
7 minute read
Aconteceu com o amigo de um amigo meu
by eba_pucpr
Curitiba é cenário de lendas urbanas que atravessam o tempo
Texto: Caio Porthus, Daniel Malucelli e Gabriel Massaneiro Fotos: Gabriel Massaneiro Diagramação: Michel de Alcantara

Écom o bordão que dá título a esta reportagem que começam as histórias conhecidas por lendas urbanas. Alguém desconhecido passou pela experiência, seja o primo de um antigo colega, um tio de segundo grau, não importa. O que se sabe é que um tempo depois, todo um bairro, uma cidade, um país, conhecem o causo, que fica gravado na imaginação das pessoas para sempre.
As histórias não morrem com o tempo, sequer com o fim de um local. Se a casa mal-assombrada do bairro for derrubada, em breve a mesma narrativa se repete e volta a ser contada para todos. Essas narrativas, algumas assustadoras, outras bizarras, outras engraçadas, passam de geração a geração, volta e meia ganhando novos detalhes ou pequenas mudanças. Afinal, “quem conta um conto, aumenta um ponto”.
Quem nunca ouviu falar da Maria Sangrenta? Que se tivesse seu nome repetido três vezes em voz alta na frente de um espelho, apareceria e mataria o jovem que desafiou a lenda. Ou a famosa brincadeira do copo na qual dizem ser possível conversar com espíritos? Quem nunca saiu de noite e ficou com medo de exagerar na bebedeira, acabando numa banheira de gelo sem os rins?
Inúmeros são os filmes, livros, seriados que se baseiam em histórias e as tornam ainda mais famosas, saindo de uma pequena região e tornando aquilo um fenômeno mundial. Mas, para o sociólogo paranaense Marcos Urbano, o que facilita mesmo a popularização de uma história hoje em dia é a internet. “Se antigamente, somente com o boca a boca servindo como forma de divulgação dessas lendas eles já ficavam famosos em pouco tempo, hoje em dia, com a internet e, especialmente, as redes sociais, a facilidade com que um mito se espalhe ficou ainda maior. É muito comum abrir o Facebook e se deparar com um amigo compartilhando uma história que aconteceu com alguém que no fim das contas sequer existe”. Apesar disso, Urbano não acha que esse efeito seja negativo. “Muitas vezes, esses mitos servem para alertar as pessoas sobre algo perigoso, e por mais que muitos não sejam verdadeiros, pelo menos cumprem sua função deixando todos informados”, completou.
“Criei um carinho muito maior pela cidade, parece que através das lendas conheço ela muito melhor.” - Carol Sakura, escritora, roteirista e coordenadora de pesquisa do Dogzilla Studio


