rafael acredita que ainda mantemos uma cultura muito pobre, o que acaba dificultando um pouco a valorização.

“Hoje o graffiti continua saindo das periferias e invadindo as capitais, justamente por querer mostrar que temos mui tos problemas e temos voz para isso.”

Kalibb Daher, 25 anos - Campo Largo

2011 marcou o início do graffiti na vida de Kalibb, que criou o grupo Arte Crew junto com alguns amigos. Em busca de maior experiência, sempre estuda novos artis tas e diferentes técnicas. Hoje, ministra aulas pela pre feitura de Campo Largo, o que, para ele, é de extrema importância, pois inspira cada vez mais artistas. Entre seus sonhos, está a vontade de levar as artes da Região Metropolitana para fora do país.

“Sempre uso o graffiti para deixar marcas boas no mundo, faço minha arte com mensagens positivas.”

Desde meados de 1998, Daniel, ou Onew como é chamado por seus amigos, leva o graffiti como sua principal forma de expressão e diversão. Em 2000, começou a participar de eventos dentro e fora do Paraná. Quando sai para pintar, ele sente sempre a mesma emoção, pois sabe que naquele espaço pintado deixará um pedaço de sua história.

“Graffiti é cultura, é alegria, é sair da mesmice. O graffiti aguça a atenção, transforma aquele simples momento em algo alegre. Graffiti é pura felicidade para quem vê e prin cipalmente quem faz.”

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Rafael Gomes, 25 anos - Almirante Tamandaré
Daniel “Onew”, 32 anos - Pinhais
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Revista CDM Jornalismo

Cores ao vento

Desde criança tinha o sonho de tocar as nuvens. Hoje, Mauro Leandro Chemin possui 3 mil horas de voo e é dono da única fábrica de balões do Paraná

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Lana Gillies com a colaboração de Beatriz Lima e Camila Costa

Seu largo horizonte define seu nome.

Essa linha, que aparenta unir o céu à terra e ao mar, some em meio às matas de araucárias, que se intercalam entre silencio sos prados e os raios de sol. Recém-asfaltadas, suas estreitas estradas percorrem vastos territó

Na continuação da rodovia pavimentada, uma estrada de barro, que levanta as pedras do chão e desnuda os dentes-de-leão. Em sua sequên cia, uma ponte feita com tábuas de madeira, que, apesar de aparentar fragilidade, nos conduz a um ponto referencial para se chegar à

rios agrícolas protegidos por portões e arames farpados que escondem chácaras, fazendas e sítios.

A “Capital da Louça”, que recebe este nome por obter a maior produção e exportação de louças e porcelanas do Brasil, abriga também fontes de recursos naturais, dentre elas, a mais famosa fonte de água mineral do país: a Ouro Fino. Ainda em seus 1.249.422 km², este município se destaca pelas inúmeras opções turísticas ligadas ao potencial de sua natureza: o Parque do Mate, a Estância Mineral Ouro fino e a Serra de São Luiz do Purunã. Mas o que poucos sabem é que a Cidade de Campo Largo amanhece e se despede, em seus finais de semanas, com um céu colorido - cores vivas providas pela única fábrica de balões de ar no Paraná.

Snap Balonismo. Fabricação em escala, pro dução mecanizada em grandes quantidades, funções repetitivas sem qualificação da mão de obra - de nada disso essa “indústria” possui.

Logo em seu portão, duas galinhas e um cachorro ficam de prontidão para receber os visitantes e passageiros. Pois, além de fábrica e moradia dos empreendedores de balonismo, o terreno da chácara possui um espaço reser vado para decolagens e pousos de balões de ar quente. São três galpões que dividem a família Chemin para a fabricação de balões tradicio nais e especiais, tanto para venda nacional quanto internacional.

O primeiro galpão serve como escritório e área de criação, onde se desenvolvem todos os pro jetos e a impressão de moldes. “Antes fazíamos tudo à mão. Dependendo do modelo, fazía

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“Eu comecei a voar em 1993, e em 1994 já tinha meu balão e era piloto.” Mauro Leandro Chemin
crédito: Beatriz Lima lazer

Com o sonho de voar desde a infância, Chemin relembra que só atingiu seu objetivo depois dos 20 anos de idade.

Mauro mostra a capa do jornal de Albuquer que, comprovando o sucesso do balão das abelinhas.

Norberto utiliza a técnica de trançar vime que foi passada de pai para filho.

Um centímetro errado pode comprometer to talmente a confecção de um balão.

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crédito: Beatriz Lima
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crédito: Beatriz Lima

mos em 3D – por exemplo, em argila - depois desmontávamos e tínhamos que planificar. Hoje fazemos tudo por computador, com sof twares”, nos relata Mauro Chemin, balonista e dono da indústria.

