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Vida passa[li]geira

Ônibus: lugar de chegadas e partidas, histórias cruzadas e experiências vividas

Bruna Martins Oliveira

Trinta terminais. 1.746.224 passageiros diários na capital paranaense. Idas e vindas. Destinos e propósitos distintos. Cada passageiro, carregando sua bagagem de vida, em dez minutos ou em duas horas. A catraca gira. A cidade em movimento. De um jeito ou de outro, o transporte coletivo faz parte de grande parte das pessoas que viajam por aí, seja para trabalhar, estudar ou passear. ao contorcionismo diário das vértebras e do corpo inteiro entre os outros passageiros que mais parecem sardinhas enlatadas. Ao menos, é essa sensação predominante para quem pega o Inter 2, em pleno fim de tarde no Terminal do Campina do Siqueira. Horário de pico (de trânsito e de caras e bocas também).

“Uma senhora aproveita para tricotar. Outros passageiros parecem tricotar pensamentos” .

Alguns ouvem música, outros parecem refletir sobre a vida, recostados à janela. Uma senhora, com a sorte de estar em um banco, aproveita para tricotar. O novelo de lã está enrolado na sacola e seus dedos dançam sob a agulha mesmo com as lombadas. É O estudante de Psicologia Gabriel dos Santos uma roupa de bebê. Outros passageiros pareé uma dessas pessoas. Ele passa três horas e cem tricotar os pensamentos. Um deles é um meia do seu dia dentro dos coletivos. A viagem homem que aparenta ter uns 40 anos e, em começa no município de Fazenda Rio Gran- pé, carrega uma pasta transparente com um de, seguindo até o bairro do Portão, onde ele currículo. Com expressão séria, ele se mostra trabalha. Após o expediente, segue até as proxi- preocupado em conseguir um emprego, o que midades da Avenida Marechal Floriano. Vai não é difícil quando uma pesquisa recente do estudar. E por volta das 22h30 o ciclo recome- IBGE mostra que a taxa de desemprego do ça. O ônibus realmente faz parte de sua vida e, mês de julho é a maior desde 2009. Tempos embora seja necessário, ele lamenta:- difíceis.

– Acho que perdemos muito tempo só dentro do ônibus.

Celulares à mão. Barulho das teclas e uma nova notificação do Whatsapp. Um braço estendido busca o apoio. É de uma moça, cuja expressão cansada e a bolsa colada ao corpo revelam um dia que parece ter sido cansativo. Tanto como os de Gabriel. Não bastasse, ela é uma das várias pessoas que se submetem Em um banco solitário, uma jovem leitora devora as páginas de um livro de aproximadamente 200 páginas. A movimentação das pessoas aumenta e a inquietação também. Uma gravação anuncia que a próxima parada é o Terminal do Portão. É um sobe e desce e percebe-se o desespero de algumas pessoas para se agarrar e permanecerem de pé. Duas amigas conversam e riem. Uma mostra uma foto de uma criança para a outra e relembra as graci-

nhas de um fim de semana qualquer. Parece seu neto. Ela continua mostrando outras fotos da família, no álbum que agora é digital. Tempos modernos.

Outras amigas reclamam do trabalho e de ter que chegar em casa e trabalhar ainda mais, para filhos e maridos. É a chamada tripla jornada em prática. E de correria e tempo apertado o motorista Fabrício Neves entende. Há 30 anos, ele trabalha transportando as pessoas de uma ponta à outra da cidade. Com horários definidos. Contando os minutos.

Nestes anos de viagem, ele revela já ter conhecido as mais variadas pessoas. E presenciado diversas situações, ora felizes, ora tristes. Já foi assaltado. Já viu passageiros sendo assaltados. Ele descreve um dia que o marcou: tinha acabado de ser assaltado. Ai eu reuni outros passageiros e descemos para ajudar, acionamos a polícia e tudo, só para não deixar o cara fugir. Todo dia é uma história – conta.

Em outra estação, uma menina passa a catraca. Cabelos curtos, no máximo uns 20 anos. Ela carrega um maço de flores. Será que ganhou de alguém? Parece séria. E revela que teve um dia péssimo.

São essas e outras cenas que a cobradora Maria da Luz vê todos os dias. Trabalhando há dez anos no transporte urbano, sendo dois anos de experiência no tubo Eufrásio Correia, ela já presenciou de tudo um pouco. Fez amizades com passageiras e inclusive trocou telefones. Viu brigas e cenas violentas e cenas tão trágicas que chegam a ser cômicas.

“Em toda a cidade, os tubos refletem a vida de quem está de passagem”.

– Aqui a gente vê tudo. Vemos pessoas de tudo quanto é jeito. Umas entram cantando e tocando no ônibus, outras brigando e tratando a gente com falta de educação. Mas é muita gente mesmo – diz a cobradora.

A emoção e o medo também já foram sua companhia de trabalho.

– Já vi briga de gangues na minha frente. Já vi um rapaz ensanguentado que veio correndo depois de levar uma facada. E eu ainda que chamei o Siate. Já vi mulher se pegando pelos cabelos aqui no tubo – relembra, franzindo a testa.

Em meio ao bate-papo, uma das amigas de Maria traz um embrulho. É seu almoço. O relógio marca 15h20. Rotina agitada de quem recebe e dá troco a centenas de passageiros. E assim, a viagem continua! Um homem de uns 45 anos, pedinte, faz um apelo às pessoas para que alguém o ajude a pagar a passagem. Consegue entrar no tubo e sai cantarolando. Fala de Deus e de que ninguém

é melhor que ninguém. O cabelo grande, a barba malfeita e as roupas simples o caracterizam bem. Em uma das mãos, ele carrega um guarda-chuva; na outra, uma muleta. As pessoas em sua volta o olham. Mas não dizem nada. Não interagem. Parecem que criam muros.

“Mas eu paguei a passagem, cara! Não vou descer não”.

Entre idas e vindas nos ônibus, grandes amizades podem surgir, como a do motorista José Maurício e Francisco Domingos.

Bruna Cavalheiro

No intervalo da jornada de trabalho, a fuga de muitos está em compartilhar a solidão.

Crianças brincam com seus balões, o empurra-empurra recomeça. Alguém fala: “guarda esse celular!”. Moleques discutem dentro do ônibus.

– Mas eu paguei a passagem, cara! Não vou descer não – diz um deles exaltado.

– Pagou mesmo? Sai mano! – responde o outro à altura.

Cenas que também são comuns aos olhos do motorista José Maurício de Carvalho que há 26 anos dedica sua vida no transporte público. E nestas idas e vindas, ele destaca:

– São muitas histórias. Já me envolvi em acidente. Fiz amigos. Primeiro, comecei como cobrador. Depois, virei motorista. Muita coisa que a gente vive, sempre com alegria. Como passo a maior parte do meu dia no ônibus, o trabalho é a minha vida – diz.

Dias e noites, da manhã à madrugada, os coletivos são abrigos das mais variadas histórias. Só basta embarcar na viagem e perceber como o ônibus é a extensão da vida.

Bruna Cavalheiro

Bruna Cavalheiro

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