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Os donos da noite

O mercado de música eletrônica, que movimenta mais de R$ 3 bilhões anualmente no Brasil, tem em Curitiba um de seus grandes polos

Texto e fotos: Beatriz Peccin e Vitor Cruz

Leia esta reportagem ouvindo a playlist dos entrevistados no Spotify! https://goo.gl/Ulkwjp

Um globo espelhado reflete as luzes neon que acompanham o ritmo da música alta e das batidas da caixa de som no canto da festa. Flashes se confundem com as selfies feitas na pista de dança. É uma noite cheia de mãos e corpos esbarrando-se uns nos outros, até que de repente a pele quente e suada sente o choque do líquido gelado que acaba de ter sido derramado. Para mais de 28 milhões de brasileiros este cenário é sinônimo de diversão.

Foi esse clima que levou o DJ Hermes Pons a se apaixonar pela música eletrônica e que o mantem há 23 anos neste mercado – setor que arrecadou R$ 3 bilhões no ano passado apesar da crise e da diminuição dos patrocínios por conta dos grandes eventos esportivos – “Eu saia religiosamente todo final de semana”, diz Pons.

A descoberta e a afinidade de Hermes pela música eletrônica não são à toa. O sul do Brasil é o território onde mais predomina o estilo musical dançante. Segundo estudo feito pela conferência de música eletrônica da América Latina, a Rio Music Conference, mais de 30% dos eventos e clubes do estilo estão localizados no sul do país, perdendo só para a Região Sudeste, com 41%.

Para João Anzolin, sócio-diretor da Hot Content, produtora de conteúdo especializada, o Sul foi muito mais influenciado pela Europa e pela importação da cultura americana nos últimos 50 anos, refletindo isso na cultura jovem. Primeiro o rock, no fim dos anos 70, e a partir dos anos 90, com o “boom” desse estilo. Anzolin acredita que “as pessoas acabaram abraçando esse gênero como uma cultura própria, especificamente em Curitiba, que apresenta uma cena muito forte pelo traço da colonização europeia”.

Rio Music Conference

A conferência reúne anualmente profissionais de diversas vertentes para pensar e melhorar a qualidade da música e dos clubs na região. Em sua última edição em Curitiba, em setembro passado, mais de 200 pessoas circularam pelo Portão Cultural pensando e modificando a cena de música eletrônica. De acordo com o anuário do RMC, em média 600 pessoas visitam os clubes noturnos. O resultado aumenta nos grandes festivais como a Dream Valley, em Penha (SC), que chega a reunir 9.500 pessoas.

O sucesso da cena na Região Sul foi influenciado pelos patrocínios de grandes marcas, como a Coca-Cola, que investiu mais de R$ 700 mil em clubes e pequenos festivais – no montante total, os patrocinadores foram responsáveis por 27% do faturamento anual, com mais de R$ 800 milhões em ações e anunciantes nos eventos.

Crise

Segundo a última divulgação da Rio Music Conference, o mercado de música eletrônica nacional não cresce mais como antes devido à situação do país. Sandro Horta, sócio-fundador da DJCom, empresa de agenciamento de DJs, comenta que “a crise logicamente afeta todos os mercados, desde o cara que vende arroz até nós, que vendemos DJs”. Horta ainda vê a música eletrônica crescendo, citando a marca de automóveis Ford, fazendo sua propaganda de tevê com a música do Snake – DJ francês que fez sucesso recentemente com a música “Turn Down for What”.

Com o receio dos empresários, os mais afetados pela crise são os artistas internacionais, o que pode ser bom para o mercado de DJs e produtores nacionais. Eduardo Phillips, sócio-diretor do clube Green Valley, em Itajaí (SC) – eleito o melhor clube do mundo pela revista DJMag britânica – aponta que “hoje, nós estamos ditando tendência, não estamos mais tão dependentes”.