O segundo espaço é onde os balões ganham forma. Com duas máquinas de costura no can to do ambiente, Mauro e seu filho Kaio unem, através de uma técnica exclusiva e secreta, o material do balão, que se esparrama cobrindo

rios, hoje está mais enxuta e possui apenas três integrantes da família mais uma secretária. “Eu comecei a voar em 1993, e em 1994 já tinha meu balão e era piloto. Mas foi a partir de 2000 que começamos a construir balões. A minha avó já costurava balões de papel de seda na máquina de costura para a gente soltar nas copas de 1970 e 74. Mas desde pequeno eu tinha o sonho de voar. Só consegui isso em 1993”, confessa o dono.

A minha avó já costurava balões de papel de seda na máquina de costura para a gente soltar nas copas de 1970 e

todo o chão com sua imensidão.

Em meio a mugidos de vaca e berros de uma cabra, os cestos de vime são trançados por Norberto Santa, no galpão mais afastado. Suas técnicas para a construção de cestas – que suportam de 2, 4, 6, 8, 10, 12 e até 16 pessoas – foram desenvolvidas por experiência própria e por conhecimentos passados de geração a ge ração. Seu pai elaborava cestas de pão em uma época em que nem se ouvia falar da existência de balões no Brasil. Já seu avô produzia carro ças de boi, na antiga Iugoslávia.

Todos, artesanalmente feitos de uma junção de vime, vime sintético, aço inoxidável e cabos de aço, levam em média um mês para serem pro duzidos. Um resultado possível somente com um trabalho contínuo iniciado às oito horas, que se estende até as 18 horas. Por ser um negócio familiar, a Snap Balonis mo, que antes era formada por 18 funcioná

74”

Mauro Leandro Chemin é o piloto que mais voou em cima de grandes capitais no Brasil. Fundador desse segmento aqui no Paraná, tornou sua empresa única na região, uma das quatro fábricas que constroem balões aqui no Brasil. Seus filhos, além de serem pilotos de balão, ajudam no planejamento e construção dos mesmos. Kaio fica responsável pela costu ra, enquanto Lucas projeta os balões por meio de softwares. “Para fazer o balão, não há curso. Isso se passa de pai para filho. A pessoa tem que ter o dom, não só a técnica ou a teoria. No mundo todo, há produção de balão apenas na República Tcheca, na Inglaterra, na Espanha e aqui no Brasil”, declara. Chemin tem mais de 3 mil horas de voo. Já so brevoou diferentes paisagens e hoje se orgulha ao afirmar que falta apenas um continente para explorar dentro de um balão: a África. “Acabei fazendo do esporte minha profissão e principal atividade. Trabalhei 30 anos em hospital, agora

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As cores de Campo Largo

Maior clássico futebolístico do município, o duelo entre Fanático e Internacional completa 70 anos

Histórias, gols, rivalidade entre torcidas, vitórias heroicas, derrotas amargas e títulos inesquecíveis.

Esses são alguns ingredientes que abrilhantam os clássicos de futebol. No Paraná, quando se fala em rivalidade é impossível não lembrar do duelo entre Atlético Paranaense e Coritiba. Entretanto, longe dos holofotes e a aproxima damente 30 quilômetros da capital do estado, um clássico amador com 70 anos de história tem os mesmos elementos que os grandes dér bis mundiais precisam ter.

Fanático e Internacional são duas equipes de tradição de Campo Largo e completaram, em

2015, 70 anos de um dos maiores clássicos do Paraná. Os clubes da região central da cidade disputam campeonatos oficiais desde 1945, quando a Liga Campo-larguense de Futebol foi fundada. Durante estas sete décadas de muita rivalidade o que não faltam são histórias e lembranças do clássico Interfan.

“No primeiro clássico oficial entre Fanático e Internacional, em 1945, o campo era cercado de madeira, com tábuas em pé e foi onde começou a rivalidade. O jogo foi o primeiro clássico federado e, na ocasião, a partida não terminou. Houve incidentes para o início da rivalidade, desavenças dentro de campo e, a

Fundado em 1945, o Internacional tem 28 títulos da Liga de Campo Largo.

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Aliny Gohenski, Guilherme Becker, Karyna Prado e Luana Kaseker
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crédito: Guilherme Becker

Fundado em 1944, o Fanático tem 20 campe onatos campo -larguenses.

partir daí, começaram a definir quem seria tor cedor de quem”, conta Alceu Mocelin Ferreira, atual presidente da Liga Campo-larguense. De um lado, o Fanático fundado no dia 29 de dezembro de 1944 e que tem em seu escudo as cores vermelho, azul e branco. O Leão da Baixada, como é conhecido pelos seus torce dores, tem 20 campeonatos Campo-larguenses e sete Taças Paraná, principal campeonato amador do estado. A torcida apaixonada torce, acompanha o dia a dia do time e faz exigências como em uma equipe profissional, como expli ca o presidente do clube, Braz Bianco.

“A maioria que torce para time da capital, torce para equipe daqui do mesmo jeito. É nítido o sentimento a cada partida. Então não podemos criticar a torcida de vir protestar, chutar porta e fazer exigências. É paixão”, revela Bianco.

Assim como nos grandes clubes, os times amadores também contam com torcedores

apaixonados que seguem as cores onde quer que estejam. Nelso (sem “n”) Nascimento, de 72 anos, acompanha o Fanático desde 1975 quando chegou à cidade de Campo Largo.