Loira suicida do Edifício ASA
Inaugurado em 1954, o primeiro “gigante” residencial e comercial de Curitiba tem o nome das inicias da construtora responsável pelo empreendimento: Aranha S.A. (ASA). Nele, circulam cerca de 4 mil pessoas por dia. A própria construção já é misteriosa. A planta original se perdeu, e nem o arquiteto responsável é conhecido. Para o atual síndico do edifício, o médico aposentado Antônio Miguel (74), ferros e cimento foram desviados ilegalmente da construção de Brasília para levantar o ASA. “Creio que foi o Oscar Niemeyer que comandou essa construção, eu ainda vou descobrir”, contou. Mas é durante a noite que o ar fica pesado. A lenda conta que uma noiva se jogou vestida toda de branco do último andar (22.) após ser deixada no altar pelo seu marido no dia do casamento. No chão, o vestido ficou manchado de vermelho. Desde então, a noiva fantasma anda pelos corredores do Asa, que tem um histórico real de suicídios. “De noite, se ouve barulho pelos corredores, isso eu não posso negar”, disse o síndico. O zelador Antônio Muzy, que também é morador do prédio há 30 anos, conta que quatro pessoas se jogaram desde que ele está no condomínio. “Se a loira foi a causadora, eu não sei. Eu não acredito, mas também não duvido.”
Curitiba não poderia ser diferente. Desde águias e leões de pedra que ganham vida durante a noite, até uma noiva suicida que assusta moradores de um prédio, ou uma loira que após ser abusada por taxistas, voltou para conseguir sua vingança, como toda boa cidade, a capital paranaense é recheada de contos. Com isso, a equipe Dogzilla Studio decidiu criar um álbum de histórias em quadrinhos chamado Bocas Malditas – Curitiba e Suas Histórias de Gelar o Sangue, para ilustrar os mais famosos contos da cidade. Antonio Eder, ilustrador e organizador da publicação, conta como foi o processo de criação. “Fizemos uma
Mito ou lenda?
A dúvida é comum. Quando se escuta uma história como a da famosa loira vingativa do Abranches, ela se trata de uma lenda ou de um mito? Muitos confundem ambos os termos, utilizando-os de maneira errada.
Na Antiguidade, quando muitos dos fenômenos eram incompreendidos pelo ser humano, os povos encontravam maneiras de explicar os fenômenos. Isto é o que conhecemos como mitos. Um bom exemplo é a própria criação do universo, que em cada cultura ganhava contornos diferentes.
Já as lendas são histórias muitas vezes misteriosas e sobrenaturais, que se modificam com o tempo de acordo com a imaginação do povo. Lendas misturam a realidade com à ficção.
pesquisa de quais seriam as principais lendas urbanas de Curitiba. Essa pesquisa se deparou com algo muito comum: a falta de referência bibliográfica e as poucas e suspeitas fontes para pesquisa. No final, selecionamos 26 histórias de Curitiba, um número bem significativo levando em consideração a falta de registros mais exatos”.
Carol Sakura, coordenadora da parte de pesquisa e do roteiro da produção comentou sobre sua alegria em conhecer as lendas da cidade. “Antes de trabalhar no livro não conhecia quase nenhuma delas, foi uma surpresa ter acesso à essas histórias. Criei um carinho muito maior pela cidade, parece que através das lendas conheço ela muito melhor”. “Acho as lendas essenciais para conhecermos quem somos, é impressionante como elas falam de nós e de nossa cultura. É algo que não pode se perder”, finalizou.

Loira do Cemitério do Abranches
Mais uma delas… Se nos contos românticos elas são referência em beleza, nas lendas as loiras são assombração! É quase uma obsessão popular pelos fantasmas das mulheres de cabelos dourados à procura de vingança. Em cada cantinho do país elas estão por aí vagando sem rumo. A loira do cemitério do Abranches “causou” durante os anos 70. Taxista há 40 anos, Francisco Vitorino, de 67 anos, contou a versão mais famosa da época. “Uma linda loira, daquelas que parecem beldades, em uma noite fria ao embarcar em um táxi foi estuprada e morta por um taxista psicopata, que depois teria jogado o seu corpo no cemitério do Abranches. Então, o fantasma da loira decidiu se vingar. Vestida com uma capa preta, ela solicitou uma corrida ao taxista assassino até a porta do cemitério. Sem reconhecê-la, ele topou. Chegando lá, ela tirou a capa e disse que havia chegado em casa e que morava em um túmulo. Reza a lenda que o taxista teve um ataque de asma e morreu asfixiado. Na época, os mais velhos juravam que era verdade”. A história virou capa de jornal. Em junho de 1975, saiu no extinto jornal paulistano Notícias Populares, famoso por suas manchetes sensacionalistas, o drama dos taxistas curitibanos. Na primeira página, as aspas de um taxista chamado Wilmar, “Eu fui estrangulado pela loira fantasma”. Segundo o NP, Wilmar foi assombrado pela loira que tentou o enforcar, mas quando ele se dirigiu até a Delegacia mais próxima ela simplesmente desapareceu.
Túneis subterrâneos
O livro Secret Cities of Old South America, do ufólugo, jornalista e explorador Harold T. Wilkins afirma que existe, debaixo de Curitiba, túneis que ligam a capital a Ponta Grossa, e neles há diversas construções incas. Ainda há relatos de que uma serpente gigantesca guardava um tesouro colocado lá por um pirata. A lenda diz que o Capitão Zulmiro, que possuía terras no litoral do Paraná durante o século XIX, teve seu espírito invocado durante uma sessão espírita em 1904. Segundo as pessoas que estavam nessa sessão, seu fantasma pronunciou que seu tesouro “seria encontrado por uma geração futura”. Apesar dessa história ter sido publicada em 1952, foi somente em 2007 que comprovaram a existência dos túneis. Não, não há sinal de nenhuma cobra ou de construções incas, tampouco esses túneis se estendem até Ponta Grossa. Na verdade, eles se encontram debaixo de dois clubes de imigrantes italianos e alemães, que os construíram durante a Segunda Guerra Mundial com medo de um ataque popular.