9 minute read

A vitória da superação

Esportes paralímpicos derrubam barreiras que possam impedir alguém de praticálos. Curitiba busca ser uma cidade de referência na área

Gabriel Sawaf

Preguiça, frio, chuva, calor demais ou uma dorzinha sentida de última hora na ponta do dedão do pé esquerdo. Tudo isto às vezes se transforma em desculpa para não se praticar alguma atividade. Não para aqueles que buscaram no esporte uma nova vida.

Assim é a realidade de quem pratica esportes paralímpicos. Pessoas que tiveram suas vidas afetadas por alguma lesão ou que nasceram com alguma deficiência encontram no esporte a chance de fazer algo durante suas vidas. Para eles, resultados podem até importar, mas isto não é a prioridade, já que praticar alguma modalidade já é uma vitória.

Essa motivação alcançou todo o território nacional, chegando até Curitiba. A capital paranaense se projeta para ser um grande centro de referência paraolímpico e foi representada por 13 atletas no Parapan. Enquanto a excelência não chega, diversos resultados já foram colhidos, graças ao amor, dedicação e superação das pessoas que englobam este meio. Algumas instituições, como a Prefeitura da Cidade, a Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP) e ONGs ajudam a motivar e lapidar atletas.

Tênis em cadeira de rodas

O tênis em cadeira de rodas é praticado desde a década de 70. Sua semelhança com a modalidade convencional é grande, tendo apenas diferença nos quiques, que podem ser dois ao invés de um, como acontece na modalidade olímpica.

Em Curitiba, existem alguns projetos que trabalham com o esporte. Um deles está na PUCPR. O Centro Desportivo de Deficientes (CEDE) oferece diversas modalidades em convênio com a faculdade. O tênis é uma delas. “Eu estava no segundo ano da minha faculdade. Surgiu uma oportunidade de trabalhar em uma ONG com pessoas com deficiência. Dessa experiência, surgiu a ideia de trabalhar com o tênis, devido ao fato de eu praticar há muitos anos já. Neste período tenho acompanhado

crédito: Vithor Marques

Tênis em cadeiras de rodas é considerado o mais parecido com o convencional.

torneios internacionais, e com isso o pessoal aprende mais”, conta professora Melissa Mueller, responsável pelas aulas da modalidade no clube.

O esporte ainda não possui atletas profissionais no estado, mas há uma perspectiva para isso. “A gente fundou a Federação Paranaense de Tênis em Cadeiras de Rodas, para que os atletas possam praticar o esporte aqui no Paraná. No esporte, tem muito ranking internacional, então a gente tem que ir a outros estados competir”, relatou Melissa.

Um dos praticantes da modalidade na capital paranaense é Rosélio Pereira, que está otimista com o crescimento do esporte. “Conheci o esporte em 2009 por meio de um amigo em Minas. Em Curitiba ainda não havia essa modalidade, então iniciamos em 2011. Desde então, cada vez mais cresce o número de adeptos do tênis em cadeira de rodas e já tem outros municípios incluindo o esporte. Então, a tendência é crescer ainda mais”, relatou.

Rugby em cadeira de rodas

O rugby em cadeira de rodas, ou simplesmente quad rugby, também começou a ser praticado na década de 70 e entrou nos Jogos Paralímpicos a partir de Sidney 2000. A modalidade não se assemelha tanto com a prática convencional, a não ser nos fortes contatos durante a partida. O esporte é praticado em quadra de basquete, Disputa pela bola no rugby. Este esporte pode ser misto.

com uma bola semelhante a do vôlei e quadro jogadores para cada lado. Ao contrário da prática convencional, os atletas não precisam ficar tocando a bola para trás para avançar ofensivamente, acontecendo toques e lançamentos normalmente. O objetivo é ultrapassar a linha de fundo adversária com as duas rodas da cadeira, em um espaço entre dois cones. Uma das grandes atrações da modalidade é que ela é mista, ou seja, homens e mulheres competem juntos.