Ele conta que a paixão começou após assistir a uma partida entre Fanático e Ferraria. Porém, para ele, nenhum jogo se compara à emoção de um clássico Interfan.

“Todos os clássicos contra o Internacional são marcantes. Os jogos são sempre equilibrados, com altos e baixos. Uma hora a gente ganha, uma hora eles ganham. Mas nossa rivalidade é sempre dentro de campo, fora dele nós somos todos amigos”, lembrou o fanático torcedor.

Como em clássicos de proporções nacionais, os confrontos entre Fanático e Internacional movimentam o munícipio de Campo Largo. A rotina muda, as emoções ficam à flor da pele e a ansiedade toma conta daqueles que, principalmente, dedicam algum tempo a torcer pelos dois principais clubes da cidade.

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“O clássico mexe com Campo Largo. É uma semana em que você dorme uma hora e não consegue dormir mais. Começa a pensar, a lembrar, amanhece o dia acordado. Então, é uma preocupação tremenda nessa semana, não é fácil”, afirma Nascimento, que já passou várias noites em claro na ansiedade de uma partida.

Apesar de toda magia que envolve um clássico regional, o presidente Braz Bianco revela que sua maior decepção no futebol até hoje, não foi após um clássico e sim por uma atitude do clube rival. Ele conta que quando o Fanático perdeu a final da Taça Paraná de 2014, para o Bandeirantes, por 2 a 0, os torcedores rivais foram recepcioná-los na entrada de Campo Largo.

“O

“A turma do Internacional foi recepcionar a gente lá no viaduto, com camisa e bandei ra. Nós chegamos debaixo de chuva, todos

chorando e o rival ainda abriu os portões do estádio, acendeu os refletores e queimou dez minutos de foguete. Eu estou contando e querendo chorar de tristeza, mas isso está engasgado e vai ter volta. Eu não sou um cara vingativo, mas a torcida estava toda esperando a gente, ia ser uma festa linda. O Internacional poderia estar torcendo pela gente, porque é a cidade, não, mas, eles queriam que nós perdês semos”, relembra, com mágoa, Braz Bianco. A poucos quarteirões do estádio Angelo Anto nio Cavalli, está a sede do Internacional. Clube fundado em 30 de maio de 1945, o Alvinegro de Campo Largo também arrasta uma multi dão de seguidores apaixonados. Na história, o time preto e branco tem mais títulos regionais que seu rival, totalizando 28 taças, porém, venceu apenas seis vezes a Taça Paraná, uma a menos do que o Tricolor.

Nascimento, torcedor.

clássico mexe com Campo Largo. É uma semana em que você dorme uma hora e não dorme mais.” Nelso
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Nelso Nascimento viveu sete títulos da Taça Paraná. crédito: Guilherme Becker

Com um grande equilíbrio na galeria de tro féus, os torcedores do Internacional também têm motivos de sobra para se orgulhar de vestir o “manto” preto e branco. Após três títulos se guidos da Taça Paraná e igualar o adversário no número de conquistas, o ano de 2015 iniciou de maneira amarga após o Fanático faturar mais uma edição e novamente se posicionar a frente do Inter.

A diferença mínima de taças entre os clubes re flete nos duelos dentro de campo. O torcedor Juarez Butture de Oliveira, de 57 anos, afirma que o clássico tem uma energia diferente, as equipes podem estar em situações distintas, mas, mesmo assim, fazem jogos equilibrados e sem favoritos.

O torcedor que assumiu em 2007 o cargo de diretor de esportes da equipe já viveu histó rias memoráveis com as cores do Inter. Desde alegrias, levantando troféu, até dias de tristeza, após derrotas doloridas. Porém, apesar das dificuldades de comandar uma equipe do futebol amador, Juarez explica como são os sentimen tos às vésperas de um duelo com o maior rival.

“Antes de um clássico a ansiedade toma conta, mas temos que nos manter serenos. Precisamos passar para os atletas a tranquilidade. Você vai a uma guerra, mas não para matar ninguém. Tem que fazer com que ele brigue pelo título, mas sem deixar a ansiedade dominar. Mas é claro que também ficamos nervosos”, destacou o dirigente.

“Sempre entendi clássico como sendo o jogo da incógnita, porque você nunca sabe quem vai ganhar, independentemente da condição de um e outro. Parece que as forças emergem do nada. Aquele que está no chão se supera e derruba o outro. Todos os clássicos apresentam um perrengue, porque a paixão fala a flor da pele”, contou Butture.

Apesar dos recursos limitados dos quais o fu tebol amador dispõe, o que sustenta o clássico Interfan há 70 anos é a paixão de seus torcedo res. Fanaticanos e Internacionalistas dividem Campo Largo, mas se doam igualmente em prol da tradição de um dos maiores clássicos do futebol paranaense.

destacou importân cia de Tico
Juarez Butture
Gionédis para a história do Inter.
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crédito: Guilherme Becker

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