Cena Local

A cena em Curitiba é controversa. O tradicional clube Liqüe fechou as portas em 2013, depois de mais de oito anos trazendo os maiores nomes do segmento para a cidade. Entre os vários motivos para o fechamento, estão a locação do espaço e renovação de contrato. A casa também já havia mudado a sua playlist antes do fechamento. Nos meses anteriores, a Liqüe tocava diversos gêneros musicais, como sertanejo e funk. O mesmo rádio que despertou o interesse do DJ Hermes Pons pelo house – música eletrônica de pista – hoje lhe causa certo receio. Para ele, o rádio e a TV são grandes responsáveis por não haver mais a cultura do underground

e da segmentação. “Se antes um era preto e outro era branco, com espaço para diferentes gêneros, hoje nós temos um grande cinza.” Igor Mattar, proprietário antiga casa Legends, concorda com Hermes e saiu de cena pela falta de novidade no mercado. “Eu já vi tudo isso há 15 anos de uma forma muito melhor.” Se para Igor e Hermes, a música de massa prejudica a cena underground, a agente de DJs Juliana Faria acha que há espaço para todo mundo no mercado local. “A cena de Curitiba é bastante atuante porque tem vários DJs que se originaram aqui e tem uma representação nacional grande, como é o caso do Repow (produtor curitibano que caiu no gosto de “Como você quer ter uma experiência incrível em um open bar?!” Fernando Oliveira famosos DJs como Hardwell e Tiesto, além de recentemente ter se apresentado no festival Tomorrowland Brasil). Assim como observa a agente, o empresáriofundador da escola de DJs AIMEC, llan Kriger, afirma que ainda vigora a opção pelo estilo

“Trabalhar com diversão, não é se divertir, é trabalhar, mas me divirto sim”, comenta João Anzolin.

Hermes Pons não se apresenta mais em clubes desde junho, após 23 anos de carreira.

underground do público curitibano na música eletrônica, principalmente nos clubes que trabalham exclusivamente com essa vertente, como é o caso do Club Vibe e a Danghai, em Curitiba.

Fernando Oliveira, diretor artístico da casa curitibana Soviet, fala que mais importante do que o conceito musical da casa é a diversão para os frequentadores. “O negócio é colocar o povo pra dançar e se divertir, cada um de nós gosta de uma coisa. A casa tem que tocar tudo.”

Mas Fernando aponta a dificuldade de trazer o público com a prostituição do mercado, dando listas VIP, bebidas de graça e outras regalias que não trazem nenhum retorno monetário para a casa. “Como você quer ter uma estrutura bonita, um bom atendimento e uma experiência incrível fazendo open bar?!”

Lifestyle

Eduardo Phillips lembra que antigamente o sonho dos adolescentes era ser roqueiro. “Hoje o sonho do jovem é ganhar um CDJ [aparelho de CD que possui recursos próprios para utilização por DJs] e tocar música eletrônica.” Isso se deve à mudança das tendências, mas principalmente por ser um trabalho com uma pitada de glamour como conta Sandro Horta: “Dá para se ganhar muito dinheiro. E não estou falando de nenhum Calvin Harris [DJ com a maior arrecadação segundo a revista Forbes] da vida”. Mas Phillips lembra que estar nesse mercado é estressante e cansativo por ser um contato direto com o público. “Nós vendemos experiência, mas para isso acontecer, tem que gostar muito. Se não gosta, não se mete.”

Histórico

A música eletrônica – diferentemente de grande parte dos outros estilos musicais – só surgiu graças aos vários aparatos tecnológicos, desde o toca-discos até os sintetizadores, que basicamente produzem ruídos ritmados e manipulados sonoramente por meio da variação de velocidade ou do sentido de leitura de suas gravações. O marco inicial para esse estilo musical foi em 1948, com a difusão do Concert de Bruits pela Radiodiffusion-Télevision Française, influência do francês Pierre Schaeffer, que criou o Musique Concrète, movimento no qual a composição era feita a partir desses ruídos, sem sentido para muitos da época.

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