Em Curitiba, o Quad Rugby chegou através do cinema. “Eu conheci o esporte através do documentário americano Murderball, que conta sobre o início do rugby em cadeira de rodas. Depois disto, fui fazer um curso na Unicamp em 2010 e em 2011 iniciamos o projeto”,

Linha do Tempo 1948

Na Grã Bretanha, era realizado um evento exclusivo para deficientes físicos.

1960

Os jogos foram aumentando, se internacionalizaram e saíram da Inglaterra, quando foram disputados em Roma

relata Marcelo Martins, treinador das equipes curitibanas Gladiadores e Titans. Hoje, os treinos acontecem no Ginásio da Polícia Militar de Curitiba e é desenvolvido pela ONG Saúde Esporte.

Mais do que uma prática de iniciação, o quad rugby hoje em Curitiba é uma referência em questão de rendimento nacional. Dos 12 convocados para a seleção brasileira que ficou em quarto lugar no Parapan, cinco jogam na equipe Gladiadores. Um deles é Anderson Kaiss, conhecido como Tico. “É uma gratidão enorme estar na seleção, nós sabemos que tem muita gente que queria estar onde nós estamos, então para mim isto tem um imenso valor”, relatou. O exemplo de Tico também inspira outros atletas que são colegas de treinos. É o caso de Jeferson Ferreira, que está no esporte há seis meses. “A gente acompanhando os jogos de Toronto foi muito bacana, porque é um privilégio ver seus colegas representando o seu país. E aqui dentro todo mundo é uma equipe, que busca crescer e aprender junto”, disse o atleta, que conheceu o esporte em um jantar no Madalosso. ço. As regras são as mesmas. E a velocidade dos movimentos dos atletas é algo que impressiona na esgrima com cadeira de rodas.

A modalidade é praticada em Curitiba em uma das academias mais conhecidas da região quanto ao esporte, a Mestre Kato, em parceria com a ADFP. Os atletas da esgrima convencional e de cadeira de rodas treinam juntos. Isto amplia a convivência e também traz inspirações. O esgrimista Athos Schwantes, que participou da Olímpiada de Londres em 2012, festeja essa convivência. “É muito importante ter essa con-

vivência. Eu vejo isso sendo como um passo natural e fundamental, já que somos iguais”, argumentou.

Um dos atletas que estão dentro do projeto é Leandro Camargo, que sofreu um acidente há um ano e quatro meses, colocando-o numa cadeira de rodas, e está na modalidade há seis. “Eu conheci o esporte pelo meu ex-cunhado, que já praticava e depois me convidou para vir. Gostei e a experiência está sendo muito bacana, ajuda a gente se recuperar da lesão”, argumentou. Camargo tem vários sonhos

“É o intercâmbio: eu ensino esgrima e eles me dão uma lição de vida.” Esgrima em cadeira de rodas Um dos mais belos esportes esteticamente está presente nos Jogos Paralímpicos desde o come-

1989

União do Comitê Olímpico e o Paralímpico. Assim surgiu o que conhecemos como Paralímpiadas.

1992

Primeiras paralimpíadas disputadas em Barcelona, na Espanha.

2016

Paralímpiadas do Rio de Janeiro, em que serão disputadas 20 modalidades de esportes paralímpicos.

dentro da modalidade. “Entrar para a seleção brasileira, disputar as Paralímpiadas, ir para outros países, isto a gente leva como propósito para a vida”, ressaltou.

Coincidentemente, a inspiração para Camargo estava do lado dele. A seleção brasileira de esgrima em cadeira de rodas treinou por uma semana em preparação ao campeonato nacional da modalidade e para o Mundial da Hungria. Entre os atletas escolhidos para defender o Brasil está o paranaense Sandro Colaço, que pratica a modalidade desde 2010. “Eu me apaixonei pelo esporte por causa de depender somente de mim, da minha dedicação para alcançar os meus resultados”, realçou. Colaço faz parte da seleção permanente, que é comandada pelo mestre Cesar Leiria, que já dirigiu a seleção nacional de esgrima convencional e resumiu em poucas palavras o que acontece nos treinos. “É o intercâmbio: eu ensino esgrima e eles me dão uma lição de vida”.

crédito: Gabriel Sawaf

Na esgrima, as cadeiras são fixadas.

Curitiba quer ser referência

Com a chegada da Paralímpiada e os resultados alcançados no Parapan, o crescimento e a procura para a prática paradesportiva está sendo otimizada. Para isso, a Prefeitura de Curitiba, dentro da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude possui um setor de atendimento ao paradesporto. Dentro das normas tomadas para o incentivo desta prática, está o convívio de pessoas deficientes em turmas comuns de ginástica, hidromassagem e natação. “A nossa ideia é trabalhar com a iniciação, para depois focar no rendimento”, explica a professora Gisele Youssef, gerente do setor. As atividades são encontradas nos Portais do Futuro do CIC, Bairro Novo e Boqueirão, além de todos os Centros de Esporte e Lazer (CEL). A Prefeitura de Curitiba está também trabalhando com a questão escolar. Em 2015, os Jogos Escolares Paradesportivos foram realizados junto com os Jogos Escolares. Como não há muitos espaços públicos para rendimentos, atletas especializados são designados em parcerias com instituições que promovem atividades, como a ADFP e a CEDE. “Nós temos profissionais de referência por aqui. Os nossos resultados são muito bons se vermos a estrutura que temos.”

Destaques nacionais

Ricardinho FUTEBOL DE 5

Daniel Dias NATAÇÃO

Terezinha Guilhermina ATLETISMO

Alan Fonteles ATLETISMO

Desempenho brasileiro em competições paralímpicas

1976

Primeira medalha em jogos. Robson Sampaio e Luís Carlos conquistaram a prata na bocha.

1984

O Brasil voltou a ganhar medalhas, só que desta vez foram 28, sendo sete no lugar mais alto do pódio.

Bocha

A grande força curitibana nos esportes paralímpicos. O objetivo do jogo é lançar bolas vermelhas e azuis o mais próximo de uma bola branca. Cada esfera mais próxima da “bola alvo” vale uma pontuação. A modalidade está nos Jogos Paralímpicos desde 1984.

Além da estratégia, o esporte, em sua versão adaptada, é encantador, pois reúne pessoas com lesões sérias, não podendo falar em alguns casos, mas que se dedicam e vencem as barreiras por meio da superação e ajuda de familiares. O professor responsável pelo projeto, Darlan Ciesielski, explica que para a prática é necessário um acompanhante. “A nossa única exigência para a prática da modalidade aqui é que a pessoa tenha autonomia ou que algum familiar acompanhe-a para pegar as bolas e auxiliar no que for necessário”. É o caso do comerciante Antônio Edson, que há seis anos traz seu filho Valério para treinar . “Antes ele não fazia nada, e hoje é para ajudar a vida dele melhorar, ter mais amizades e convívio social”, explicou.

Ao lado do pessoal que está treinando por hobby, estão os atletas da seleção brasileira, recém-chegados do Parapan, comandados por Ciesielski. Entre os atletas está Richardson dos Santos, que conquistou o ouro na categoria BC3 em Toronto. O atleta entrou no esporte após sofrer um acidente de trabalho, há dez anos, que o deixou paraplégico. “Eu comecei a praticar por uma questão de ressocialização. Nunca imaginei que iria conseguir fazer alguma coisa, mas me apresentaram todo o suporte e eu fui me adaptando. Fui treinado e quando vi fui deixando minha vida social de lado para me dedicar só aos treinos”, recordou. Richardson consegue competir por conta de uma calha que o auxilia, e para seu apoio está sua esposa, Adriana Rocha, que é sua atleta-guia. “Quando conhecemos o esporte eu percebi que ele gostou e fui apoiando e hoje estamos aqui”.

Últimas Paralimpíadas

2008

Quebra de recorde de medalhas na Paralimpíada. Foram 47 medalhas

16 14 17

Atletas curitibanos estão se preparando para o Rio 2016.

2015

Os atletas brasileiros ficaram em primeiro lugar no quadro de medalhas do Parapan de Toronto.

1988 1992 1996 2000 2004 2012

4 9 14 27 3 0 4 0 2 6 13 21 6 10 6 22 14 12 7 33 109 74 74 257 21 14 8 43

This article is from: