Revista CDM Impressa #38

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rua é
De 2013 à 2015, emoção e luta ocuparam as ruas
revista corpo da matéria
CURSO DE JORNALISMO PUCPR
ano 13 - edição 38 novembro de 2015 A
do povo
pucpr.br/extensao IR ALÉM? o que MAIS DE 100 OPÇÕES DE CURSOS DE EXTENSÃO DA PUCPR te faz CONHEÇA OS DESTAQUES DO MÊS: GESTÃO TRIBUTÁRIA DE IMPOSTOS INDIRETOS GREEN BELT IMAGEM PESSOAL, AUTOESTIMA E SAÚDE

Corpo da matéria

Ano 13 - Edição 38 - Novembro de 2015 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR

Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR

REITOR Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Julius Nunes

COORDENADOR EDITORIAL Julius Nunes

COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO Rafael Andrade

Amanda Lopes Ribeiro, Andressa Paola Elesbao, Crislaine Franco da Rocha, Debora Helena Dutra Ferreira, Eduardo Manoel Nogueira Soares de Souza, Evelise Kruger Muncinelli, Everton Luis Almeida de Lima, Fernanda Bertonha, Franceslly dos Santos Catozzo, Geane Godois Leite, Giovanna Kasezmark dos Santos, Glaucia Inocência Périco, Isabel Maria dos Santos, Isabella Santos Lanave, Jaderson de Almeida Policante, Jeslayne Magalhães Valente, Leonardo Ferreira Fonseca de Siqueira, Manuella Costa PIres, Marcio Luis Galan Junior, Monica dos Santos Seolim, Pedro Luiz de Almeida, Priscila Tobler Murr, Raphaela Pechini Viscardi, Renata Fernandes Valente, Thamiris Thibes Mottin, Thiago Miotto Vilas Bôas, Victor Hugo Mendes dos Santos, Victor Lucio Waiss

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Imagem de capa: Isabella Santos Lanave - 6ºP Jornalismo

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POLÍTICA

A emoção que vai para as ruas 6

COMPORTAMENTO

A mulher através das gerações 12

SOCIEDADE

Casa 274 14

Club dos negros 20

Entre a tecnologia e as tradições 22 Da aldeia à universidade 30 Em busca dos desaparecidos 38 A herança quilombola 42

CIDADES

A rua dos curitibanos 52 Entre o medo e a agressão 56 Parklets 60

Smartphones facilitam a vida de passageiros 62

ECONOMIA

Gastronomia na nostra terra 64 Mudar ou não mudar 68

COMPORTAMENTO

Conexão mundo 70 Cozinha sobre rodas 74 SAÚDE

Você come o que? 78

CULTURA

Best seller, vilão ou mocinho? 84 A volta dos bolachões 88

ESPORTES

Compartilhando sonhos 90

Pádel 96

Cicatrizes para a vida 100

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A emoção que vai para as ruas

Diante do panorama histórico, cultural e social brasileiro, parte da população vai às ruas por diferentes causas e auxiliada pela tecnologia

Texto: Manuella Pires

Fotos: Isabella Lanave

Diagramação: Thiago Vilas Boas

Edição: Isabella Lanave e Thiago Vilas Boas

O Brasil está passando por uma onda de protestos e manifestações que se generalizaram de forma mais intensa depois de 2013. Diversos grupos sociais toma ram força e levaram milhares de pessoas para as ruas. A população tem se mostrado crítica e atuante, e vai até à rua com diferentes formas de se manifestar.

“A nossa atual conjuntura nos indica uma tendência de in satisfação geral: nós estamos insatisfeitos com o prefeito, com o governador, com o presiden

te, insatisfeitos com os partidos políticos, com o Judiciário, com tudo. Portanto, isso vai se mani festar de diferentes formas, uma delas é na rua”, explica o cientista político e professor da Universi dade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Cervi.

Além disso, essa onda de mani festações populares tem ocorrido das mais diferentes formas. “A rede também proporciona que um grande número de pessoas es tejam interligadas, e, que quando conectadas, recebam e troquem

mensagens instantaneamente. Tudo isso tem influenciado na forma das pessoas se manifesta rem”, complementa a mestre em Educação Dulce Eliane Mourão de Andrade.

DIÁLOGO

O ativista por direitos humanos e educação política Luan de Rosa E. Souza acredita que o objetivo a ser alcançado com qualquer manifestação é o diálogo com a opinião pública e o ganho do apoio das massas de uma forma

Professores e servidores públicos do estado do Paraná, protestam contra o governo estadual. Movimento que levaria ao confronto ocorrido em 29 de abril defronte à Assembleia Legislativa do Paraná.

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política

Tropa de choque se aproxima da Assembleia Legislativa do Paraná para o cercamento proposto pelo governo, durante manifestação dos professores em 29 de abril.

geral. “Não me embaso pelo prin cípio da legalidade, eu acho que a lei pode ser injusta da mesma forma que o nazismo era algo aprovado por lei, o Holocausto, a escravidão. Então, a desobediên cia civil nesse caso é compreensí vel”, explica.

Watena Ferreira, representante do movimento negro, participa das manifestações munido de argu mentos e bem informado sobre as pautas que está reivindicando. “Busco construir coletivamente as soluções para resolver problemas da sociedade. Ações de dentro de casa não são suficientes para gerar mudança”, conclui.

Já a organizadora da Marcha das Vadias, Jussara Cardoso, fala a respeito da resistência à violência durante os protestos que já parti cipou: “Resistir à violência, se for possível resistir. A polícia mede o tamanho da violência pelo local onde está acontecendo a mani festação e o poder aquisitivo dos manifestantes. Nas periferias, a polícia não usa bala de borracha, é bala de verdade”, ressalta.

AQUI

No dia 29 de abril de 2015, houve confronto entre a Polícia Militar do Paraná e os professores, que estavam em greve, protes tando contra o projeto de lei que promove mudanças no custeio do Regime Próprio da Previdência Social dos servidores estaduais. O episódio deixou cerca de 200 professores feridos. “Foi um massacre anunciado. Orquestrado desde domingo, quando o Centro

Cívico começou a ser isolado. Foi uma demonstração da postura ditatorial do governador e da Assembleia, omissa e subalterna ao Executivo”, relata a professora Cleusa Fuckner, ativista na causa dos professores paranaenses.

Ao comentar sobre a intensa participação de outros movimen tos populares dentro da manifes tação, o professor de História do Colégio Estadual do Paraná Elias Rigoni afirma que as atuais prá-

“Tiro de borracha
dói, cassetete dói e a polícia não é nada amiga da população.” — Watena Ferreira, representante do movimento negro.
política Jornalismo PUCPR Revista CDM 7
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ticas sindicais são um elemento muito positivo para as reivindi cações. “A imprensa também tem sido positiva, embora por motivos distintos, ela sempre nos deixa angustiados”, complementa.

Em relação à situação de violência por parte do Estado, o ativista de movimentos negros Watena Ferreira relata que não há uma resposta que a população possa dar. “O Estado é uma estrutura preparada para reagir com violên cia. As pessoas que frequentam as manifestações, não. Elas não são treinadas para derrotar um inimigo, a resposta por parte dos manifestantes, infelizmente, deve ser correr”, lastima. Ele ainda alerta: “Tiro de borracha dói, cas setete dói e a polícia não é nada amiga da população”.

Vandalismo

Movimentos, como os black blocs, incitam ao vandalismo dentro dos protestos. Fato, que, muitas vezes, resulta em ação violenta por parte dos policiais e dos manifestantes.

“Vandalismo depende de quem vê, ‘Ah, os caras foram lá e que braram os vidros do palácio’, ok, agora olha a situação que está um prédio público na periferia, as es colas dessas regiões; perceba, não estão na mesma situação? Então, quem fez o primeiro vandalismo? Foi o sujeito que veio quebrar o palácio ou o governador que dei xou depredarem o prédio público na periferia e nunca fez nada para recuperá-lo?”, reflete o professor Emerson Cervi.

O cientista político ainda afirma que toda forma de manifestação é válida, desde que não impo nha ódio ou a segregação como base: “Isso não é liberdade de expressão, isso é crime”, explica. Já a professora Dulce Andrade é totalmente contra qualquer forma de violência. “Não corroboro

com ações que prejudicam a inte gridade moral e física do outro”, ressalta.

Conectados

A partir das novas tecnologias, é possível se expressar de maneira mais rápida e as redes sociais possibilitam a demonstração da insatisfação também de forma

massa”, ressalta Emerson Cervi ao explicar sobre a velocidade como principal fator transformador tra zido pelas novas mídias à forma de se manifestar.

historiador.

online. Hoje, por conta das novas ferramentas, o processo de mobilização é acelerado. Porém, o cientista político Cervi relembra: “A gente não pode cair no equí voco de achar que as ferramentas estão mudando a cultura das pessoas. A cultura não é moldada pela ferramenta. É ao contrário, nós usamos as ferramentas em função da nossa cultura”, conclui.

Para que essas demandas do mundo virtual cheguem até as instituições tradicionais e tenham efeito, se exige um caminho longo e demorado, que perpassa, também, pelas manifestações na rua. “As instituições tradicionais oferecem respostas que elas enten dem atender àquelas demandas mais difusas das manifestações de

Ao falar sobre os ativistas digitais – pessoas que se manifestam pela internet, o historiador Elias Rigoni destaca como pontos po sitivos as formações de grupos de discussões e aplicações positivas desses diálogos. Ademais, ele realça a facilidade na organiza ção, planejamento e execução de eventos sociais públicos. Entre tanto, lamenta: “Tem atividades que recebem um enorme apoio nas redes sociais, mas na hora de se implementar a ação muitos nem aparecem. As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissi pando ideias falsas”, conclui.

Emocional

Nos anos 1980, as pessoas saíram às ruas, também para se manifes tar contra o governo. De maneira mais organizada, por exemplo, no movimento das Diretas Já. “Se

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As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissipando ideias falsas.” — Elias Rigoni,

você pegar qualquer descrição do Brasil, do final do século XIX, início do século XX, sobre o perfil do cidadão comum, você vai ver uma descrição de alguém pouco tolerante, de alguém bastante radical e muito emocional. Aliás, esse é o perfil do latino”, ressal ta o cientista político Emerson Cervi.

A professora Dulce, que é funcio nária aposentada pelo estado do Paraná e hoje dá aulas em cursos de pós-graduação, acompanhou as manifestações dos professores no Paraná, tanto na época de Álvaro Dias, nos anos 80, como agora, com Beto Richa. Ela narra: “Foi mais um massacre contra a

cidadania. Feriram a sociedade paranaense, brasileira e mundial. Esse evento me fez lembrar dos momentos de transição da dita dura para a democracia, quando tínhamos medo de nossos pensa mentos e de falar certos assuntos em sala de aula”.

Reconhecendo a importância da liberdade de expressão, e relem brando do que acontece com a falta desse direito, Dulce ainda afirma: “Lembro quando meus professores na universidade da vam aulas com as portas abertas, temendo que atrás delas alguém estivesse ouvindo o que falavam e que saíssem presos para dar depoimentos sobre suas palavras”.

O fotógrafo e estudante de Design Walter Thoms critica a maneira com que as pessoas se envolvem em manifestações no Brasil e acredita que é preciso se organizar e não “ir de cabeça vazia às ruas”.

Jussara, da Marcha da Vadias, tem esperança na mudança: “O que me motiva é saber que a luta vale a pena. Me manifestar é uma das maneiras que tenho de dizer para o Estado e para sociedade que não estou contente com algo, é a maneira que vejo de ser ouvida, fazendo coro com aqueles que também estão descontentes com algo”, destaca.

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política

Junho de 2013: Praça Santos Andrade tomada de gente por todos os lados. Os gritos pediam por mais educação, saúde e atenção por parte do governo. “Essa Copa não me representa”, “Saímos do Facebook”, eram os cartazes mais avistados.

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A mulher através das gerações

Em busca de igualdade social, com o passar dos anos, mulheres da mesma família en frentam novos desafios dia após dia

Aigualdade entre os sexos é polemizada e tem sido amplamente discutida ao longo dos anos, no Brasil, sobretudo após o cresci mento do movimento feminista no final do século XIX. Nos anos que se seguiram, muitas conquistas foram creditadas às mulheres, tanto no âmbito social, quanto profissional, sem esquecer, inclusive, da liberação sexual (ou seja, do maior poder de escolha do momento em que se deseja ter filhos, impulsionada pelo cresci mento dos métodos contraceptivos, por exemplo). Contudo, po de-se notar, nos últimos 50 anos, a evolução no que diz respeito à imagem que a sociedade tem do que é ser mulher, o que atual mente não se restringe mais a ser aquela em que detém apenas a função – e obrigação – de cuidar da prole, do marido e do lar.

Houve um momento na história em que os objetivos principais inseridos na educação feminina eram o de casar, ser uma boa

esposa (que saiba lavar, passar, cozinhar e, se necessário, obede cer ao companheiro) e ter filhos.

Caso os desejos fossem outros diferentes desses, a mulher seria considerada infeliz, rejeitada ou com algum problema. “Era algo colocado na nossa cabeça desde que nos conhecemos por gente. O marido é quem devia mandar. Afinal, quem colocava o susten to em casa era ele. A nós cabia apenas manter os filhos na linha e a residência em ordem”, explica Alaída Mayer, de 90 anos.

Tais aspectos, no entanto, tor nam-se cada vez mais obsoletos na medida em que a sociedade brasileira se transforma. Em 1965, por exemplo, o país encon trava-se sob a ditadura militar, sendo que 49,9% da população, que equivalia a 84 milhões, era do sexo feminino. De cada cem mu lheres, apenas 11 trabalhavam, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís tica (IBGE). Hoje, os números

se alteraram pouco na porcenta gem, passando para 51,3%. No entanto, de cada cem mulheres, 38 estão empregadas.

Ser mãe é uma escolha

Até 50 anos atrás a maternidade ocupava a vida da mulher quase de maneira integral – e desde muito cedo –, tendo em vista que a estimativa de idade para se ter o primeiro filho era de 19 anos. “Não era raro o número de crianças passarem de meia dúzia. Eu quase cheguei lá, tive cinco. Nunca foi fácil educar filhos e passei por inúmeras dificuldades principalmente quando fiquei viúva”, comenta Alaída que até a morte do marido foi dona de casa e depois se tornou funcionária pública.

Após a popularização da pí lula anticoncepcional, ainda na década de 60, ampliou-se a possibilidade de retardar ou até anular o desejo de ser mãe, como explica a cientista social Solange Fernandes: “Sem dúvida algu ma, a maternidade deixou de ser um destino, para abrir a possibilidade da programa ção dos filhos em termos de quantidade e planejamento”.

Alaída Mayer, Leni Stencel e Michelle Costa, três gerações de uma mes ma família.

É possível constatar os efeitos das

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Geane Godois
comportamento

A convivën cia entre as diferentes gerações contribui para o aprendizado a respeito da vida .

mudanças, das novas possi bilidades e conquista em intervalo de tempo entre uma geração e outra. Leni Stencel, de 60 anos é filha de Alaída, e ao contrário da mãe, que não concluiu o ensi no primário, chegou a iniciar o ensino superior e teve apenas dois filhos. “Casei-me, tive as crianças e me separei. Poderia me acomo dar, mas decidi abrir meu próprio negócio e encontrei um novo companheiro. Já minha mãe pas sou a viver de verdade, depois que eu e meus irmãos cres cemos e meu pai faleceu”, comentou. Alaída concor da e completa: “Permaneci sozinha, o casamento me consu miu e decidi me cuidar depois de cumprir tudo aquilo que achava importante”.

nalismo, mas não atua na área. É responsável pela criação integral dos dois filhos. “Na época da minha avó provavelmente eu seria considerada uma mulher que ti nha alguma coisa errada por estar criando os meninos e vivendo sozinha por opção e não porque

Mudança alheia

O ser humano está em constante mutação física e intelectual. Po rém, a convivência em sociedade permite que as mudanças ocorram de forma grupal. Dessa forma, a mulher mudou, mas o homem

foi à luta.”, Solange Fernandes, socióloga.

fiquei viúva. Felizmente, hoje as coisas são diferentes e tenho orgulho de dizer que trabalho e arco com a maior parte dos cus tos da criação deles”, pondera.

Independência

Sem dúvidas, a inserção no mercado de trabalho é algo que chama a atenção no que diz respeito à igualdade dos sexos, já que nos anos 90 a luta por mais espaço em áreas antes predomi nantemente masculinas ganhou força. “O que se quis e ainda se quer é, na verdade, o sentimento de pertencimento, utilidade e in dependência. A vida não para na ausência de um companheiro e, a partir dessa constatação, a mulher foi à luta”, enfatizou Solange Fernandes.

Michelle Costa tem 38 anos, é neta de Alaída e filha de Leni. Casou-se uma vez e atualmente é divorciada. Formou-se em Jor

Segundo o Censo, 48% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres e elas, inclusive, estudam em média oito anos a mais que os homens. Trabalham conquistando postos cada vez mais altos e de mais poder e pres tigio. Porém, claro que tudo tem um preço e mulher moderna vem pagando isso.

Ou seja, se por um lado a maioria das mulheres atuais espera até aproximadamente os 30 anos para ter filhos e se tornam cada vez mais independentes e segu ras, por outro, a dupla jornada (trabalho + casa) as impedem de acompanhar mais de perto a educação da prole.

também mudou e a sociedade aca bou por seguir essas transforma ções. “A geração dos homens mais contemporâneos estão muito mais participativos, contudo, eles estão descobrindo um jeito próprio de estarem mais presentes. Eles estão ficando cansados de serem apenas ajudantes e querem mais”, explica a cientista social.

Assim, cada vez mais as funções e responsabilidades tendem a se mesclar, aliando-se às técnicas de educação que se tornam a cada dia mais variadas e completas. Algu mas coisas, porém, não precisam mudar. E isso nem sempre é ruim. “Creio que os conselhos dos mais experientes (aquela receitinha de avó, ou o truque da mãe) nunca sairão de moda e tem hoje muita utilização sim, como terá daqui 50 anos. Talvez o que tenha mudado é o modo menos rígido de educar, que é agora mais negociado”, completa.

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“A vida não para na ausência de um compa nheiro e, a partir dessa constatação, a mulher
comportamento

CASA 274

2 + 7 + 4 = 13, 274 é o número do endereço no qual se localiza a Sociedade Beneficente 13 de Maio, que completou 127 anos de resistência negra em 2015

Texto e fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição Manuella Costa Pires

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Uma caixa retangular com isolamento acústico.

Assim poderíamos, de forma simples, definir a área do palco principal da Sociedade Beneficente 13 de Maio. Pelo salão, pequenas mesas de madeira espalhadas estrategicamente para os dançantes também terem o seu espaço. No teto, uma estrela de Salomão, com cinco pontas, branca e iluminada, disposta bem no meio do ambiente. O antigo Clube dos Negros parece não ter nada de diferente de um clube de dança tradicional, se não fosse pelas histórias que as paredes guardam.

Formado em maio de 1888 por ex-escravos que tinham como objetivo reunir os homens recém -libertos, a Sociedade 13 de Maio foi por muito tempo restrita a negros. A partir do Manifesto da Confederação Abolicionista de 17 de abril de 1888, no Rio de Janeiro, que excluía o Brasil de um regime escravocrata antes mesmo do famoso 13 de Maio, deu-se a formação do clube, em Curitiba. Frequentado, hoje, majoritaria mente, por brancos.

O objetivo da sociedade era também ajudá-los em casos de doença, de problemas financei ros, os encaminhando a escolas e faculdades, e até providen ciando funerais. A casa garantia, por meio das contribuições dos associados, um caixa que man teria uma assistência e segurança mínima aos associados, estendida também aos familiares.

BELEZA PURA

Quem não conhece Álvaro da Silva, atual presidente da 13 de Maio, pode ter uma impressão equivocada. Devido a problemas em um olho, para reconhecer quem está falando do outro lado, Silva precisa, antes, se aproximar.

Seria muito difícil ter outro espaço em Curitiba.

E se não reconhece a sua voz, o semblante não é dos melhores.

Entretanto, menos de cinco mi nutos de conversa são suficientes para tirar o primeiro sorriso do presidente. “Beleza Pura!” é como ele termina a conversa e confirma a primeira entrevista para o dia seguinte. O homem que, quando jovem, não tinha muito interesse pelo clube, já está há 21 anos na presidência. Desde que seu pai, Euclides da Silva, através de uma manobra política interna, passou para o filho o mandato.

Segundo Silva, foi de uns dez anos pra cá que a casa ficou conhecida pela sua história na cidade. Devido, principalmente, “a ajuda de pessoas que chegam aqui e jogam capoeira, tocam maracatu, dançam forró”. Algumas dessas atividades com dias marcados e intransferíveis: “O dia do maracatu é no sábado, tem oficina e ensaio. Forró já é tradicional de domingo e a capoeira tem ensaio toda segunda e quarta”, afirma o presidente.

Para Paulo Portes, frequentador do clube há cinco anos por meio

do maracatu, o clube é mais do que um espaço para realizar as atividades. “A Treze é nossa casa. Seria muito difícil ter outro espaço em Curitiba”, afirma Portes. “O grupo lá de Joinville, por exemplo, não tem lugar para ficar. Então a gente aqui agradece muito por poder usar esse espaço, que, há uns sete anos, come çou a ser usado por alguns dos primeiros grupos de maracatu de Curitiba.”

Além do maracatu, muitas pessoas envolvidas com outras manifestações de resistência vinculadas à cultura popular brasileira e africana se aproximam do clube. Fábio Fernando Tavares de Macedo é um exemplo disso. Músico, arte-educador, produtor cultural e frequentador do espaço como público e como artista, foi um dos que organizaram a última oficina de dança e percussão africana dentro do clube.

“Essas atividades servem para ‘en grossar o caldo’, no bom sentido da luta pela afirmação, divulgação e reconhecimento destas práticas de cosmovisão diferenciada”, completa Fábio. Ele, atualmente,

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“A 13 é nossa casa.
” -Paulo Portes, integrante do Maracatu Aroeira.

Em cima, parte da diretoria do clube: Domingos de Souza Barbosa, Marcelo Dias Alves e o presidente Álvaro da Silva. Abaixo, o grupo Maracatu Aroeira, que utiliza o espaço para ofici nas e ensaios.

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faz parte de uma banda de música cubana, que também busca in serção na Sociedade 13 de Maio, “por compartilhar da visão de que trata-se de um local de resistência das culturas ancestrais latinoamericanas que são praticadas e difundidas”, conclui.

O NEGRO É RACISTA

“Uma das três ainda permanen tes instituições formadas por escravos em atividade no Brasil” foi como a Sociedade 13 de Maio foi conhecida por Jailton Santos, pernambucano e morador de Curitiba há quatro anos. “Antes de vir pra cá, eu já conhecia o clube. E quando cheguei, minha integração acabou sendo natural, já que eu venho da participação de outros movimentos negros”, afirma Santos, que hoje é o braço direito do presidente.

Historicamente, Curitiba é uma cidade, como toda capital brasi leira, formada pelas três matrizes básicas fundadoras do país: o indígena nativo, o europeu branco português e o africano. Para Santos, com o passar do tempo, a cidade estratificou a relação entre esses grupos formadores com a presença maciça de alemães, poloneses, italianos e ucranianos, tornando-os majoritários tanto eco nomicamente, como socialmente.

“Eu percebo que, culturalmente, é marcante como se dá a divisão social hoje. Num ambiente onde predomina samba e pagode, pre dominam negros. No forró, será o branco, assim como no sertanejo”, diz o pernambucano. E na 13, não poderia ser diferente. Mas com uma diferença: quase não há negros nem no samba. “Os negros que frequentavam aqui foram envelhecendo”, afirma Santos. Além das mudanças nas tradições e nas atividades do clube, que, por algum motivo, não fez com que os filhos desses antigos frequenta dores se interessassem.

A sala de retratos. Detalhe para a sombra do presi dente, que conta cada detalhe da história do clube.

Para Domingos Barbosa, diretor do clube há 28 anos, “o negro é racista” e vai se afastando de suas próprias origens, muitas vezes por não querer tomar para si essa identificação, como ocorreu na década de 50 com o clube. Depois do grande auge dos anos 30 e 40, nos quais ocorriam bailes lota díssimos, onde a entrada só era permitida de terno e gravata, e os brancos apenas entravam acompa nhados de negros.

OS BAILES

“Sempre vinha um negão lindo lá de baixo, de calça branca com tecido frisado, paletó e chapéu, que eu tinha até inveja! E, para

entrar, deixava o chapéu na porta ria. Meu pai, também, só andava fino, diferente de mim”, dispara Álvaro da Silva, o atual presiden te. Os bailes da década de 1970 no clube fizeram sucesso.

No baile tradicional de aniver sário da casa, realizado todo dia 13 de maio, se nota a presença de convidados que, geralmente, não estão nas festas do clube. São negros mais velhos, bem vestidos, com o samba e a simpatia na ponta da língua e dos pés. Will Santos, 53 anos, frequentadora da sociedade desde pequena com a mãe, é uma dessas que ainda diz

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ter saudade dos grandes bailes da época.

“Vínhamos com a família inteira, adultos e crianças, e sabíamos que a sociedade nos representava. Hoje, muita gente nem sabe”, afirma Will, que apesar disso, reconhece a força de um clube, que já existe há 127 anos. “E somos nós que repassamos essa resistência de geração a geração”, finaliza. Já Darci Batista Rosa, de 61 anos, só vai à 13 de Maio no dia do baile de aniversário: “Não tem mais bailes como antigamen te e eu não gosto de vir nessas outras festas”.

RESISTÊNCIA

A Sociedade 13 de Maio hoje é composta por 13 cargos adminis trativos, ocupados em sua maioria por negros, filhos de antigos presidentes ou antigos frequenta dores. Destes, poucos participam efetivamente de todo o processo administrativo e cultural da casa.

São raros os jovens. Entretanto, a sociedade caminha mais com a ajuda de voluntários apaixonados pela causa do que por outra coisa.

Em Curitiba, o Centro Cultural Humaitá, entidade dedicada ao estudo e pesquisa da arte e da cultura afro-brasileira, vê a socie dade como um símbolo maior da resistência negra em Curitiba. Entretanto, “não existe parceria entre a Sociedade 13 de Maio e o Humaitá. Nesta trajetória centenária em algum momento o clube perdeu sua razão de ser. Razão esta que há algum tempo algumas pessoas, negros e não negros, começaram a lutar para que este clube não seja apenas um bar, mas um forte símbolo de resistência negra”.

Para tentar adequá-lo aos novos tempos, percebe-se que, grada tivamente, o clube começa a ter uma função social, a abrir espaço para cursos, palestras e projetos, “o que é de grande importância

para a cidade de Curitiba, uma cidade que sempre negou seus negros.”, finaliza o “Zelador cul tural Candiero”, como prefere ser identificado o responsável pelo Humaitá. Jailton da Silva acredita que um dos grandes problemas “é que a 13 não está inserida no contexto do século XXI”, pelo simples detalhe de ela não possuir um endereço na web, até pelo fato de não estar inserida nas políticas públicas que surgiram nesses últimos 13 anos.

No último aniversário da casa, comemorado no dia 13 de maio, o presidente organizou um baile oficial, no qual diversos convida dos estavam presentes. Estavam lá vereadores, professores, pes quisadores, advogados e alguns integrantes da diretoria do clube. O aniversário teve uma comemo ração de cinco dias. Segundo o dirigente da casa, os seus convi dados oficiais só apareceram no último dia, com discursos longos e elaborados sobre a importância

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Mesa oficial do dia 13 de maio. Da esquerda para a direita: Pep Bonet, João Car los de Freitas, Brenda dos Santos, Isidoro Diniz, Mesael Santos, Marcelo Dias Alves, Álvaro da Silva, Jailton Santos, Professor Denis, Thiago Oshino e Domin gos Barbosa.

de se ter, possuir e frequentar um clube de resistência como a 13 de Maio.

Apesar das dificuldades para manter a casa em pé, Álvaro não perde o entusiasmo. O sentimen to de quem estava lá, no dia 13, é de esperança. De que existem pessoas lutando pela causa negra, negros ou não, pensando em um bem comum para todos. Entre tanto, o dirigente da sociedade conta que se sente sozinho no barco, pois a própria diretoria não o auxilia. Hoje, o espaço de 127 anos de resistência é mantido com a ajuda de pessoas interessa das pela causa, não ligadas direta mente ao clube. “Sou do tipo de cara que, às vezes, uma vez por ano, acredita no horóscopo”, nos outros dias do ano Álvaro deixa de lado a sorte e trabalha duro: “Eu não vou fazer por fazer, vou fazer para dar certo”, conclui.

de Maio.

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Mãe Orminda ecoando o melhor do samba brasileiro nas come morações do aniversário da Sociedade 13 O presidente, Álvaro da Silva, contando sobre as dificuldades do clube.

CLUB DOS NEGROS

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Isabella Lanave, Manuella Pires, Thiago Vilas Boas
O clube, criado em 1888, com a finalidade de agregar e ajudar ex-escravos. Hoje, o local revive com festa para imigrantes e outros eventos de cultura popular.

Sociedade 13 de Mario, conhecida como Club dos Negros, recebe Recif Music, banda formada por imigrantes haitianos residentes em Curitiba.

Os haitianos dizem se sentirem em casa mesmo estando tão distantes de seu país de origem.

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22 Revista CDM Jornalismo PUCPR sociedade Entre a tecnologia e as tradições O mundo guarani em Piraquara. Histórias sobre as visitas na aldeia Araçai contam como os jovens índios estão se adaptando às influências externas e, ao mesmo tempo, preservando sua cultura Texto: Manuella Costa Pires Fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição: Isabella Lanave e Thiago Vilas Boas

Não muito distante de Curitiba existe uma aldeia guarani, onde vivem cerca de 90 índios oriun dos do interior do Paraná. Karai Tataendy Marangaju, o Marco lino da Silva, é o grande respon sável pela migração da tribo há 15 anos. Karai, que por muito tempo se manteve como cacique da aldeia, passou a responsabili dade para seu filho Wera Kangua Ju, o Laércio da Silva, há aproxi madamente dois anos. Segundo Laércio, não porque ele é o filho do cacique, mas sim porque “dos homens da aldeia, ele julgou que eu fosse o mais preparado”.

O pai do cacique trabalha na secretaria da escola da aldeia, Mbyá Arandu: Sabedoria Guarani, fundada há 13 anos pelo Colégio Bom Jesus. Lugar onde as crianças têm o primeiro contato com a língua portuguesa, além de manterem aulas também em guarani. A estrutura da escola é precária: construção de madeira com duas salas de aula, uma pequena cozinha, computadores antigos e uma secretaria, cons trução provisória que já dura 13 anos esperando o projeto final.

Segundo o professor mais antigo da Mbyá Arandú, Fernando Var gas, 28 anos, juruá (“não índio” na língua guarani), a escola está um pouco melhor agora. “Antes o chão era de terra e os alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) tinham aula em uma estrutura de sapê e barro, improvisada na frente da escola.” Hoje, as aulas do EJA acontecem em outro espaço, construído recentemen te pela própria comunidade indígena e com o auxílio dos professores.

Os jovens “Desde o primeiro contato com o homem branco, o índio desejou ter algumas coisas que

ele viu. Como é normal em nós também, ver uma sociedade diferente e querer alguma coisa que você ache importante ou ache interessante”, afirma Vargas. Nos dias atuais cabelos pintados, bonés de aba reta, tênis de marca, smartphones conectados a jogos e redes sociais fazem parte do cenário da aldeia araçai.

O processo de transfiguração do índio recebe constantemente críticas de quem não conhece a realidade indígena. “Dizer que eles não podem ir para a cidade estudar, não podem usar um boné bonitinho, não podem usar um tênis bacana, você está querendo que não ocorra esse processo de transfiguração que já tem mais de 500 anos. E você vai interrom per isso como?”, argumenta o professor.

Para o cacique da aldeia, a televi são é um reflexo muito negativo da sociedade, principalmente para as crianças e adolescentes, os que mais assistem. Entretanto, “seria uma imposição ir de casa em casa e dizer que eles não podem ver”, comenta Wera. Assim como aconteceu com a senha do Wi-Fi da escola, à qual hoje quase todos têm acesso. “A gente tem que falar a realidade: assim, nossa cultura vai se perdendo. Mas é impossível entender a cabeça dos adolescentes daqui. Tudo é novidade para eles, é um mundo diferente. A gente nunca sabe se o próximo jovem que sair daqui vai se interessar em voltar e valorizar o que viveu anteriormente, como eu fiz”, desabafa o cacique.

Os jovens– parte 2

Existem sete jovens da aldeia Araçai que vão todos os dias até o Colégio Estadual Mário Braga, em Piraquara, com um transporte oferecido pela prefeitura da cida de, para concluir o ensino médio. Segundo o professor Fernando

Vargas, continuam recebendo um acompanhamento da escola Mbyá Arandú. “A gente dá todo o apoio. Eles podem fazer as tarefas aqui, usar a internet da escola. Qualquer coisa que acontece lá, a gente fica sabendo aqui.”

Em um dos dias em que fomos visitar a aldeia, duas jovens chegaram à escola da tribo com um bilhete do Colégio Mário Braga. Elas cumprimentaram o professor e, numa breve inte ração, já foi possível ver a forte relação entre professor e comuni dade na prática. “Eles são muito tímidos. É difícil a criançada sair conversando. Há alunos que só agora, no terceiro ano do ensino médio, estão começando a fazer amizades com o povo não índio”, comentou Vargas, depois que as meninas foram embora.

A questão do nomadismo indígena ainda permanece na aldeia Araçai, principalmente com os jovens. “A gente tem um restinho de nomadismo e eu in centivo a piazada a viajar mesmo. Quer viajar, viaje, mas não pare de estudar”, afirma Vargas.

Eliane Faustino, de 18 anos, Kerexu Miri, é um bom exem plo. Durante uma das conversas, ela comentou que iria se mudar da tribo na próxima semana. Quer ir para o litoral paulista, onde moram seus sogros. Kerexu estudou até a 4.ª série e parou os estudos aos 14 anos. Com 15, teve seu primeiro filho, que hoje tem 3 anos. Ela tem também um bebê de oito meses, Pará Popy (ou Rubiane, em português). Segundo a mãe, os filhos por enquanto só entendem guarani. “Eles aprendem o guarani em casa, o português só na escola. Na nova aldeia, não tem o EJA, eu não vou poder continuar meus estudos, mas eles vão poder começar a estudar na escola de lá”, comentou Kerexu.

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Mas o que vocês estão fazendo aqui?”, pergunta Laércio, que se sente intimidado pelo fato de não saber da nossa reporta gem na aldeia. Explicamos que somos estudantes de Jorna lismo e já tínhamos falado com o senhor Marcolino, que autorizou as nossas entrevistas e fotografias. Depois de tudo acertado, o cacique de 26 anos começa a se sentir mais à vontade.

De olhar tímido, Laércio é o único que saiu da Aldeia Araçai para fazer faculdade. Ficou um ano estudando Ciências Sociais na Universi dade Federal do Paraná, mas o deslocamento diário de duas horas para ir, mais duas para voltar, foi desgastante. Laércio não aguentou viver longe do seu povo.

Voltou para a calmaria da al deia, como ele próprio afirma, e hoje acumula diversas fun ções, cuida de toda a papelada, vai ao fórum, à prefeitura, à Secretária de Educação e a to dos os lugares onde algum pro blema tenha que ser resolvido.

Quando morava em Guarapu ava, durante o ensino médio, teve contato com antropólogos e professores que, segundo La ércio, o ajudaram a ver de fora e a entender a importância que a cultura tem no todo. E o conselho que ele tem para os jovens hoje é esse: “Valorizar a sua própria cultura, vendo do alto!”.

Ao falar sobre a gravidez de sua mulher, um sorriso se estampa no rosto do início ao fim. Para ele, o conhecimen to do índio vem sempre das crianças, que representam o futuro da geração, da aldeia e do mundo. E, pelo fato de ser tão novo e já cacique, ele tem muita confiança nas próximas jovens lideranças.

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“Desde o primeiro contato com o homem branco, o índio desejou ter algumas coisas que ele viu. Como é normal em nós também, ver uma sociedade diferente e querer alguma coisa que você ache importante ou ache interessante”

A cultura

Quando se entra na aldeia, dois lugares chamam aten ção: a Casa de Reza e uma imagem grande na parede do posto de saúde. Laércio (Wera Kangua Ju) conta a história da imagem: “Uma galera de Portugal veio aqui e projetou na parede do posto a foto da minha avó, Emília, que faleceu faz um ano. Aí todos da aldeia ajudaram a raspar a madeira para fazer essa arte”. Já na Casa de Reza, acontecem cerimô nias todas as manhãs e tardes, regidas pelo senhor Marcolino (Karai Tataendy Marangaju). O professor Vargas acredita que o local, que funciona como uma espécie de templo, é uma das principais fontes de preservação da cultura indí gena dentro das tribos. “Isso é fundamental para eles. Por isso, a nossa escola dedica uma aula por semana para a Casa de Reza. Então mesmo que as crianças já frequentem o local todos os dias, tem mais um dia da semana em que eles vão de novo no horário de aula”, com pleta o professor.

Vargas também dá aula de ensino religioso na aldeia e utiliza esses encontros para mostrar outras religiões, mas sempre ressaltando a necessida de de preservar a religião deles. Ele disse que algumas pessoas têm uma visão superficial da questão indígena e não enxergam o que realmente se passa no dia a dia dos guaranis. “Ninguém de fora vê um pai saindo com o filho para pescar, uma menininha de 5 aninhos lavando a própria roupa, uma criança de 3, voltando com um saquinho cheio de peixes...”, afirma Vargas.

O professor ainda contou que, depois da primeira menstrua

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ção, as meninas ficam reclusas por volta de uma semana e raspam o cabelo. “Porque o cabelo é uma questão de energia para os gua ranis. Então, não adianta falar: ‘Ahh, eles pintaram o cabelo.’ Eles sabem o que representa, eu acho que é isso que importa”, conclui. Ao contar sobre sua experiência pessoal de adaptação na tribo, o

então o máximo que os índios re sidentes podem fazer é uma horta.

Por isso, segundo Wera kangua Ju, o pessoal só come produtos orgânicos nas cerimônias religiosas grandes, nas quais eles recebem ín dios e alimentos de outras aldeias. Ele explica, também, em relação ao preparo dos alimentos: “Aqui tem fogão a gás, fogão à lenha, fogo de

professor conta: “As pessoas não têm a paciência de tentar enxer gar o tempo deles, que é bem mais calmo, bem tranquilo, com bem menos pressa”.

Já o cacique Wera Kangua Ju conta porque o nome indígena verdadeiro raramente aparece na certidão de nascimento. “A ceri mônia para dar o nome da crian ça acontece mais ou menos um ano depois do nascimento. Um ancião, que seja o líder espiritual da aldeia — aqui é o meu pai — entra em contato com o espírito da criança e o próprio espírito conta a ele o seu nome.”

A tribo está localizada em uma área de preservação ambiental,

chão, tudo depende do momento. Quando tá mais frio a gente faz fogo de chão e já aproveita para se esquentar também”.

O cachimbo tradicional feito de nó de pinho também é preservado na aldeia. Para os guaranis, a fuma ça tem o significado de purificação do espírito e do corpo. “Fumamos tabaco. Não é maconha, como muitos pensam. A gente só puxa a fumaça na boca e solta, não fuma igual cigarro, que vai até o pulmão, estraga, apodrece lá e volta; só pito pela boca mesmo. Claro que tem gente que já criou o hábito e pita sempre, mas quando usamos nas cerimônias, é com o significado da purificação”, conclui o cacique.

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A cerimônia para dar o nome da criança acontece mais ou menos um ano depois do nascimento. Um ancião entra em contato com o espírito da criança e o próprio espírito conta a ele o seu nome.”
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“Não existe guarani ateu. Ele pode perder tudo, mas continua acreditando na nossa religião. Quando o índio perde isso, deixa de ser guarani.” Wera Kangua Ju, cacique da tribo Araçai, sobre a Casa de Reza.

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Da aldeia à universidade

Índios paranaenses possuem reserva de vagas em universidades públicas do estado, mas ainda têm dificudade para se formar

“Avistamos homens que andavam pela praia (…) Pardos, nus, sem coisa alguma que cobrisse suas vergonhas.Traziam arcos nas mãos e suas setas. (...) Mas não pude deles, saber fala nem entendimento que aproveitasse.”

Este é um trecho da carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei Manuel de Portugal, para descrever suas percepções sobre a recém-descoberta terra, que, mais tarde, viria a se tornar o Brasil.

Tantos séculos depois, fica claro que, quando o assunto é a popu lação indígena, grande parte das pessoas sabe tão pouco quanto Caminha. Por algum motivo, o brasileiro não estuda, ou não se interessa, pela cultura dos índios.

Os mais de 800 mil indígenas brasileiros e 26 mil índios parana enses passam despercebido pelos olhos da maioria das pessoas, mas já estão ocupando outros espaços além das aldeias.

As terras do Paraná abrigam

indígenas das etnias guarani, caingangue e xetá, com 40% deles vivendo em aldeias ou terras demarcadas. Alguns desses indi víduos resolveram enfrentar as dificuldades e ingressar no ensino superior, principalmente com o objetivo de ajudar suas comuni dades e famílias, além de aumen tar o nível intelectual e ingressar no mercado de trabalho.

Professora dá aula do idioma caingangue para crianças da aldeia Kakané Porã

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Texto: Everton Lima e Franceslly Catozzo Fotos: Victor Waiss
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A questão no Paraná

No ano de 2001, a Câmara Le gislativa do Paraná definiu a Lei 13.134, que garante ao estudante indígena o acesso ao ensino su perior em todas as universidades estaduais, mais a Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estado foi o primeiro no Brasil a instituir políticas afirmativas étnico-raciais na legislação, exigindo que vagas suplementares fossem reservadas para indígenas de comunidades paranaenses, assim surgindo o Vestibular Indígena do Paraná. Entretanto, o ingresso ao ensino superior não é o único problema enfrentado pelos indígenas.

A evasão dos indígenas é conside rada alta, já que, das pessoas que ocuparam as 460 vagas ofereci das desde o primeiro Vestibular Indígena, em 2002, somente 38 se formaram. Isso trouxe a neces sidade de um acompanhamento que só se firmou em 2006, com a criação da Comissão Univer sidade para os Índios (CUIA), composta por professores que auxiliam esses estudantes.

O vice-presidente estadual da CUIA e coordenador da comis são na Universidade Estadual de Londrina, Wagner Amaral, fez uma pesquisa e aponta algu mas dificuldades que levam ao

abandono do curso, entre elas, a discriminação. “Existe um pre conceito de outros para com eles e também um autopreconceito. Muito se sentem inferiorizados, invisíveis e que não são percebi dos dentro da universidade.”

uma bolsa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Possui gradua ção em Jornalismo pela Universi dade Positivo e pós em Comuni cação Audiovisual pela PUCPR, em Curitiba, sendo autora de um premiado documentário sobre os povos indígenas.

eu vou fazer alguma

Caciporé Jorge Correia de Lima, 65 anos, é pajé da aldeia Kakané Porã, em Curitiba, pertencente a etnia caingangue. Ele conseguiu uma vaga na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), no curso de Teatro, por meio do vestibular comum. Ele conta que sofre por ser indígena. “Estou tendo muita discriminação dentro da faculdade. Quando eu vou fazer alguma performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam. Querem fazer a cultura dos gregos e dos romanos, mas quando se fala na cultura indígena, ela é afastada.”

Vinda de um povo considerado guerreiro, Sandra Terena, 30 anos, se formou com auxílio de

Ela defende a escolaridade a nível superior dos índios e diz que isso ajuda a garantir mais direitos. “O indígena usava muito a ferramen ta de guerra. Hoje em dia, a luta é com a caneta. Se vocêwnão sou ber falar, escrever um bom texto ou articular um bom discurso, como você vai reivindicar o que você precisa?”.

Sandra também enfrentou pro blemas financeiros e dificuldades com o deslocamento, já que pegava cinco ônibus para chegar até a universidade. Atualmente, o enfrentamento de tudo isso valeu a pena. “Hoje me sinto realizada.”

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“Quando
performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam.”
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“O indígena usava muito a ferramenta de guerra. Hoje em dia, a luta é com a caneta.”

Onde estão os estudantes indígenas

Distribuídos em oito universidades no Para ná, os alunos precisaram comprovar a sua origem indígena para se matricu larem, mas inicar o curso não significa que ele será concluído

O mapa revela a propor ção de estudantes que ingressa ram no curso em 2013, por meio do Vestibular Indí gena, mostrando os que evadiram e concluíram a graduação no mesmo ano.

* Dados do Relatório Estudantes Indígenas IES Públicas Paraná 2010-2014 e da coordenação das universidades.

*UNESPAR não possui dados, pois seu primeiro vestibular foi em 2014.

Concluintes

Evadidos Outros (Ainda matriculados ou trancados)

Sede do XIV Vestibular Indígena do Paraná 2015. As inscrições vão até o dia 24 de outubro, com provas nos dias 18 e 19 de dezembro no campus Cedeteg de Guarapuava.

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Única universidade do estado a oferecer um ano de preparação antes dos indíge nas começarem o curso superior.

Os cursos mais procurados na universidade são Pedagogia, Educação Física e Administração.

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A UFPR oferece vagas pelo Vestibular Indígena e pelas co tas federais. No ano de 2014, 51 alunos estavam matricu lados, mas a instituição não oferece números de evasão ou ingresso.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 35 6 1 26 13 15 28 1 4 UEL 33 UEPG UENP UFPR 51 6 1 26 13 15 28 1 4 UEL 33 UEPG UENP UFPR 51 sociedade

As principais dificuldades do indígena na universidade, segundo o professor Wagner Amaral:

1.

Limite da escolarização básica: Muitos desses indígenas vêm de escolas públi cas ou escolas da própria aldeia, que não preparam os estudantes para o ensino superior. Em nível nacional, as escolas indígenas mostraram baixo aproveitamen to, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).

2.

Deslocamento: a distância entre a aldeia e as universidades é também um empecilho na hora de cursar o ensino superior. Muitos se deslocam de cidades vizinhas para assistir às aulas.

4.

3.

Timidez: como não se sentem tão à vontade, alguns indí genas podem se tornar mais tímidos, o que atrapalha na retirada de dúvidas com o professor e na apresentação de trabalhos e semi nários.

Língua portuguesa: as etnias presentes no Paraná podem se comunicar com as línguas guarani, caingangue e xetá, mas o que prevalece nas aulas é o por tuguês. Se o indígena não conhece a língua, ele não acompanha as aula.

5.

Preconceito: pode vir dos outros ou dele próprio.

7.

Financeiro: indígenas têm direito a bolsa de R$ 633 para continuar na universidade e R$ 949, caso tenham a guarda de um filho, mas a CUIA entende que essa quantia é ainda insuficiente, já que muitos têm família e acabam ajudando na aldeia.

6.

Informática: apesar de muitos jo vens indígenas se comunicarem de maneira virtual, isso não significa que dominem ferramentas tecnológicas. Eles podem ter dificuldades com o word e power point, por exemplo.

Descoberta da juventude: para algumas comunidades indígenas, não existe o jovem, mas a criança e o adulto. Os indígenas começam a ir para a universida de novos e já com filhos e descobrem a balada, as grifes, o shopping e o boteco. Acontece uma crise, porque ele é jovem na cidade, mas tem uma família constituída na aldeia.

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8.

Ajudando na aldeia

Muitos dos indígenas que ingres sam no ensino superior escolhem os cursos pensando no que podem ajudar dentro da aldeia. Sandra Terena usou seu conheci mento para ajudar na comunida de, e hoje é presidente da ONG Aldeia Brasil, que luta pelo direito dos indígenas e dá mais voz a seu povo. Já o pajé Caciporé tem o objetivo de levar o teatro até a aldeia, valorizando mais a sua cultura.

A estudante do ensino médio Fernanda Vargas Lima, 16 anos, é caingangue e já pensa em seu futuro e no das pessoas que vivem ao seu redor. A jovem quer fazer o curso de Agronomia para ajudar seu povo e, este ano, fará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para treinar para o vestibular.

A maior parte dos matriculados na universidade, que hoje somam 196 estudantes, prefere a área da educação ou da saúde, onde po dem trabalhar em conjunto com a comunidade em escolas indígenas e unidades de saúde próximas às aldeias.

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Fernanda Vargas Lima.
Foto Reprodução
Sandra Terena.

DESAPARECIDOS Em busca dos

Só na Região de Curitiba, há cerca de 300 familiares à procura de seus entes queridos

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Não há nenhuma resposta.”

Daiane, professora.

Era um fim de semana e Marcelo avisou para a mãe que iria sair para beber com alguns amigos. Vestiu uma calça jeans, tênis Olympikus brancos e uma jaqueta marrom. Estava bem arrumado, por sinal. Ele se despediu dos pais, saiu pela porta da sala e nunca mais voltou. Mandirituba, cidade em que era bem conhecido e trabalhava como pintor, tem 22 mil habitan tes. Ninguém mais se manifestou com notícias de Marcelo depois desse dia.

Isso ocorreu há mais de um ano e meio. O relato foi dado pela vendedora autônoma Neuza Bar bosa da Conceição, de 62 anos, que procura o seu filho Marcelo Adriano Pires. Ele tinha 40 anos quando sumiu e nunca mais foi visto em sua cidade. “Esta é a terceira vez que o procuro em Curitiba. Fomos duas vezes a São Paulo, cinco vezes a Santa Cata rina. Eu vou às favelas procurar entre os andarilhos. Uma hora ou outra, eu tenho esperança de encontrar”, desabafa.

A angústia de buscar por um parente que, de um dia para o outro, simplesmente desaparece não é história somente da família de dona Neuza. O Paraná possui 758 registros de pessoas desapa recidas até a data de fechamento desta reportagem, sendo que aproximadamente 96% dos casos são de adultos e adolescentes com

mais de 12 anos de idade. De acordo com dados do Sistema de Pessoas Desaparecidas da Polícia Civil do estado, existem 312 re gistros não resolvidos com pessoas dessa faixa etária somente na Re gião Metropolitana de Curitiba.

Quem faz parte dessa estatística é Sérgio Ricardo de Andrade, que sumiu na véspera de Natal do ano de 2011. De acordo com o boletim de ocorrência registrado pela filha, a professora Daiane Caroline de Andrade, de 23 anos, ele fazia uma viagem de ônibus para o interior de São Paulo quan do passou mal e foi levado por uma ambulância até um hospital público. Depois de receber alta, não se tem mais nenhum registro de onde ele teria ido. Hoje, Sérgio estaria com 47 anos.

A família é de Araucária, lugar onde o pai de Daiane nasceu e tinha amigos. De acordo com a filha, Sérgio não tinha por que fugir, já que era apegado aos filhos. A empresa de ônibus, a concessionária que administra a rodovia e o hospital não possuem mais informações sobre o caso. O Centro de Referência e Assistência Social (CRAS) e o Instituto Médi co Legal (IML) não registraram a entrada de ninguém com o perfil dele. “É complicado ir aos lugares e não ter com o que voltar. Não há nenhuma resposta”, diz a filha, que tinha 19 anos quando o pai desapareceu.

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Rotina interrompida

De acordo com o delegado da Polícia Civil Jaime Luz, da Di visão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Curitiba tem uma resolução de casos de desa parecimento de jovens e adultos que se aproxima dos 93%, sendo que o índice maior de solução é entre os adolescentes. Ele fala também da importância de se registrar o boletim de ocorrência mesmo antes de contar 24 horas do desaparecimento. “A comu nicação caso alguém desapareça pode ser imediata.”

Foi o que fez o cabeleireiro Diva nir Santos de Godoi, de 23 anos, quando o seu irmão saiu de casa e não deu mais notícias no dia 24 de março deste ano. Valdir dos Santos de Godoi tinha 35 anos de idade e início de depressão. Foi visto saindo da casa do irmão, no bairro Sítio Cercado, indo em direção ao Pinheirinho. Apesar de vários parentes estarem mobiliza dos, Divanir é o mais engajado na busca pelo familiar. “Acredito que ele está aqui em Curitiba. Toda a família está procurando por ele, mas sou eu que estou a par de tudo.”

A rotina dessas famílias que relataram suas histórias à equipe da CDM foram profundamente modificadas depois do desapareci mento de seus parentes. “A gente procura desesperadamente, por que não dá para se conformar”, conta dona Neuza, que procura o filho Marcelo desaparecido há um ano e meio.

De acordo com o delegado Jaime Luz, é importante que a famí lia não esconda nenhum fato relevante quando for registrar o desaparecimento de uma pessoa, já que isso auxilia na busca da

Divanir procura o irmão.

polícia. “É preciso não omitir nem aspectos positivos nem negativos do desaparecido. De todas as formas, a delegacia vai

investigar quem é aquela pessoa, tanto adultos, quanto adolescen tes”, orienta.

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Enquanto aguardam as investigações, familiares dos desaparecidos divulgam informações sobre parentes.

“A gente procura deses peradamente porque não dá para se conformar.” Neuza, vendedora.

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A HERANÇA QUILOMBOLA

que o Paraná não conhece

antiga morada de escravos em Adrianópolis, na Região Metropolitana de Curitiba, hoje preserva um modo de vida muito diferente do observado nos grandes centros urbanos
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Texto e fotos: Everton Lima
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“O

s homens são porcos que se alimentam de ouro.” Napoleão Bonaparte definiu assim a relação do ser humano com o metal dourado. A “fome” pelo ouro costuma cobrar um preço alto, normalmente pago com vidas e embebido de suor e sangue inocente.

Nem todos os escravos que trabalhavam nas minas de ouro em Apiaí (SP), até o século XVIII, estavam dispostos a se sacrificar. Mesmo sabendo que o castigo para o “escravo fujão” era o tronco, eles estavam dispostos a arriscar. Para quem havia sido raptado de sua terra natal, ser forte não era opção, mas sim obrigação. Lançaram-se então rumo a uma longa jornada em busca da liberdade.

O percurso pela mata fechada não era fácil. Enfrentar as águas fortes dos rios Pardo e Ribeira era o mesmo que desafiar a morte. Não fosse a amizade com os

índios, talvez os negros não tives sem chegado ao seu destino.

O minerador francês João Surá, que fazia o mesmo caminho dos escravos fugidos, almejan do encontrar ouro e prata, não conseguiu alcançar seu objetivo de se tornar um homem rico. Morreu ao cair de uma cachoeira. Os escravos resolveram dar ao quilombo que os abrigaria em segurança o nome do mineiro branco. Nascia então o Quilombo João Surá.

Com o passar dos anos, os mo radores venceram os grileiros de terras até o descaso do governo com eles. Hoje a comunidade quilombola João Surá, localizada no município de Adrianópolis, Região Metropolitana de Curiti ba, conta com orgulho as batalhas vencidas pelo seu povo.

Para chegar até o local, a equipe da CDM levou quase dez horas de viagem, partindo da capital do estado. A única parte do trajeto asfaltado é a da BR-476, o resto do percurso é feito por estradas

de terra, que, em diversos pontos, obrigam o motorista a não passar de 20km/h.

A paisagem mescla trechos pre servados de Mata Atlântica com plantações de pinus, que segundo o morador da cidade, Edson Sou za, 43 anos, suga toda a água dos córregos menores. “Aqui era cheio de córgos (sic), mas os pinus aca bam com tudo. As empresas de reflorestamento compraram quase tudo aqui”, conta Edson lamen tando a mudança na paisagem.

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“As empresas de reflorestamento compraram quase tudo aqui.” Edson Souza, guia de turismo.
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A comunidade João Surá fica a 22 quilômetros do perímetro urbano de Adrinanópolis.

Os herdeiros dos cativos

A aposentada Joana de Andrade, 79 anos, recebe a equipe da revis ta com desconfiança. Nascida e criada na região, “nunca teve von tade de deixar o local”. Católica praticante, ela fala das romarias feitas para São Gonçalo, costume antigo que vem se perdendo, em parte por falta de interesse dos moradores mais novos da localidade.

Os quase 140 moradores de

João Surá são, em grande parte, maiores de 30 anos. Os mais jovens costumam ir embora para trabalhar. Mas não dona Joana. “Nunca tive vontade de ir embora daqui. Minha família toda nasceu e morreu nessas terras”. Dona Clarinda, 62 anos, diz que a qua lidade da estrada impossibilita o trajeto de alguém que queira tra balhar no centro de Adrianópolis e viver na comunidade quilom bola. Para chegar à parte urbana da cidade é preciso percorrer 22 quilômetros em estrada de terra.

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“Nunca tive vontade de ir embora daqui. Minha família toda, nasceu e morreu nessas terras.” Joana de Andrade, aposentada.

Silvestre de Castro, o ancião de João Surá

Seu Silvestre é o morador mais antigo do local. Com mais de 90 anos ele vive em uma casa ainda mais antiga, que possui em seu telhado algumas telhas feitas “nas coxas” dos escravos. As relíquias que sua morada guarda, como, por exemplo, um rádio com mais de 50 anos, são motivo de orgu lho. Dono de uma fala tranquila e gargalhada contagiante, o pa triarca de quatro gerações reclama de algumas atividades que os mais jovens mantêm, como ver tevê. “Eu assisto mais à missa. A televisão tem tanta porcaria, tem coisa boa, mas tem coisa que não vale nada”, opina.

Vizinho de uma capela com mais de 40 anos ele não se envaide ce por isso. Deixa claro que “a igreja é do povo”. Ao relembrar da juventude, mostra o local da casa onde eram realizados bailes, que, segundo ele, “eram algo fantástico”. Ele argumenta que sua geração “tinha mais respeito”. “Os moços tão tomando uma pinguinha e, ás vezes, por qual quer coisa, saem no tapa”, conta em meio à risadas.

Sobre sua origem quilombola, ele brinca: “Aqui nós somos todos quilombolista (SIC)” e acha

estranho algumas pessoas que não reivindicam a ascendência escrava. “Têm uns vizinhos aqui, que são descendentes de escravos e não querem ser quilombolas”, revela.

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Têm uns vizinhos aqui, que são descendentes de es cravos e não querem ser quilombolas.” Silvestre de Castro, aposentado.

O isolamento e a fal ta de lazer pro jovem faz com que ele saia da comunidade.”

Cassiano Matos, secretária.

“Os jovens têm a obrigação de pre servar as conquis tas dos antigos.”

Gislaine Pereira, estudante.

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A volta da filha pródiga

Cassiane Matos, 35 anos, foi embora do vilarejo ainda jovem. Foi trabalhar em Curitiba. Viveu na capital do estado por muitos anos, tinha casa própria e traba lho, mas quando a filha nasceu começou a analisar se a cidade grande seria o melhor lugar para cria-la. “Aqui a liberdade é outra. Lá na cidade, se vive preso, a vida é corrida”, comenta.

Trabalhando como secretária da escola da comunidade, Cassiane confessa que também pensou em ajudar a localidade onde nascera. “Havia aquela vontade de lutar pelo lugar, de vê-lo se desenvol ver. Se as pessoas continuassem saindo, isso iria desmotivar o desenvolvimento”, esclarece.

Sobre a fuga dos mais jovens da vila quilombola, ela diz que “o isolamento e a falta de lazer” voltado para essa faixa etária contribui. Sendo as celebrações religiosas o principal evento do local, Cassiane reconhece que mudanças foram necessárias para atrair os mais novos. “Chegava na igreja só dava gente idosa. Não tinha gente nova, aquilo se torna va cansativo. Muita coisa mudou. Antigamente, a missa ainda era em latim”, explica.

Antigos manuscritos contendo ladainhas cantadas nas romarias estavam se perdendo. Agora, já foram digitalizados e Cassiane tenta mostrar para os adolescen tes a importância da preservação da cultura.

A jovem quilombola

Gislaine Neves Galvão Pereira, de 16 anos, não costuma ir ao shopping. Diferentemente dos adolescentes da sua idade, não está olhando o celular o tempo todo. Pelo contrário, na inter net tem apenas um endereço de e-mail que não costuma checar com frequência. Mas engana-se quem imagina que a jovem está indiferente com o que acontece no mundo. Pelo contrário: ela usa a informação para lutar pela sua cultura.

Cursando o ensino médio no Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos (Diogo Ramos foi um importante professor que alfabetizou adultos na região), sua formação tem ênfase na história e na cultura negras. Atualmente, o colégio tem 24 alunos, 15, no ensino médio e nove, no funda mental. A educação é a principal ferramenta da jovem e é pela educação que ela acredita que o comportamento racista pode ser vencido. “A pessoa racista deve voltar para a escola. Eu não en tendo por que uma pessoa pensa assim. Todas as pessoas são filhos de Deus”, esclarece.

Gislaine sonha em fazer faculda de e voltar para a comunidade para ajudar a fortalecer o local. “Os jovens têm a obrigação de preservar as conquistas dos anti gos”. Orgulhosa das origens do seu povo, resume em uma frase a importância da cultura regional: “Não pode acabar”.

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Desenvolvimento e preservação

O mestre em Tecnologia, pela Universidade Tecnológica do Pa raná (UTFPR) Paulo Renato Dias desenvolveu uma pesquisa his tórica sobre a comunidade João Surá. Ao mesmo tempo em que concorda que o desenvolvimento econômico na região pode preju dicar a comunidade, ele relembra que essas pessoas, descendentes de escravos, já venceram muitos problemas. “O modelo econô mico vigente não leva em conta a cultura e o conhecimento das comunidades, que, para muitos, deve ser aniquilado. Mas, o mais importante é que, mesmo assim, João Surá está lá há mais de 200 anos”, conclui o professor.

Sua opinião pode ser ilustrada por um poema escrito por “Negro Olegário”, que chefiou um grupo com 50 soldados camponeses durante a Guerra do Contestado (leia a poesia abaixo).

“Sô iguar a pica- pau Que quarqué madera fura Sô nas carta o Rei d’Espada Desaforo não atura Sô quinem toro de briga Por nadinha armo turra, Nego bão da minha raça Não tem chão que se apura” Três gerações de quilombolas: Antônio Andrade, 67 anos, o filho Mizael, 33 anos, e o neto, Cauã, 5 anos.

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A rua dos curitibanos

Rua das Flores, Rua da Imperatriz, Rua XV de Novembro ou Calçadão da XV. Os nomes são vários, mas o sentimento é um só.

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Texto: Eduardo Souza, Jaderson Policante e Marcio Galan Fotos: Marcio Galan

Um homem vestindo um elegante terno caminha apressado segurando sua maleta, rumo ao trabalho. Na contramão, uma senhora de mãos dadas com uma criança carrega sacolas e se distrai com as vitrines. Adiante, uma jovem estudante, também apressada, caminha com o celular na mão, ao passo que esbarra levemente em um rapaz. Ne nhum dos dois pede desculpas pela situação, pois ela estava com vergonha dele, e ele dela. Um senhor que estava próximo testemunhou tudo e berrou: “Al moço a R$ 5,90 é o buffet, vamos aproveitar”.

Essas situações ocorrem repetidas vezes na Rua XV de Novembro, considerada o espaço público que mais representa a identidade cultural da cidade. Lá, o curi tibano toma conhecimento da diversidade de culturas existentes na cidade, e, ao mesmo tempo, encontra elementos com que pos sa se identificar e compartilhar.

A Rua XV de Novembro é uma das artérias da cidade de Curitiba, desde quando ainda era conhe cida somente pelo nome de Rua das Flores, devido à quantidade de flores nas casas da rua, em meados de 1820. Neste tempo, a cidade contava com aproxi madamente 220 casas divididas em nove ruas. O nome da Rua das Flores foi alterado em 1880, quando a família imperial visitou a cidade e a Câmara decidiu homenagea-la mudando o nome para Rua da Imperatriz. Mas, em 1889, com o fim do período imperial, a rua passou a ter o nome que se conhece hoje: Rua XV de Novembro. Na virada do século, a cidade cresceu conside ravelmente, impulsionada pela imigração de diferentes etnias. Curitiba já contava com aproxi madamente 80 mil pessoas em 1920, época em que os cinemas Central e Mignon faziam da Rua XV de Novembro o point de en contro dominical dos curitibanos e de todos os paranaenses.

Simbolos da Rua XV: o famoso “bondinho” e os pos tes de luz característi cos.

Em 1972, a Rua XV de Novem bro ganhou a forma atual, sendo a primeira rua do país dedicada ao trânsito exclusivo de pedes tres, tornando-se um ponto de encontro de “todas as gentes”, e um centro cultural para artistas de rua e figuras que se consagra ram ícones da cidade, como o Oil Man, a Borboleta 13, o músico Plá, o Homem-Estátua, o Palhaço da Rua XV, além dos locutores, músicos e demais artistas, sendo um espaço compartilhado pelas pessoas que a frequentam, seja para consumir, para trabalhar ou para se distrairem.

Caminhar pelas pedras de petit pavê da Rua XV dá ao frequen tador uma noção do tamanho da cidade de Curitiba, que pode parecer gigante para quem vem do interior do estado, mas que é consideravelmente pacata para quem vem de uma metrópole maior, como Rio de Janeiro e São Paulo.

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Boca Maldita

A Boca Maldita é um pedaço da Rua XV de Novembro, famoso na cidade e no país. Hoje, é talvez o mais nobre de todos os espaços. No inicio do seculo XX, a Rua XV se estruturava, os primeiros jornais da cidade surgiam, e, junto com eles, o período de experimentação de um novo sis tema político. Também o futebol passou a ganhar notoriedade na cidade e a rua era ponto de en contro de cartolas e de cidadãos rumores repercutindo os resulta dos do Campeonato Paranaense.

Porém, oficialmente, a Boca Mal dita foi fundada apenas em 1956, por Anfrísio Siqueira, fiscal de rendas do estado que tinha como costume se reunir com amigos em um café próximo à Praça General Osório para debater assuntos da cidade, tendo sido depois um im portante espaço para a resistência democrática, abrigando protestos contra o regime militar e pelas eleições Diretas.

desde o início dos tempos aco lheu imigrantes da cidade. “Aqui na Boca Maldita é um encontro dos imigrantes italianos, judeus, poloneses. A gente conversa sobre futebol, sobre governador, sobre prefeito. Também temos nossa parte no Brasil”.

Diversas são as versões a respeito da origem do nome Boca Mal dita. A versão mais conhecida é a de que o nome teria sido dado pelo jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior, que teria sugerido o nome com o intuito de exaltar a liberdade de expressão. O lema da confraria seria: “Quem morde a língua, morre envenenado”.

Moutih Ibraim, no entanto, tem uma versão etimológica curiosa da Boca Maldita. O cavalheiro conta que na época da fundação, um mascate árabe recém-chega do ao Brasil chamou a atenção dos demais cavalheiros na época quando tentou cantar uma mu lher italiana, elogiando suas curvas. Indignada, a moça o respon deu: “Turco, você tem uma Boca Maldita!”. O delegado da cidade na época e Anfrísio Siqueira, que presenciaram a cena teriam gosta do do nome, e decidiram batizar o espaço de confraternização com a expressão utilizada pela moça. “

O presidente da Sociedade Árabe de Curtiba e integrante da confraria Cavalheiros da Boca, Moutih Ibraim, é frequentador da Boca Maldita há mais de 30 anos. Segundo ele, a Boca Maldi ta foi um espaço democrático que

O centenário Relógio da Praça Osório foi inaugurado em 1914.

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Aqui na Boca Maldita é um encontro dos imigrantes italianos, judeus, po loneses. A gente conversa sobre fu tebol, sobre governador, sobre pre feito.
- Moutih Ibrahim, presidente da Sociedade Árabe de Curitiba e integrante da confraria Cavalheiros da Boca.

As personalidades

Mais do que personagens da Rua XV de Novembnro, eles são

Oil Man

Figura lendária idealizada e rea lizada pelo curitibano Nelson Rebello, professor aposen tado da rede estadual que descobriu o personagem após conselhos médicos que o levaram a fazer exercícios aeróbicos e a andar de bicicleta pelas praias de Mati nhos. Rebello trouxe a ideia para Curitiba e foi conquistando notorie dade com o passar dos anos. A estratégia do Oil Man envolve dissolver uma notável quantidade de óleo sobre o corpo e pedalar pelas ruas de Curitiba e região de sunga.

Plá

Outro cidadão notável da cidade que se destaca pelo uso da bicicleta. Sobretudo, Plá é o artista de rua mais popular da cidade. Suas músicas ressaltam a sustentabilidade e a “loucura”. E co mum vê-lo se apresentando no calçadão da Rua XV, seu principal palco.

Borboleta 13

No horário do almoço, ela disputa a atenção dos pedestres com os ar tistas e locutores que anunciam o alwmoço a preços populares. Seus bordões mais famosos são: “Bor boleta 13” e “Olha a cobra, corre hoje”, que servem para anunciar a venda de cartelas do jogo do bicho. É comum encontra-la na Rua XV, mais especificamente na esquina com a Rua Monse nhor Celso.

figuras icônicas da cidade Homem-Estátua

O Homem-Estátua é uma das figu ras mais clássicas do local. Ele costuma se comportar como estátua durante a maior parte do tempo. Eventual mente ele dá algum susto em alguém que esteja distraído. Quando ele percebe que está pres tando atenção nele, ele costuma interagir após o depósito de algum valor em dinheiro em sua caixa. Independentemente do valor, ele trata a todos com a mesma atenção e faz a alegria das crianças.

Leão Brasil – Locutor

Leão Brasil representa um significativo número de pessoas que trabalham com locução na Rua XV, seja para divulgar uma loja de roupas ou para anunciar o preço do almoço dos restaurantes. A diferença fundamental de Leão Brasil é que ele se veste de maneira personalizada e é facilmen te reconhecido. Ele já se canditatou a vereador em Curitiba, mas nã foi eleito

O Palhaço da XV

A intenção do personagem é animar as pessoas que tran sitam pela calçada, mas há quem não goste. O Palha ço da XV dá as caras nas proximidades do bondinho eventualmente, e costu ma ser a atração principal para quem está dando um tempo nas lanchonetes próximas. Muitas pesso as interagem e gostam da animação do palhaço, já outras preferem caminhar nas beiradas do calçadão para não serem abordadas por ele.

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Entre o medo e a agressão

Paraná está entre os três estados brasileiros mais perigosos para as mulheres quando se trata de violência doméstica. Burocracia no atendimento às vítimas é um fator que agrava o quadro

Texto: Fernanda Bertonha e Mônica Seolim

Fotos: Fernanda Bertonha

Em

Vanessa Fogaça, jornalista.

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Curitiba, a cada 100 mil mulheres, 10,4 são agredidas no ambiente doméstico.
“O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção.”
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De acordo com o Relató rio Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil, de junho de 2013, o Paraná é o terceiro do país na quantidade de morte de mulheres vítimas de violência doméstica. São 6,4 homicídios femininos a cada 100 mil mulheres. Apesar das iniciativas públicas nesse setor, vítimas reclamam da falta de suporte oferecido.

Curitiba é a quarta capital na cional nesse tipo de violência, de cada 100 mil mulheres, 10,4 são vítimas de violência.

Segundo Roseli Isidoro, secretária municipal de Políticas para as Mulheres de Curitiba, a secretaria tem trabalhado no sentido de dar maior visibilidade ao assunto, denunciando os casos. “Temos a Patrulha Maria da Penha, implantada há mais de um ano e que já atendeu mais de 3,8 mil mulheres com medidas protetivas de urgência”, relata.

A Patrulha Maria da Penha é um trabalho feito em conjunto entre a prefeitura de Curitiba e a guarda municipal da cidade. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas. “No período noturno e nos finais de semana, a Patrulha atua em escala de plantão para atendimentos emergenciais”, explica Roseli.

Ainda de acordo com a secretária, o objetivo da patrulha é monito

rar os casos em que as vítimas es tão sob medida protetiva, fazendo visitas regulares e atendendo as ligações. Porém, ela só atua de pois que os procedimentos legais já foram realizados. “A mulher faz o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher, solicita a medida protetiva se assim desejar, a denúncia é encaminhada para o Ministério Público e depois para o Juizado da Violência Doméstica e Familiar que expedirá essa me dida. A partir daí, a mulher entra no relatório da Patrulha”, detalha.

De acordo com a jornalista e con sultora da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR, Vanessa Fogaça Pratea no, a burocracia é um fator que agrava a violência. O juiz tem dois dias para deferir a medida protetiva, mas nem sempre é o que acontece na prática. “Pela lei, o prazo é de 48 horas, mas pode demorar mais, sim, pela ineficiên cia do judiciário ou da delegacia”. Ela diz, ainda, que isso pode gerar na mulher a desconfiança em relação à Justiça e outros problemas. “O agressor pode agir nesse ínterim, acreditando que ficará impune diante do pedido de socorro da vítima à Justiça”, comenta.

Vanessa ressalta que o suporte oferecido às vítimas pelo Estado é precário. “O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção, da educação e da recuperação. Não há qualquer

projeto que vise a oferecer uma reeducação de gênero ao agressor, por exemplo”, diz.

Sobre as medidas protetivas, Vanessa acredita que só são efi cientes quando combinadas com outras atitudes tomadas pelo Es tado. “Alguns homens não se ini midam diante da comunicação de que não podem se aproximar da vítima, e aí o Estado precisa agir para que isso não ocorra, porque só um comunicado em papel não basta”, conclui a jornalista.

Campanha do Laço Branco

Uma das vítimas que será retrata da a seguir encontrou uma forma de lidar com a violência domés tica. O Movimento do Laço Branco, no qual Neuza Antunes é engajada, surgiu no Canadá, após um massacre em que um estudante entrou em uma Escola Politécnica e, dentro de uma sala de aula, pediu que os homens se retirassem. Depois, assassinou as 14 mulheres que ficaram. Isso aconteceu em 1989 e mobilizou um grupo de homens canaden ses para lutar contra a violência contra as mulheres.

Esse movimento está hoje em mais de 50 países e acontece entre 25 de novembro e 6 de dezem bro. De acordo com a ONU, essa é a maior campanha de caráter mundial envolvendo homens na luta contra a violência de gênero.

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Olinda Pereira* é vendedora, tem 52 anos e no fim do ano passado conseguiu se livrar da violência que sofria. Ela apanhou do companheiro, Roberto*, durante 14 anos, sofrendo calada. “Eu sempre senti vergonha de dizer que o meu marido me batia e não sabia a quem recorrer”, desabafa.

A vítima se preocupava em como susten tar os dois filhos caso saísse de casa. “A família sempre foi sustentada pelo Rober to, eu não tinha um emprego e não queria voltar para a casa dos meus pais.”

“No início, o Roberto começou a me xingar. Depois, quando discutíamos, ele me cha coalhava pelos braços e isso começou a acontecer sempre, todo final de semana”.

A atual vendedora lembra da primeira vez em que sentiu medo do marido. “Enquan to estava só nos gritos e empurrões, eu achava normal. Um ano depois da pri meira vez em que ele me xingou, chegou em casa bêbado e tivemos uma briga, foi quando ele deu um soco no meu rosto”, lembra.

Depois disso, Olinda apanhava todas as semanas e mal conseguia esconder as marcas. “Não saía mais de casa, para evi tar as perguntas das pessoas.”

Em setembro do ano passado, sua vizi nha escutou os gritos e, na ausência do marido, foi até a casa de Olinda prestar seu apoio. “Quando me informei sobre como podia fazer meu marido ficar longe de mim, soube que tinha que fazer o B.O. (Boletim de Ocorrência) na Delegacia e depois esperar os encaminhamentos e só então me sentiria protegida. Mas quanto tempo isso pode levar?”, justifica.

Olinda foi viver na casa de uma amiga e por indicação dela, conseguiu o atual emprego. “Soube que meu marido foi para o Norte e conto com a sorte para que isso seja verdade. Senti falta de um apoio maior do Estado sim, eu achava que assim que denunciasse, automaticamente algu ma coisa já seria feita. Para quem sofre violência, um dia já é muito tempo”.

*Nome da personagem foi modificado para preservar sua imagem e as fotos não retratam uma vítima real.

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Quando criança, Neuza Antunes viu a mãe ser agredida pelo pai várias vezes, até fugir de casa. Já adulta, virou ativista contra a violência doméstica e foi uma das responsáveis por trazer a Campanha do Laço Branco para o Paraná, um movimen to internacional de combate a esse tipo de agressão.

Neuza começa contando um pouco sobre a história da mãe, Tereza Ossowski. “Ela é filha de uma família de origem ucraniana muito tradicionalista. Moravam todos na zona rural, até que quando minha mãe tinha 17 anos, apareceu por lá um homem mais velho, da cidade grande, que a rou bou da família”.

A ativista conta que de acordo com relatos da mãe, no início a união foi bem tranquila e eles tiveram três filhos, sendo Neuza a mais velha. Quando ela tinha cerca de 4 anos de idade, viu as primeiras agressões. “Meu pai costumava chegar bêbado em casa e agia violentamente. Como eu era nova, as lembranças se misturam, mas eu sei que nunca tive uma figura paterna”.

Ao contar um dos episódios mais marcan tes, Neuza se emociona. “Certa vez, meu pai afiou uma série de facas e colocou todas em cima do guarda-roupa, com as pontas viradas para fora, disse que era uma para cada um, ou seja, para minha mãe, meus dois irmãos e eu. Foi a última noite que dormimos naquela casa”. Com medo, no dia seguinte a mãe de Neuza saiu com os filhos e procurou ajuda dos vizinhos, mas isso demorou cerca de cinco anos, considerando o momento em que as agressões começaram.

Neuza conta que naquela época, não havia um trabalho feito por órgãos especializa dos em atender a mulher vítima de vio lência doméstica, e havia outro problema. “A família da minha mãe era muito tradi cional, jamais aceitaria que ela voltasse depois de ter praticamente fugido de casa anos antes. Essa foi uma das razões pelas quais o sofrimento durou tanto tempo”, explica.

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PARKLETS

Mini praças instaladas em vagas de estacionamento são a nova tendência em urbanismo

Para quem vive em grandes centros urbanos, a escassez do verde das árvores e a ausência de parques próximos da população é notável. E quando existem, enfrentar o trânsito para chegar até esses locais de sossego torna-se um sacrifício.

Tendo em vista essa lacuna deixada pelo mau planejamento urbano, e para romper com a totalidade do cinza do concreto e oferecer um ponto de encontro para a população, os parklets sugerem uma nova forma de rea propriação dos espaços públicos pela população.

O trocadilho “parklets”, que mes cla o ato de estacionar (“parking”, em inglês) com parques (“parks”), revela a sugestão: construir mini parques em espaços pequenos que

podem ser uma vaga de estacio namento na rua ou no fim de um beco sem saída.

E, à primeira vista, de uma ma neira bem simples: distribuir ban cos, mesas e plantas em um deck de madeira, formando uma mini praça para, desse modo, destinar áreas originalmente concebidas para automóveis a pessoas.

Ao que tudo indica, essa solução urbana importada da América do Norte promete tomar conta de Curitiba, assim como cresce gradativamente em São Paulo, cidade pioneira no incentivo e desenvolvimento desse modelo de espaço urbano no Brasil.

De longa data

Enquanto a iniciativa toma forma

por aqui, nos Estados Unidos e Canadá, essas mini praças existem desde 2004. Por lá, há espaços apenas com bancos para des canso, outros com aparelhos de ginástica e, alguns, com wi-fi livre para os passantes.

Projetos similares já ocorrem em grandes cidades brasileiras como no Dia Mundial sem Carro, comemorado em 22 de setembro, quando vagas nas ruas são trans formadas em áreas de lazer.

No Brasil, a primeira implantação de um parklet ocorreu em São Paulo, em 2013, por meio de um grupo composto por arquitetos, designers e ONGs. Com boa avaliação da população, a Prefei tura de São Paulo transformou o que era um projeto temporário em política pública de ocupação

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Amanda Ribeiro, Crislaine Franco, Jeslayne Valente e Victor Hugo Reis
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Divulgação Instituto Mobilidade Verde

dos espaços públicos da cidade. Tornando a capital paulista a quarta cidade do mundo a ter uma política específica para parklets.

Quero um parklet na minha rua!

No caso de os órgãos públicos não tomarem iniciativa, é possível uma pessoa física ou jurí dica instala-lo, fornecendo um espaço agradável de convivência aos moradores das imediações. Mas, para isso, é necessário permissão da prefeitura, além de um bocado de dinheiro.

Por isso, grande parte do parklets estão localizados em áreas comerciais. Já que os custos referentes à instalação e manutenção ficam entre R$ 25 mil e R$ 40 mil.

Segundo um levantamento do Instituto Mobilidade Verde, entre os atrativos para tamanho sucesso com empresários estão os 14% de aumento nas vendas de um estabelecimento próximo a um parklet. Além das cerca de 300 pessoas diariamente que podem passar pelo local.

definidas tipologias a serem ex ploradas e os visuais deles. Além de alguns lugares para a instalação dos mesmos.

Por enquanto, deverão ser módu los de 2 x 5 metros e 2 x 10 me tros. Para tal, o Serviço Nacional da Indústria (Senai) desenvolveu um protótipo funcional que deve rá ser utilizado em futuros testes.

implantação de parklets está

mas

Engatinhando

Na capital paranaense, segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ip puc), a implantação de parklets está em estudo, mas já estão

Com eles, a intenção da prefei tura do município é tornar mais amigável e integrado o centro da cidade como os centros dos bair ros, proporcionando o encontro de pessoas, o descanso e o lazer.

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A
em estudo,
já estão defini das tipologias a serem explora das e os visuais deles.” – Ippuc.
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Divulgação Instituto Mobilidade Verde

Smartphones facilitam a vida de passageiros

Com a expansão urbana de Curitiba e a severidade das lei de trânsito, a de manda por táxis vem aumentando. Para driblar as dificuldades de encontrar um veículo disponível, aplicativos vêm mostrando eficácia tanto para o moto rista quanto para o público

Que chamar um táxi em Curitiba é um tanto difícil, nunca foi novida de, porém, ultimamente, com a rigidez da Lei Seca, o crescimento da cidade e do poder aquisitivo da população, a procura por táxis cresceu substancialmente em Curitiba. Conseguir um dispo nível, em uma noite de sexta feira ou sábado, por exemplo, é praticamente impossível.

Aproveitando o nicho de oportu nidade empresarial, os aplicativos de smartphone vêm ganhando o consumidor, “Os aplicativos têm dado tão certo, que os dias do 0800 para taxi estão contados. Para nos manter no mercado, desenvolvemos também o nosso próprio aplicativo ano passado. Hoje fazemos mais de 30 mil corridas diárias via aplicativo, contra aproximadamente 3.500 corridas via 0800. É um tanto impressionante”, relata Zuleide Monari, representante comercial da 99 Táxi, de Curitiba.

Para solicitar um taxi via 0800, você precisa de apenas um tele fone comum. Algumas empresas exigem cadastro ou não, per guntam se o pagamento será em

dinheiro ou cartão de crédito, e a atendente dá um tempo estimado de espera ou retorna a ligação assim que encontrar um carro disponível.

“Sempre que peço um taxi via 0800, ele chega rápido, nunca tive problemas. Sempre que vou ao médico ou à região metropoli tana visitar minha família, chamo um taxi por telefone mesmo. Eu não tenho um smartphone, mas também o aplicativo não seria um atrativo para mim. Não sei mexer mesmo. Via telefone nunca teve erro, até prefiro assim”, afirma Maria Luciana Pereira da Silva, secretária empresarial.

A busca por um taxi via apli cativo tem a mesma lógica do telefone: um cadastro, um tanto simples (apenas nome, telefone e e-mail). Logo que você concorda com os termos de uso, visualiza -se, em um mapa, a sua localiza ção atual e também a localização do taxi mais próximo. A econo mia de tempo é considerável.

Usuária ávida de um dos aplica tivos, Silvia Henz, produtora de moda e jornalista, declara: “O bom desse sistema é o tempo de espera. Você consegue ver onde seu táxi está. Isso é inovador, porque eu solicito o carro e sei em quanto tempo sair de onde

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Renata Valente e Thamiris Mottin
0800
Taxistas dizem que prestar serviços requisitados por aplicati vos é mais barato do que pelo
Renata Valente

estou, para não ficar esperando ou deixar o motorista esperando. Tem até como mandar mensagens para ele, caso eu precise que ele toque uma campainha ou espere mais alguns minutos, porque esqueci alguma coisa. Realmente, é muito mais prático.

“Para os taxistas, prestar serviços requisitados via internet tem uma vantagem muito importan te: o custo. “Para termos um 0800 nos mandando passageiros, paga mos por volta de R$ 800 mensais, por motorista. Esse dinheiro vem do nosso bolso. Com as taxas, a licença da placa, combustível, entre outros gastos, tem mês que pago para trabalhar. Apesar da modernidade do novo sistema, ao qual ainda não me adaptei completamente, a economia faz diferença no fim do mês, mas, por enquanto, ainda pago o 0800, para não faltar trabalho. Porém, logo logo todos os meus clientes sairão de um só lugar.

Daqui, olha!”, diz, apontando para seu smartphone, o taxista Osvaldo Pereira.

Há quem ainda não confie nos novos sistemas de internet, em entrevista, João Carlos de Lucas Neto, gerente regional do aplica tivo de uma empresa popular de aplicativos de taxi, explica que a segurança é algo bem contro

trolado via GPS. Desde o tempo que o passageiro passou no carro, o trajeto, quantos quilômetros percorreu, até seu recibo. Você pode receber via e-mail, na hora, se quiser. Esse serviço é algo mais pessoal, é humanizado. Você sabe o nome do motorista que vai te buscar e ele sabe o seu. O cliente se sente seguro”, diz.

lado, “Os taxistas precisam se cadastrar no nosso sistema. É preciso mandar cópia de todos os documentos, carteira de motoris ta, placa do carro, licenças, etc. via internet mesmo, provando a legalidade do carro e do motoris ta. Em menos de 48 horas, o táxi já está liberado. Temos tudo con

Dentro das desvantagens de se usar a internet João também co menta, “São poucas, mas existem. O sistema de 3G no Brasil pode ser muito lento, e isso dificulta o serviço e a comunicação com os carros, clientes e a central. Quan do é assim, o bom e velho 0800 pode ser a única alternativa.”

A maior desvantagem do uso de aplicativos é o sistema 3G no Brasil, que é lento.

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O bom desse sistema é o tempo de espera. Você consegue ver onde seu táxi esta. Isso é inovador.” Silvia Henz, usuária.

Gastronomia na nostra terra

Com potencial turístico e econômico, Circuito Italiano em Colombo, na grande Curitiba, recebe investimentos

Texto: Everton Lima

Fotos: Franceslly Catozzo

O empresário José Arnaldo Pavin, 55 anos, apresen tando os vinhos de sua vinícola.

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pera de Arame, Jardim Botânico, Parque Tan guá. Enfim, quando se pensa em turismo, a capital do Paraná parece ser um bom destino, mas, enga na-se quem pensa que a Região Metropolitana de Curitiba não tem bons atrativos para oferecer.

A história do município de Co lombo é, sem dúvida, sua maior atração. Colonizada por imigran tes italianos, seus descendentes carregam, até hoje, o sobrenome dos antigos moradores da cidade.

Strapasson e Gasparin, entre outros, são os nomes das famílias italianas que fugiram de uma Eu ropa em que o futuro era incerto rumo ao Brasil, nação que há muito tempo carrega o título de país do futuro.

Ao chegar às terras frias do Paraná, férteis e ideais para a agricultura,

os imigrantes perceberam que o solo paranaense seria ideal para que uma importante tradição, e atividade econômica, fosse preservada: a produção de vinho. O Circuito Italiano de Colombo possui nove vinícolas e situa-se no centro da cidade, com fácil acesso para quem vai de carro, com locais para estacionar, inclusive. Mas ainda apresenta dificuldades para o turista que usa o transpor te coletivo.

O viajante tem que pegar o ônibus Curitiba- Colombo (Via Rodovia da Uva), no terminal do Guadalupe, no centro de Curiti ba. A passagem custa os mesmos R$ 3,30 da capital, mas não há integração.

A equipe da CDM encontrou dificuldade para encontrar restau rantes abertos na hora do almoço. Uma agradável padaria foi o local

escolhido para fazer a refeição. Um pouco frustrante para quem esperava comer uma comida típica italiana. Nesse ponto, o Ca minho do Vinho de São José dos Pinhais se mostra mais completo.

O vinho é, de fato, o grande pro tagonista do passeio. É possível degustar os vários tipos da bebi da: tinto (cabernet), rosé, porto, entre outros. Em todas as viníco las, alguns premiados, como é o caso da Vinícola Strapasson. Na vinícola Paladar, há uma grande variedade de frios, como queijos artesanais.

Para quem quiser relaxar, o circui to oferece pesque-pague e “colhe -pague”, quando o visitante colhe as próprias uvas. Obviamente, é necessário se atentar para a época de colheita da fruta, normalmen te em fevereiro.

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Ó
Cachos de uva enfeitam loja que vende vinhos produzidosem Colombo.

Parque

Outra atração do circuito, talvez a principal, é o Parque Municipal Gruta do Bacaetava. Uma grande área verde, com trilha, churras queiras e um grande lago, onde é possível pescar.

O aposentado Adamázio Fer reira, de 65 anos, diz que “toda semana vai até o bosque”. Para ele, o principal motivo que o leva ao local é a possibilidade de estar perto da natureza. “Eu gosto muito de ficar perto desses ‘pinheirão’ que têm mais de cem anos”, conta. Humilde, ele evita as histórias de pescador e diz que a pescaria no local rende pouco “Aqui pega cará, carpa, mas eu venho mais para passear mesmo”, revela.

Quando questionado sobre a qualidade do vinho da cidade ele responde com um arrastado “É

bom”, e finaliza com uma garga lhada, sinal de quem aparenta ter boas recordações com a bebida.

A prefeitura de Colombo divul gou investimentos no parque. No total, R$ 649 mil. Algumas obras, porém estão paradas. De acordo com a prefeitura o motivo são as condições climáticas.

Outra obra importante, essa de responsabilidade do governo do Paraná, está fora do cronograma inicial. Segundo dados da asses soria de imprensa da prefeitura de Colombo, o motivo do atraso seria uma dívida do governo com empreiteira responsável pela obra, um valor de aproximada mente R$ 13 milhões. Segundo o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), o repasse já foi realizado, um valor de R$ 8,2 milhões, e um novo cronograma, com uma nova data de entrega da obra, seria divulgado.

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O parque Gruta do Bacaetava possui espaços para caminhadas e pesca. Seu Adázio é frequentador do parque.

Negócio

Segundo a prefeitura de Colom bo apenas, 65% dos produtores que fazem parte do Circuito têm CNPJ, ou seja, recolhem impos tos.

Os produtores mais antigos reali zam investimentos altos em seus negócios. É o caso da vinícola Cavalli, que trocou seus toneis de carvalho por tonéis de inox, atendendo a uma regulamentação da vigilância sanitária e de órgãos que atestam a qualidade do vinho ofertado aos clientes. Cada novo tonel custa cerca de R$ 30 mil. A vinícola trocou, até o momento, mais de cinco toneis.

Ào todo, as vinícolas geram em torno de 140 empregos diretos. Na época da colheita da uva, esse número cresce com a criação de vagas de trabalho indireto.

Não há dados sobre quanto essa atividade econômica gera de recursos para a cidade e, os vini cultores não possuem um órgão que os represente. Mas em uma coisa todos concordam: com uma ajuda do governo para melhorar a infraestrutura, todos sairão ganhando, desde produtores até aqueles que são apreciadores de um bom vinho.

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Empresários investem na melhoria da produção de vinho. Todo processo de produção do vinho é feito em Colombo, gerando empregos diretos e indiretos.

Mudar ou não mudar: eis a questão?

Como mostram pesquisas feitas pelos mais diversos órgãos especializados, a vontade de mudar de emprego acompanha a maioria dos profissionais, superando as preocupações quanto às consequências de tal ato

Diante da crescente busca por uma nova posição no mercado de trabalho, – sobretudo em meio ao atual cenário de queda na geração de empregos formais no país –, o brasileiro vive um dilema entre a segurança da estabilidade e o risco da mudança de emprego. Contudo, e como mostram pes quisas feitas pelos mais diversos órgãos especializados no setor, a vontade de mudar acompanha a maioria dos profissionais, supe rando as preocupações.

Em 2014, uma pesquisa feita pela Consultoria Boucinhas& Campos mostrou que pelo menos 80% dos brasileiros empregados queriam mudar de trabalho. A Consultoria de Recrutamento PageGroup, mostrou que, no mesmo ano, entre os executivos de alta e média gerência, 92% pretendiam mudar de emprego e, entre os profissionais de su porte e apoio à gerência, 94% tinham a intenção de encontrar outra posição.

Apesar disso, e frente à atual conjuntara econômica do Bra sil, com a taxa de desemprego aumentando e os salários sendo desvalorizados, o profissional deve avaliar as condições para a mudança. Segundo o econo mista Júlio dos Reis, mesmo diante desse cenário, os jovens

ainda têm facilidade para tomar a decisão de mudar de emprego, normalmente por não ter tantas responsabilidades, ou família constituída e, em alguns casos, ainda morar com os pais. “Isso é natural, não somente por impul sividade, mas por essas pessoas estarem em fase de desenvolvi mento de estudos, de carreira e amadurecimento”, explica.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desem pregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no acumulado dos últi mos 12 meses, houve redução de 48.678 postos de trabalho formal e, no primeiro trimestre de 2015, o país fechou 64,9 mil vagas, o que configura, portanto, o pior resultado desde o ano 2000. Para Ferreira dos Reis, a crise econô

mica está diretamente relacionada à atual crise no setor empregatício pela qual passa o Brasil. “Sem dúvida uma está relacionada a outra. Isso afeta a sociedade pois as pessoas investem menos, com pram menos, ficam mais pessi mistas com o futuro, etc. Um dos pontos primeiramente afetados é a capacidade de investimento das pessoas”, garante.

O melhor emprego

O que antes era uma caracterís tica marcante apenas em profis sionais mais jovens, agora passa a ser uma realidade inclusive entre os mais experientes. Segundo a Page Group, a principal motiva ção para a busca por uma nova posição no mercado de trabalho é, tanto para jovens quanto adultos, a falta de oportunidade

Diante do atual cenário em pregatício do Brasil, muitos profis sionais preferem ser cau telosos e avaliar bem a possibi lidade de mudança.

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Priscila Murr
economia

de ascensão no emprego em que se encontram. Para a estudante universitária Tatiane Pereira, essa “falta de oportunidade de ascen são” engloba diversos aspectos. “Falta de supervisão de outro pro fissional, falta de autonomia nas atividade desenvolvidas, um local de trabalho sujo e inadequado para o de senvolvi mento das atividades, falta de condições trabalhis tas, como os fatores burocrá ticos que envolvem salários, benefícios e aperfeiçoamento na área de senvolvida, e desvalorização do trabalho estagiário fazem parte do conjunto”, declara.

Além disso, a insatisfação com o salário também aparece entre as motivações para a busca de um novo emprego, mas é uma razão mais fraca do que o desejo de trabalhar em uma empresa maior, por exemplo. Para o empresário Renato Wilbert, falta de oportu nidade de ascensão, baixo salário e vontade de trabalhar em uma empresa com condições mais favoráveis às suas necessidades, foram os fatores determinan tes para que ele começasse seu próprio negócio. “Todos os dias era sempre a mesma coisa: eu vivia uma rotina sem fim e sem felicidade. Mas, numa bela ma nhã, como dizem, resolvi mudar, radicalizar: comecei o planeja mento da minha própria empre sa, sozinho. Hoje, depois de mais de cinco anos trabalhando por conta própria, tenho horários muito mais flexíveis, ganho mais, me estresso menos e sinto que minha qualidade de vida melho rou demais”, garante.

Perfil semelhante

Apesar das muitas diferenças

entre as gerações, há semelhanças quando o assunto é a coloca ção profissional. Um executivo experiente, ao receber uma oferta e pedir demissão do emprego em que está, geralmente leva em conta aspectos como o fato de já possuir uma família estruturada e mais responsabilidades, portanto

por seis meses, pois eu queria outra oportunidade, já que nessa empresa as minhas atividades ficaram estagnadas. Passei para um segundo estágio, em psico logia, e estou tendo um grande aprendizado. As condições ainda não são tão adequadas no sentido de supervisão com o profissio

efeito

é mais caute loso do que um jovem que não tenha essas mesmas responsabili dades, por maior que seja a von tade de mudar, como demonstra a pesquisa do PageGroup.

Para Júlio dos Reis, o resultado da pesquisa demonstra um processo natural que deve seguir de forma gradativa. “Quanto a situação atual, acho que precisamos ana lisar com bastante cautela, afinal não estamos no caos, acredito que o desejo de mudança continuará o mesmo.... A disposição em realmente mudar é que mudará. Essa mudança real passa a um estágio de latência, ou seja, aguardando uma real oportunidade. E não de vemos nos iludir, a crise ou qualquer outro efeito social e econômico, não impedirá o indivíduo que realmente queira mudar...de o fazer”, completa.

A estudante Tatiane acredita que a mudança pode ser um fator positivo, desde que agregue valor positivo à vida profissional. “No meu primeiro estágio o local de trabalho era muito sujo, o dono do local não permanecia muito tempo na empresa, o salário não era muito bom. Permaneci

nal formado, mas mesmo assim está me possibilitando muitas oportunidades”, comenta. E a universitária alerta que deve haver reciprocidade quanto a adapta ções. “O estagiário deve seguir as regras da instituição, pois em qualquer emprego vai ser assim. E o local de estágio também deve dar oportunidades para o esta giário aprender, bem como estar aberto a possíveis eventualidades acadêmicas, fazendo com que o estagiário precise se ausentar. Deve haver um equilíbrio entre ambas as partes”.

Boas con dições de trabalho e muito aprendiza do são os principais desejos dos jovens ao desen volver um estágio universitá rio.

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economia
A crise ou qualquer outro
social e eco nômico não impedirá o indivíduo que realmente queira mudar...”, Júlio dos Reis.
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Conexão

Andressa Elesbão, Giovanna Kasezmark, Glaucia Périco e Raphaela Viscardi

Jornalismo PUCPR Revista CDM 71

correria do dia a dia, o estresse no trabalho e as preocupações com a fa mília, muitas vezes, já nos fizeram ter a vontade de largar tudo e sair pelo mundo, sem compromisso, só com a mochila nas costas, não é mesmo? Hoje, há quem prefira trocar o terno, a gravata e a estabilidade financeira por trabalhos informais fora do país, a fim de adquirir experiências culturais e crescimento pessoal, além da possibilidade de ganhar mais dinheiro.

Trabalhar para custear a viagem tem sido a melhor opção para quem vai fazer intercâmbio cultu ral e deseja estender a permanên cia no país escolhido. Muitos dos países desenvolvidos têm escassez de mão-de-obra para setores informais, o que favorece inter cambistas que, ao chegarem a seu destino, acabam aceitando em pregos que, na maioria das vezes, não condizem com sua formação acadêmica. Porém, eles veem na remuneração não só a possibilidade de se manter no país, mas também uma nova oportunidade para ter ainda mais contato com os cidadãos e a cultura local.

É o caso de Amadeu Olivério, 25 anos, formado em Economia,

que preferiu deixar o trabalho num banco, para viver seis meses na Austrália, trabalhando como garçom em restaurantes. Depois de muito trabalho e de um bom retorno financeiro, o jovem decidiu estender a sua experiência por mais meio ano. “Precisava ver o mundo de outra forma, às vezes nos prendemos a algo - trabalho, cidade e relacionamentos - por comodidade, por sabermos “fa zer” aquilo, e não buscamos um algo a mais, uma mudança”, diz.

Além da vivencia na Austrá lia, Olivério passou dois meses viajando pela Ásia e vivenciando novas culturas. “Quando você sai de algum lugar, você leva os costumes e manias. No momen to, eu não sinto que tenho um lugar para chamar de casa, talvez seria o Brasil, pela minha família e amigos. Mas quero andar muito ainda antes de me firmar. A expe riência em cada lugar me muda infinitamente, até mesmo sem eu saber.”

Independentemente da área de atuação, o mercado de trabalho brasileiro está cada vez mais concorrido e, por isso, muitos recém-formados buscam ter a vivência internacional, pois, hoje, é um grande diferencial na

seleção para as vagas de empre go. Aos 22 anos, Ana Carolina Silva se formou em Secretariado Executivo e visava aos processos de trainee nas grandes empresas brasileiras. Então, assim, decidiu ir para a Holanda para trabalhar como babá e adquirir uma maior bagagem. . “Profissionalmente, o que valeu foi a experiência inter nacional, o contato com pessoas que trabalhavam em grandes empresas na Europa, conhecer mais sobre as oportunidades de trabalho lá, comunicação 100% em inglês e também aprendi um pouco de holandês”, conta.

Além da experiência na Europa, Ana também passou um ano e meio trabalhando em uma empresa no Chile. “Foi meu pri meiro emprego CLT, me ajudou a desenvolver habilidades profissio nais, tive a oportunidade de ser gerente de uma equipe e respon sável por grandes projetos.”

O fato de ter contato com a língua oficial do país é outro motivador para os jovens saírem

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Arquivo pessoal Amadeu Oliverio com uma nativa da Malásia, durante seu tour pela Ásia.

do Brasil. O interesse em se tornarem fluentes é grande, haja vista a necessidade que até o mercado brasileiro impõe sobre o conhecimento de ao menos dois idiomas.

Para Luiz Fernando Lopes, 26 anos, o contato com uma nova língua e cultura foi determinante para a decisão de sair do país há cinco anos. “Me agregou cresci mento pessoal, principalmente pela experiência de vida que tive fora do Brasil. Além do contato com o inglês, que agregou valor ao meu currículo, contando mui tos pontos para a empresa em que trabalho hoje”, declara.

Porém, trabalhar para custear a viagem pode não ser tão fácil e recompensador, afirma Estefany Reimão, 21 anos, que trancou a faculdade de Direito para passar um ano estudando inglês na Ir landa. Para se manter na Europa, a intercambista precisou procurar um emprego e, hoje, mora com uma família irlandesa e cuida dos três filhos do casal. “Para quem vem estudar é praticamente impossível ganhar um salário mínimo, que gira em torno de oito euros por hora. Quem não tem passaporte europeu ou não é 100% fluente em inglês, ganha ainda menos. Eu mesma dependo de uma quantia que minha mãe manda do Brasil todos os meses”, explica.

Estefany viajou com o objetivo de passar um ano na Europa e, mesmo pretendendo ficar mais tempo, não sabe se vai conseguir estender a viagem. “Não quero

destruir o sonho de ninguém, mas não é fácil largar todo o conforto que se tem no Brasil e ter que correr atrás de moradia e emprego num lugar que você não conhece. Eu tenho trabalha do de 12 a 14 horas por dia e só vou estender o intercâmbio se conseguir um local pra morar que seja barato e um novo emprego”, desabafa.

De acordo com Amadeu Olivério, morar fora do país, conviver com diferentes culturas e enfrentar novos desafios contribuem para o crescimento pessoal, mudando, muitas vezes, totalmente o modo de vida de quem possui uma vivência internacional. Além disso, grande parte do aprendizado ad quirido la fora, é posto em prática no retorno para o país de origem. “Quando eu voltar para o Brasil, depois da morar na Austrália, um país de primeiro mundo, eu que ro levar o método de organização deles, mas primeiro começando por mim e, depois, passar adiante para o resto da sociedade”, decla ra Amadeu.

Já Ana Carolina afirma que como não foi um trabalho na sua área de atuação, a estada na Europa a fez evoluir muito mais pessoal mente. “Vi um crescimento in terno gigante em relação a minha autoconfiança e perdi o medo de arriscar”, conta. Porém, apesar da Holanda ser um país desenvol vido, Ana declara que “morar na Europa me fez perceber a gran deza do Brasil. Notei que mesmo países mais organizados e ricos também têm problemas, cada um em sua proporção.”

Arquivo pessoal

comportamento
Estafany Reimão durante o St. Patrick’s Day. Arquivo pessoal Ana Carolina em Amsterdan, na Holanda.

Cozinha sobre rodas

Os Food Trucks estão conquistando a cidade e lançando tendência

Seja pela correria do dia a dia, ou mesmo pela vontade de experimentar uma comida diferente e rápida, os food trucks se tornaram uma opção nas ruas de Curitiba e de várias outras cidades do mundo. Ainda vistos como novidades por alguns, eles ainda estão buscando espaço no mercado, mas parece que vieram para ficar.

Servindo com rapidez, qualidade e preços mais acessíveis que os restaurantes tradicionais, eles estão caindo no gosto do públi co. Sejam em feiras de rua ou eventos gastronômicos os trucks,

como são chamados, estão cada vez mais presentes, oferecendo versões mais elaboradas de pratos comuns ou comidas típicas que não se encontram em qualquer lugar. Nas feiras em que estão estacionados, é possível encontrar pratos de várias partes do Brasil e do mundo.

COMO SURGIU

Em 1872, o norte-americano Walter Scott começou a vender tortas, sanduíches e cafés numa cidade chamada Providence, em Rhode Island. O público era composto por entregadores de jornais locais. Quase 20 anos de

pois, Thomas J Buckley fabricava modelos coloridos e chamativos de carroças, pensadas especial mente para a venda de comidas.

Na época após a Segunda Guerra Mundial, faltavam restaurantes nos subúrbios das cidades dos Estados Unidos e a população da região crescia exponencialmente. Os caminhões itinerantes de co mida, então, se popularizaram en tre os trabalhadores por ser uma opção barata e fácil de encontrar, apesar de não ser de qualidade. E assim continuou durante o resto do século.

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Reportagem: Débora Dutra; Evelise Muncinelli; Pedro Almeida e Victor Waiss Fotos: Débora Dutra e Victor Waiss Para se destacarem, proprietários apostam na personalização dos veiculos

No Brasil, os primeiros food trucks surgiram em São Paulo, em 2012. Atingidos pelo raio gourmetizador, se estabeleceram como uma versão estilizada dos tradicionais carrinhos de cachor ro-quente, pipoca e churros. A ideia é apresentar uma culinária diferenciada, seja pelo produto ou pela apresentação.

DIRETO DA HUNGRIA

Um exemplo é o Kurtos Kalacs, um truck que vende um tipo de pão doce frito de mesmo nome, originário da Hungria. Ana Paula Lazier, a proprietária, comenta que a originalidade do produto é um diferencial no mercado, pois eles são os primeiros a produzir o Kurtos Kalacs aqui no país.

A ideia de comercializar o pro duto ocorreu a Ana Paula após dez anos atuando em outro ramo. Formada em Letras, ela estava infeliz com a profissão escolhida e queria uma mudança na vida. Essa transformação veio após

uma viagem ao Leste Europeu: ao experimentar o doce tradicional do local, ela decidiu trazer para o Brasil. “Na viagem, eu conhe ci esse delicioso doce e fiquei encantada. Enquanto pensava na oportunidade, fiz um paralelo da questão climática daquela região com a nossa aqui no Paraná. Lembrei também do fato de termos muitos descendentes dessa região”, diz ela.

Em Curitiba, os food trucks são orientados pela prefeitura a optar por uma comida típica. E elas se fazem presentes, desde comida mineira até a alemã. A burocracia ainda é um empecilho para aque les que querem entrar nesse ramo, mas ela não é uma exclusividade, pois segue praticamente o mesmo caminho que um restaurante tradicional teria que cumprir.

LEI DOS FOOD TRUCKS

Atualmente, há uma média de 25 unidades funcionando na capital, de acordo com a Associação Pa ranaense de Food Trucks. Dessa

forma, se tornou necessário que houvesse regras para a atuação dos envolvidos com tal atividade. O decreto, aprovado na Câmara Municipal em março e sanciona do pelo prefeito de Curitiba em abril deste ano, está previsto para entrar em vigor na metade de junho.

Para Pedro Américo, do #Partiu Temaki, a demora para a regula mentação sair é péssima para os negócios: “Estamos todos sujeitos a trabalhar em parcerias com estacionamentos e locais privados, os quais muitas vezes nos cobram taxas muito altas”. Assim que os trucks forem regularizados, eles também poderão transitar em pontos públicos da cidade todos os dias. “Atualmente, devido à dificuldade de formar algumas parcerias em pontos estratégicos da cidade, estamos circulando somente aos finais de semana e/ ou em eventos dos quais somos convidados”, diz Pedro, que, apesar de tudo, está otimista com a proposta.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 75 comportamento
Feiras de ruas são locais proprícios para encontrar food trucks

A Lei 14.634 prevê que somente empresas curitibanas obtenham alvará de funcionamento, assim como a proibição de redes de food truck, sendo autorizado apenas dois veículos por CNPJ. Também é estipulado que eles fiquem a uma determinada dis tância de restaurantes, lanchone tes e feiras nas quais já existe um ponto de venda daquele pro duto. Os produtos distribuídos precisam conter nome, endereço do fabricante, data de fabricação, validade e registro do comércio.

PIOR INIMIGO

É quase uma unanimidade entre os proprietários dos trucks: o cli ma de Curitiba é o pior inimigo deles. Isso se deve temperaturas instáveis e às condições climáti cas únicas da capital paranaense. Alguns nem chegam a sair para as ruas nos dias chuvosos.

Para Ana Paula, os dias de chuva significam uma redução muito grande no lucro, pois em dias assim, uma quantidade muito menor de pessoas sai as ruas. “Meu lucro cai 70% - é muita coisa!”, desabafa.

Gerson Jourdani, proprietário do Currytiba Wurst, especializado

em comida alemã, diz que não leva seu truck para as ruas em dias de chuva. “Quando chove eu não costumo nem sair da co zinha”, brinca. Mas ele completa dizendo que o frio é bom para as vendas: “Eu vendo um chope escuro que tem um bom apelo no inverno, e tem outros trucks que vendem quentão. Esse friozinho gostoso é bom para nós.

MOBILIDADE

Um dos diferenciais dos food trucks é a mobilidade, mesmo que, para isso, seja necessário sacrificar espaço na cozinha ou no estoque. Para Gerson Jourdani, do Currytiba Wurst, o fato de poderem estar em vários lugares é um diferencial positivo. É pela possibilidade de rotatividade que as empresas desse ramo ampliam o público.

Ele ainda completa dizendo que o fato de não estarem presentes todos os dias é saudável para o relacionamento com os clientes: “Tenho clientes fiéis em todas as feiras que participamos. Se eu tivesse um ponto fixo como um restaurante, tenho certeza que eles iriam uma ou duas vezes por mês, mas não iriam toda semana”.

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Você come o quê?

Retirar alimentos da dieta alimentar costuma ser uma das decisões mais impactantes na vida de uma pessoa, seja qual for a motivação Reportagem: Evelise Muncinelli; Débora Dutra; Pedro Almeida e Victor Waiss Fotos: Evelise Muncinelli

78 Revista CDM Jornalismo PUCPR saúde

Ohomem é aquilo que come. A afirmação, atribuída a Hipócrates, considerado “pai da medicina”, se encaixa perfeitamente no contexto daqueles que enfrentam alguma restrição na alimentação. Seja por saúde, preocupação com os animais, estilo de vida ou religião, eles estão crescendo em número.

Entenda melhor como funciona cada grupo e conheça a histó ria de alguns curitibanos que decidiram mudar seus hábitos nutricionais:

Vegetarianos e veganos

Nenhum desses grupos representa mais uma novidade. De acordo com uma pesquisa feita pelo Ibo pe, cerca de 15 milhões de brasi leiros declaram ser vegetarianos. Em Curitiba, foi constatado que 11% dos moradores são adeptos dessa dieta.

O motivo mais comum para a mudança alimentar é a preocupa ção com os animais, que costu mam ser explorados para que sejam obtidos certos produtos, como carne e leite. Para o vegano

Cristiano Costa de Oliveira, esse foi o principal motivo de sua mudança de hábito: “Quando eu era criança, eu via os animais sendo abatidos na nossa fazenda e chorava. Mas, à noite, comia carne, pois eu não tinha cons ciência daquilo. Foi quando eu fui crescendo que eu percebi o que acontecia. Desde então, nunca mais comi nada de origem animal”, diz.

Mas, para se convencer a ser vege tariano, e depois vegano, Oliveira chegou a assistir a vídeos de abati mentos de animais para se horro rizar e nunca mais sentir vontade de comer nada de origem animal. “Eu assistia a esses vídeos para ter certeza”, completa Cristiano.

Há duas variações mais restritas do veganismo, que são o crudi vorismo e o frugivorismo. O pri meiro é a ingestão de alimentos vegetarianos estritamente crus, já o segundo compreende apenas frutas, verduras e legumes.

Anna Krassusky começou pelo vegetarianismo nove anos atrás e migrou para o veganismo após 12 meses. Há cinco anos, em Buenos Aires, ela experimentou o

frugivorismo: “Durante essa fase, eu ainda fazia refeições cozidas de vez em quando. Mas minha alimentação tinha base nas fru tas”. Os motivos pelos quais ela fez essa opção foi para melhorar seu estilo de vida, por compaixão aos animais e ética. “Acho difícil qualquer pessoa que se dê conta do que realmente acontece com os bichos na indústria alimen tícia, não sinta a necessidade de mudar”, conta Krassusky.

Anna diz que costumam pergun tar com frequência se ela sente falta de algum alimento que ela comia anteriormente: “Acho que muita dessa falta, ou vontade de certos alimentos, é questão de apego emocional. Por exemplo: não sinto falta de sopa ou alimen tos quentes no inverno porque, para mim, não os associo mais à alimentação”. “Em dias em que eu não comi suficientemente, me dá uma vontade de ingerir coisas cozidas. Mas normalmente eu como frutas e o desejo passa”, completa.

O apoio da família é algo impor tante nesse processo de adoção e adaptação, pois, geralmente, essas pessoas exercem influência que

Quem come o quê:

Vegetarianos

não comem nenhum tipo de carne.

Veganos

não comem nada de origem animal: carne, laticínios, ovo e mel.

Crudívoros

comem somente alimentos crus sem origem animal.

Frugívoros

só comem frutas (base da alimentação), legumes, hor taliças e oleaginosas.

Intolerantes

têm dificuldade em digerir certos alimentos pois não possuem as enzimas necessárias para isso.

Alérgicos

O corpo vê determinado alimento como uma subs tância perigosa, desencadeando reações desagra dáveis ao tentar se defender.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 79 saúde

“Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana. A ordem de vida vegetariana, por seus efeitos físicos, in fluenciará o temperamento dos homens de uma tal maneira que melhorará em muito o destino da Humanidade.”

Albert Einstein, físico e matemático.

pode ser determinante para que uma nova dieta seja continuada ou abandonada. Na história de Juliana Ferreira, foi o irmão que a convenceu das vantagens que a falta de carne faria para sua saúde, após ele ter participado de um se minário sobre o tema. Na época, ela tinha 5 anos; hoje, ela tem 19 anos. Adaptar o cardápio feito em casa foi o mais difícil, mas ela diz que a família admira a coragem de nunca ter mudado de ideia.

Para Lígia Maffessoni Penia, vegetariana desde os 7 anos, esse fator foi importante no processo, pois o fato de a carne não ser tão essencial no cardápio em casa ajudou nessa mudança: “Minha mãe e irmã sempre comeram pouca, então para mim foi fácil parar. Depois da minha decisão, o consumo na minha casa, em geral, diminuiu muito também”, comenta.

Infelizmente, não são todas as pessoas que recebem o apoio que gostariam de familiares e amigos.

Cristiano conta que, por ser do interior do estado, ele cresceu rodeado por uma cultura em que todos comiam carne. “Foi apenas quando vim pra Curitiba que eu conheci amigos que pensavam do mesmo jeito que eu e um grupo em que todos nos apoiávamos”, continua Oliveira.

Intolerantes e alérgicos

Em março de 2013, a professora de natação Carolina Pijak come çou a se sentir mal após comer certos alimentos: ela sofria com dores, distensões abdominais, diarreia e gases. Ao longo dos meses, a médica recomendou que ela eliminasse leite e glúten do cardápio, porém nenhum exame havia sido feito. No final daquele ano, ela fez exame e deu positivo para as duas intolerâncias.

Por ter um condicionamento digestivo diferente, resultado de uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) feita em 2010, o organismo dela não absorvia

naturalmente os nutrientes dos alimentos e, por isso, ela precisava tomar suplementos vitamínicos. Isso já tornava ainda mais difícil a sua alimentação.

Nos primeiros meses, ela seguiu corretamente a nova dieta. De pois, começou a relaxar e até hoje ela assume que, às vezes, cai na tentação. “Você vai sair, vai a uma festa, você acaba comendo. Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.” Ela revela que sen te muita falta de comer pudim, chocolate e outros doces, uma vez que a fraqueza dela é o açúcar. “Aí você pega os doces mais gosto sos, tudo tem leite condensado”, lamenta Carolina.

A alergia é uma reação mais perigosa, pois coloca em risco a vida da pessoa. Ricardo Bernardi é alérgico a pimentão. Ele relata que as reações aparecem em me nos de meia hora após o contato com esse tipo de alimento. Elas envolvem inchaço interno, po dendo levar ao sufocamento,

80 Revista CDM Jornalismo PUCPR saúde

Para os adeptos de práticas alimentares mais saudáveis, atualmente existem muitas opções de alimentos.

Pessoas com restrições alimentares encon tram em medicamentos e suplementos um forte aliado.

Enganam-se aquelas pessoas que pensam que dietas saudáveis são sinônimos de comida ruim.

Ingredientes veganos conseguem substi tuir até mesmo alimentos considerados de origem exclusivamente animal.

Assim como os alimentos, os produtos de higiene também são adaptados.

Você sabe o que é tofu? Um alimento de riado do leite de soja que pode substituir o queijo em pratos.

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Você vai sair, vai a uma

festa, você acaba comendo.

Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.”

Carolina Pijak.

mas, também, externo, com descamação e coceiras na pele. Em duas situações, ele foi parar no hospital. Apesar disso, ele diz que evita esse tipo de alimento e que não toma nenhum tipo de medicamento para controlar o problema.

A namorada de Ricardo, Gabriela Sacom, tem alergia a leite. Por isso, nunca tomou nenhum tipo de leite, incluindo o materno. Ela relata que também sente coceiras e irritações na pele, porém nunca teve inchaço.

Quando tinha 10 anos, o fotografo Bruno Tomasoni, que sempre havia comido frutos do mar, teve uma reação alérgica ao comer camarão. Ele desenvolveu ictiose, uma doença de pele, e também foi parar no hospital. Lá, os médicos recomendaram que ele não ingerisse mais esse tipo de alimento, nem medicamentos que contivessem iodo na fórmula. “Hoje, não sei se exatamente pos

so ou não comer, não fiz nenhum teste atualizado. Mas prefiro não arriscar!”, diz.

Palavra de especialista

Em qualquer caso de uma dieta restritiva, é essencial consultar um nutricionista, que irá avaliar o caso e indicar qual deve ser a alimentação adequada especi ficamente para cada pessoa. A especialista em nutrição Yasmin Amorim concorda que qualquer pessoa pode fazer uma dieta sem carnes ou sem nenhum tipo de alimento de origem animal, desde que esteja com a saúde em dia e faça acompanhamentos com pro fissionais que possam ajudar nesse processo. “São feitos exames bio químicos para determinar quais serão as vitaminas e minerais necessários para o paciente poder ter uma vida saudável”, orienta.

Para Yasmim, muitos casos de intolerância a algum alimento são confundidos com alergias. Para

saber qual deles a pessoa tem, é feito um acompanhamento do paciente e observado como é o comportamento do seu corpo em relação a determinada comida. “Para esses casos, fazemos uma dieta de restrição, na qual a pes soa fica 30 dias, a princípio, sem comer aquele alimento. Após esse tempo, ela volta a comer, mas em quantidades reduzidas, para poder chegar ao diagnóstico do caso”, diz a nutricionista. Nesses casos, é uma intolerância.

Para aqueles que são vegetarianos, a nutricionista diz que não existe nenhuma perda de nutrientes, desde que a pessoa faça um acom panhamento regular. Podem-se obter os nutrientes provenientes da carne por meio do feijão azuki e de alimentos vegetais.

Nicho

Somente nos últimos anos é que o mercado gastronômico perce beu que havia um nicho sedento

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por atenção. Últimos dados disponíveis sobre a quantidade de restaurantes vegetarianos no Brasil, publicado pelo Guia de Restaurantes 2014, da Revista dos Vegetarianos, indicavam 200. Atu almente, nas capitais, já é possível encontrar um grande número de estabelecimentos preocupados com esse grupo de pessoas.

Um desses lugares é a Veg Veg, das sócias Tatielle Jorge e Caro line Ferreira, que vende cerca de 300 produtos livres de ingredien tes de origem animal, disponíveis nas lojas física e online. A ideia de

criar a loja surgiu da necessidade de um lugar que reunisse produ tos, novidades e informações do mundo vegano. As duas, cansadas do trabalho, resolveram fazer exa tamente isso: “A minha ideia era abrir a loja em um ano, só que aconteceu muito rápido. Quan do a gente viu, o local já estava alugado”, conta Tatie. “A gente trouxe produtos de Salvador, do Rio de Janeiro, de Rio Grande do Sul, e criou um mix de bem di verso, que não tinha no mercado, que não tinha em lugar nenhum. Nós provávamos. Se o produto era gostoso, ele continuava; se

não, ele saía”, continua ela.

Porém, a questão não para por aí. Juliana Ferreira sente que os ali mentos restritivos ainda são caros: “Acabo ficando com as opções bá sicas ou peço para retirar a carne do prato a ser feito, se possível”.

Carolina Pijak concorda: “É questão de bolso: tudo é muito caro. O queijo, que eu pagava R$ 7, hoje pago R$ 12 na versão sem lactose. Eu compro com ‘dor no coração’”. Um desafio ainda permanece: o de tornar cada vez mais acessível os produtos desti nados a eles.

Uma das iguarias vegetarianas é a famosa coxinha de brócolis, que promete agradar até mesmo os carnívoros.

Preocupados com os animais, os veganos não consomem alimentos, nem produtos, que tenham origem na exploração de animais.

Estabelecimentos voltados a esse tipo de público encontraram um bom segmento de mercado para atuar.

Muito mais do que uma parcela de mercado, o estabelecimento (Veg Veg) busca contri buir com os princípios dos adeptos a dife rentes tipos de dietas e hábitos alimentares.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 83 saúde

Best seller, vilão ou mocinho?

Ler é umas das melhores estratégias para aprimorar a habilidade comunicati va. Com a leitura, é possível praticar a gramática correta, enriquecendo o voca bulário. Para adquirir o hábito, é preciso avançar gradualmente, e essa prática pode ou não se iniciar com a lista dos mais vendidos

Acitação “Aquele que lê maus livros não leva vantagem sobre aquele que não lê livro nenhum” é do escritor norte-americano Samuel Langhorne Clemens conhecido como Mark Twain (1835-1910). A afirmação coloca em questão o cenário atual das preferências literárias de muitos brasileiros, como aponta o ranking de livros do gênero ficção que foram mais vendidos do início do ano até o momento, divulgada pelo site es pecializado em mercado editorial PublishNews.

Atualmente, a procura por livros best sellers, como por exemplo, a trilogia Cinquenta Tons de Cinza, da autora inglesa Erika Leonard James, que vendeu mais de 100 milhões de exemplares. Além disso, o livro que neste ano virou filme, arrecadou mais de R$ 500 milhões desde sua estreia, no dia 13 de janeiro, nos cinemas brasileiros.

De acordo com o jornalista e colunista da Gazeta do Povo José Carlos Fernandes, isso se deve pela relação de imaginação que norteia a leitura de livros: “Tudo indica que há uma relação entre ver o filme e ler o livro. É um jogo a que o leitor se propõe,

o que faz dele uma espécie de autoridade naquela história. É como se tivesse confirmando na tela grande o que construiu na imaginação. E vice-versa. Mas isso vale para a televisão e para os filmes nacionais”, comenta.

Qualidade

De acordo o dicionário Aurélio, a palavra literatura significa escritos narrativos, históricos, críticos, de eloquência, de fantasia e de poesia.

Ler demanda tempo e atenção, é uma prática que pode ser de senvolvida desde a infância pelo incentivo dos pais, com a leitura de livros infantis, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, conhecido mundialmente. Com o tempo, o leitor tende a experimentar novos gêneros que mais se assemelham com o próprio gosto.

Segundo a professora de Lin guística da Pontif[icia Universi dade Católica do Paraná Nilma Almeida, a literatura traz outra visão de mundo, recria persona gens a partir da vivência de vida de quem lê, não são histórias rasas: “O problema não é ler best sellers, até porque muitos

livros lançados em sua época se tornaram clássicos. O problema é ler apenas isso. Uma criança que começa lendo Harry Potter, certamente conseguirá ler outros livros quando adulto”.

Para Fernandes, o que importa é ler independentemente da qualidade: “O que importa é a qualidade do livro ou o interesse do leitor por uma determinada obra. A literatura universal, em tese, é sempre maior – em núme ro de títulos – do que a literatura nacional, daí ser até um pouco natural a prevalência de outras literaturas. De modo que a convi vência de escolhas não chega a ser um problema – o leitor com boas práticas vai ler diversas literaturas. Vale o mesmo para o bom ouvin te de música ou para os amantes do futebol”, finaliza.

Para Mayara Thalita Almeida, 19 anos, estudante de Relações Públicas, existem diferenças de qualidade entre livros clássicos, como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e best sellers: “Vejo muito a diferença na forma como a minha atenção muda no momento em que leio livros clássicos e livros mais fáceis. As obras que têm um conteúdo mais difícil, eu preciso ficar mais

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Amanda Ribeiro, Crislaine Franco, Jeslayne Valente e Victor Hugo Reis

atenta para poder absorver o que a história tem a me dizer; já nos best sellers, não é necessário estar muito concentrada, raciocinar muito para entender”, afirma.

Segundo a estudante de Peda gogia Luciane Ribeiro, 20 anos, os best sellers podem ser um meio para o leitor praticar o gosto pela leitura: ”Tem livros que são muito bons, como o da série Harry Potter, os que têm uma história muito rica, e, consequente mente, isso acaba dando acesso a outras leituras”, comenta.

Para a estudante do ensino médio Gabrielly de Azevedo, 16 anos, os livros de ficção fizeram nascer a sua paixão pela leitura: “Eu comecei a ter o gosto, principalmente, pelo gêne ro ficção, quando minha família estava em crise, então encontrei nos livros do autor Nicholas Sparks uma forma de refúgio. A leitura se tornou um hobbie para mim, tanto que sempre venho até

a livraria e compro cerca de três livros por mês”, afirma.

Estantes

Nas livrarias, a divisão de gêneros literários é nítida. Logo na vitrine

vendiam bastante por si só nas lojas do grupo. Com a chegada do filme, as vendas aumentaram em 4%. Depois, retornaram ao normal. Com a chegada do DVD e Blu-ray às lojas, as vendas desses itens aumentaram em 11% nos

e entrada da loja, é possível ver os lançamentos que, em geral, são best sellers, livros estrangeiros que viraram filmes ou vice-versa, entre outros.

De acordo com a assessoria de imprensa das Livrarias Curitiba, livros de ficção que viraram filme, como A Culpa É das Estrelas, de John Green, por exemplo, já

dois primeiros meses. Depois, retornaram ao normal, ou seja, o público jovem é motivado a ler quando um assunto está em voga, depois, a tendência é que as vendas de livros do gênero caiam. Tendo em vista que a febre acaba. O mesmo ocorreu com Cinquen ta Tons de Cinza: os livros vende ram mais na época de lançamento do filme, porém depois caíram.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 85 cultura
A estudante Gabrielly de Azevedo, 16 anos, encontrou na literatura um escape para os problemas familiares.
“É como se tivesse confirmando na tela grande o que construiu na imaginação. E vice-versa”, José Carlos Fernandes - jornalista.
Jeslayne Valente

Segundo Nana Vaz, gerente de Aquisições da editora Arqueiro (extinta Sextante), os livros ins pirados em filmes e vice-versa são destaque, pois chamam atenção do público: “Os filmes trazem muita visibilidade aos livros nos quais seus roteiros foram inspirados. As livrarias colocam o livro em evidência, impulsio nando as vendas. Com isso, “os gêneros romance, aventura e fantasia acabam agradando mais ao público jovem. Na Arqueiro, podemos citar as séries Maldi ção do Tigre (Collen Houck),

A Crônica do Matador do Rei (Patrick Rothfuss), Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams), e Os Bridgertons (Julia Quinn), que vêm conquistando esse público”, comenta.

De acordo com a Editora Intrín seca, os longas atraem muitos leitores: “Os livros com capa de filmes e seriados – depois de lançados – acabam sendo mais atrativos e tendo vendagem maior”, conclui.

Obras mais vendidads pelo Grupo Livrarias

Curitiba:

• Toda Luz Que não Podemos Ver - Antony Doerr

• Uma Longa Jornada - Ni cholas Sparks

• Como Eu Era antes de Você - Jojo Mayes

• Cidade de Papel - John Gre en

• Para Sempre Alice - Lisa Genosa

• Diário de um Banana 2 - Jeff Kinney

• O Pequeno Príncipe - Antoi ne de Saint Exupery

• Insurgente - Veronica Roth

Obras mais vendidas de acordo com a Editora Intrínsica:

• Cidades de Papel - John Green

A Culpa É das EstrelasJohn Green

• A Menina Que Roubava Li vros - Markus Zusak

• O Ladrão de Raios - Rick Riordan

Para o pú blico jovem, a sessão de livros mais vendidos pode servir como início para o hábito da leitura.

• A Maldição do Titã - Rick Riordan

• Percy Jackson e os Deuses gregos - Rick Riordan

• O Mar de Mosntro - Thor Freudenthal

• A Batalha do Labirinto - Rick Riordan

86 Revista CDM Jornalismo PUCPR cultura
Jeslayne Valente

A volta dos bolachões

Substituídos pelos CDs por algum tempo, os discos de vinil estão de volta para a alegria dos colecionadores

uma média

Depois de perder espaço para os CDs, os discos de vinil (LPs, ou ainda, bolachões) voltaram a ganhar destaque na mídia musical. Colecionadores chegam a pagar mais de R$100 por uma única peça. No Brasil, a indústria fonográfica que produz os LPs enfrenta os altos impostos, que tornam os produtos importados mais atraentes.

Para João Augusto, consultor da Polysom (produtora de vinil do Rio de Janeiro), na década de 90, os CDs se popularizaram no Brasil por oferecerem vantagens em relação ao vinil. “A portabi lidade, o menor espaço ocupado

nas prateleiras, a capacidade para mais tempo e músicas”, justifica. Segundo ele, os LPs nunca deixaram de existir, apenas tiveram sua produção diminuída drasticamente, até a virada do último século, quando voltou a entrar em alta por vários motivos: “Romance, tradição, saudosismo e a própria oposição a um mundo tão cibernético.”

O consultor diz ainda que o Bra sil tem demanda para o mercado dos bolachões, mas que as altas cargas tributárias são um proble ma. “Os custos de produção são elevados e os impostos altíssimos no Brasil oneram mais ainda.” Mesmo assim, os artistas estão

lançando suas obras nesse forma to, pois de acordo com o consul tor, “a música deles ganha níveis tão elevados quando reproduzidas em vinil que até um gasto a mais passa a valer a pena.”

De 2010 a 2014, a Polysom gra vou 135 mil discos, sendo que no ano de 2013, essa produção regis trou um crescimento de 63%. A tiragem mínima para um disco de vinil é de 300 peças, sendo que para produzir 500, o valor fica em torno dos R$ 10 mil.

O bancário Pedro Henrique Lopes coleciona discos há seis anos, e diz ter se encantado com

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“Chegava a pagar
de R$150 em discos, principal mente os mais raros, como o ‘álbum branco’ dos Beatles.” – Rogério Gajda, produtor audiovisual

detalhes que não encontrava nos CDs. “O formato da capa, ter que trocar o lado do LP depois de 20 minutos.” Hoje, Pedro tem mais de mil discos e já pagou R$450 por algumas peças de sua coleção. O colecionador acredita que a época de ouro dos bola chões ficou no passado. “É ilusão acreditar que o LP voltará com força total, que venderá horrores como aconteceu com o mercado de CDs na década de 90!”

O assessor de comunicação Aldo Edson Portes também é cole cionador e diz que, na infância, economizava dinheiro do lanche para comprar discos. Ele aponta que o retorno da força dos vinis inflacionou o mercado. “Receio que, em pouco tempo, colecionar discos se transforme em hobby apenas para pessoas de alto poder aquisitivo, se é que isso já não está acontecendo.”

A conservação do disco de vinil também exige um cuidado especial, como explica Aldo. “Eu lavo os meus LPs com detergen

te neutro, debaixo da torneira. Nada de álcool ou qualquer outra substância corrosiva.”

Rogério Gajda é produtor de material audiovisual e tam bém trabalha como DJ. Como colecionador, ele tem cerca de 700 discos em casa e o primeiro que comprou foi aos 13 anos de idade. “Na minha adolescência só tinha vinil e fita k7, meus pais e tios ouviam vinil, e com mais ou menos 12 anos, eu já tocava em festinhas de garagem, usando disco.” Em seguida, Rogério co meçou a tocar profissionalmente, mas mesmo com a chegada das mídias digitais para facilitar seu trabalho, nunca abandonou os bolachões. “Chegava a pagar uma média de R$ 150 em discos, prin cipalmente os mais raros, como o ‘álbum branco’ dos Beatles”, relembra.

O DJ diz que a qualidade do vinil é superior à de outras mídias, mas isso só é perceptível quando se tem um aparelho de qualidade. Sobre a sua relação com o

bolachão, ele afirma: “Eu toco em festas com o computador, uso o digital no carro e em casa, mas o vinil é uma paixão à parte! Ouvir vinil é diferente, você vê a músi ca, tem a experiência de colocar a agulha no disco, tem que virar, o som é diferente, você entra em contato direto com a música”, conclui.

César Araújo, um dos proprietá rios do Sebo Líder, localizado em Curitiba, diz que a venda de vinis é uma das principais responsáveis pelo faturamento da loja. Os dis cos são procurados por gente de todas as idades e, inclusive, ele diz que se surpreende com a quan tidade de adolescentes, na faixa dos 15 anos, que faz a compra desse tipo de mídia. Os valores variam de acordo com a raridade. Existem peças de R$1,50 e até de R$180. Para ele, a volta da popularidade do vinil foi estimu lada pelos colecionadores, “mas a grande mágica dos bolachões é a viagem no tempo que só eles nos permitem fazer”, conclui.

Uma desvantagem do vinil em relação ao CD é o espaço que ocupa.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 89 cultura

Compartilhando sonhos

Em Curitiba, trës atletas dividem o apartamento, os anseios e a vontade de vencer no esporte e na vida.

ECuritiba, três amigos dividem um apartamento no bairro Boa Vista. Até aí, nada fora do comum. No entanto, um deles é hexacampeão paranaense e bicampeão brasileiro

de futebol americano; outro é um lutador experiente de Mixal Martial Art (MMA), vencedor da primeira edição do The Ultimate Fighter Brasil (TUF Brasil) e tem contrato com o Ultimate Fighting

Championship (UFC); e o ter ceiro é uma revelação do MMA oriundo de Minas Gerais, com alguns títulos em seu currículo.

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esportes
Texto: Eduardo Souza, Jaderson Policante, Leonardo Siqueira e Marcio Galan Fotos: Eduardo Souza

Henrique Pucca

Henrique Timóteo de Loiola Puc ca, 26 anos, é natural de Curitiba, mas a família é de Londrina. Pucca nasceu em Curitiba, mas logo pequeno voltou a morar em Londrina. Lá, praticava vários esportes, dentre eles o hipismo. Henrique foi campeão parana ense com 11 anos, mas um revés financeiro fez com que o esporte, de alto custo, tivesse que ser deixado de lado. “Infelizmente, a empresa do meu pai quebrou, e eu fui forçado a partir pra outra.” A escolha, ainda em Londrina, já foi por um esporte jogado com a bola na mão, o handebol.

Retornando a Curitiba, Henrique entrou em um colégio que não tinha handebol , e, assistindo a uma partida de futebol america no, tomou conhecimento de um time local. “O pessoal da trans missão mandou um abraço para o Barigui Crocodiles (nome do Coritiba Crocodiles em 2006), dei uma pesquisada e fui treinar no sábado. No outro final de semana, já estava jogando.”

Ao lado, Pucca com a cami sa de um dos vários títulos pelo Crocodiles. Abaixo, com a camisa 67, em ação por mais uma partida.

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esportes

Pucca sempre sonhou em representar o seu país de alguma maneira e guarda com orgulho a camisa da seleção brasileira de futebol americano.

O futebol americano cresceu muito no Brasil. Pucca lembra que, no começo, as coisas eram difíceis, principalmente pelo alto custo dos equipamentos. “Na época ainda era off-pads (box à direita), né? Logo no meu primei ro jogo, teve gente que quebrou o nariz, teve convulsão em campo”.

As dificuldades financeiras podem ser consideradas um dos maiores obstáculos para os atletas de fute bol americano, ou para qualquer praticante de esportes amadores no Brasil. Tanto no começo, com o alto custo dos equipamentos, como tratamento de lesões devido à prática do esporte, e, atualmen te, com a expansão do esporte pelo Brasil, o custo das viagens para os jogos são bancados pelos próprios jogadores.

Geralmente o dinheiro dá, eco nomizando um pouco aqui e ali. Mas, em sua última convocação para a seleção brasileira, para a disputa por uma vaga no cam

peonato mundial, não teve jeito: Pucca teve que pedir aos amigos, e até fazer um empréstimo. “Fiz um financiamento no banco, de R$ 3 mil. Parcelei em 16 vezes. O complicado dessa história é que eu trabalho no banco, eu não posso ter nome sujo nem cheque devolvido. Então, se eu atrasar uma parcela, eu estou na rua”, relembra rindo.

Pucca é formado em Direito e trabalha em uma grande rede de bancos. Mesmo assim, ainda é difícil aliar os custos da vida pes soal com a do futebol americano. Quando os seus pais decidiram voltar para Londrina, Henrique decidiu ficar em Curitiba e teve que ir morar sozinho. Na acade mia em que malhava, patroci nadora do Coritiba Crocodiles, conheceu Arthur, que tinha che gado de Minas Gerais há pouco tempo, e ainda não tinha lugar fixo para morar. Os dois viraram amigos e, ambos sem lugar para ficar, decidiram alugar um aparta mento e dividir os custos.

Off-pads

Off-pads é como os jogadores chamam a época em que se jogava sem os equipamentos de segurança. Pads são as ombreiras de proteção usadas pelos jogadores, e, atualmen te, indispensáveis em qualquer partida oficial no Brasil.

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esportes

Arthur Vieira, 23 anos, é natural de Boa Esperança, Minas Gerais. Começou cedo no mundo das lutas: aos 10 anos, ingressou no jiu-jitsu e, a partir dai, as con quistas vieram. Títulos brasileiros em algumas categorias e uma participação no Pan-America no, em Brasília, alavancaram a sua carreira, e os convites para lutar no octógono começaram a chegar. Aos 20 anos, aconteceu sua estreia no MMA no evento Jaula Fight em Minas Gerais, conquistando o cinturão. Com o destaque, surgiu a oportunidade de vir para Curitiba treinar com o mestre André Dida, que já treinou com grandes nomes do MMA brasileiro, como Shogun Rua e Wanderlei Silva.

Contudo, uma difícil decisão teve de ser tomada. Arthur estava no segundo ano da faculdade de Educação Física em Minas Gerais e não seria possível conciliar

Acima, Mestre Dida supervisio na e da di cas durante os treinos na Evolução Thai.

Ao lado, Arthur Vieira durante os treinos.

Jornalismo PUCPR Revista CDM 93
Arthur Vieira
esportes

Pride

O Pride Fighting Cham pionships, popular mente conhecido como Pride, foi um evento de MMA realizado no Japão nos anos 90.

Ao lado,

Viei ra (esq.) e Rony Jason (dir.) duran te treino na Evolução Thai.

os treinos e o estudo na capital paranaense. E, em maio de 2013, Arthur resolveu deixar tudo para trás e correr atrás de seu sonho. E foi treinando na Evolução Thai, com o professor Dida, que ele conheceu Rony Jason.

Rony Jason

Rony Mariano Bezerra de Lima, 31 anos, é natural de Quixadá, no Ceará. Jason é faixa preta de jiu-jitsu e pratica sua especialida de desde os 15 anos de idade. O cartel (seu retrospecto) é de dar inveja: de 110 lutas, são 106 vi tórias. O apelido também vem da mesma época, em referencia a um lutador dos tempos do Pride (ver box à esquerda). “O Sakuraba sempre entrava de uma maneira divertida nas lutas dele. E, na final de um campeonato estadual, incorporei a brincadeira, comprei uma máscara do Jason (assassino da série de filmes Sexta-feira 13), ganhei o campeonato e nunca mais larguei a máscara.”

Rony conta que seu começo no mundo do MMA se deu por acaso. “Eu não cheguei (ao MMA), eu fui empurrado. Cai de paraquedas”, comenta aos risos. Em 2006, com a lesão de um colega, Jason fez sua estreia como profissional contra o lutador Alessandro Cabeça. E mesmo com apenas duas semanas de preparação, venceu seu oponente por nocaute técnico no segundo round. Mas foi só em 2012 que o reconhecimento chegou.

Jason foi um dos 32 escolhidos para participar da primeira edição do TUF Brasil e, em 23 de junho de 2012, fez a final da categoria dos pesos penas (de 62 a 66 kg) contra Godofredo Pepey no UFC 147. Como premiação, Rony assinou um contrato de seis lutas com a franquia. Nas primeiras cinco lutas foram três vitórias e duas derrotas, e foi na preparação para a última luta (realizada no dia 30 de maio de 2015, com vi tória de Rony Jason), que surgiu

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Arthur

o convite do mestre Dida para vir a Curitiba. “Coincidentemente um dos meus treinadores no TUF, foi o André Dida. Cria mos um vínculo de amizade que cresceu com o passar do tempo e decidi fazer minha preparação aqui.”

Rony ainda relata que alguns fatores, além da amizade com o treinador, pesaram na decisão de vir para a capital paranaense, mas que o principal deles foi de “sair da área de conforto” que ele tinha em Natal. “Lá, eu tenho meu apartamento, meu carro, tenho uma certa estabilidade, mas eu me sentia saturado. Esse brilho no olhar que o Arthur (Vieira) tem na hora de ir treinar, eu não tinha mais.”

Curitiba se tornou para Jason não só um novo local para treinar, mas também serviu como fonte de renovação pelo amor que ele sente pelo esporte. “Eu vim pra tomar tapa na cara mesmo, andar a pé, treinar três, quatro períodos por dia. Não vou dizer que passo necessidade, mas as coisas têm sido um pouco mais desafiadoras. Ainda mais com o frio que faz aqui”, conclui o lutador.

Ao lado, Rony Jason traz na pele as lembran ças da vitó ria no TUF Brasil e o desenho da inspiração para o seu apelido. Abaixo, mesmo lon ge de casa, Jason con serva sua paixão pelo Fortaleza, seu time do coração.

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Eu vim pra tomar tapa na cara mesmo, andar a pé, treinar três, quatro períodos por dia. Não vou dizer que passo necessi dade, mas as coisas têm sido um pouco mais de safiadoras.” Rony Jason, lutador de MMA.
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Pádel

Derivado do tênis, apesar muito práticado no sul do Brasil, o esporte ainda é pouco reconhecido e incentivado

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Revista CDM Jornalismo PUCPR Andressa Elesbão, Giovanna Kasezmark, Glaucia Périco e Raphaela Viscardi.
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Muitas vezes confundido com o tênis, o pádel é um esporte alternativo que cresce cada vez mais no Bra sil, principalmente em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. O esporte é caracte rizado pelas quadras cercadas por paredes nos fundos e nas laterais, as quais podem ser utilizadas no jogo, o que o torna mais dinâmi co. As bolinhas, raquetes e a con tagem são as mesmas utilizadas no tênis e não há uma restrição no público praticante. Crianças e idosos, homens ou mulheres, podem jogar.

Criado por passageiros de navios ingleses que tentaram improvi sar o tênis, o pádel existe desde meados do XX, mas só passou a ser praticado em terra firme em 1924, quando ganhou espaço principalmente nos parques de Nova York. No Brasil, o espor te foi trazido por argentinos e uruguaios por volta de 1988 e se tornou conhecido primeiro nas cidades gauchas de Jaguarão e Livramento.

Com o tempo, o pádel se difun diu por todo o Rio Grande do Sul e acabou atingindo outros estados do país, como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Hoje, cada estado possui sua pró pria Federação de Pádel, as quais são responsáveis pela organização dos campeonatos estaduais. O campeonato nacional é de res ponsabilidade da Confederação Brasileira de Pádel (Cobrapa), enquanto o mundial fica a cargo da Federação Internacional de Pádel (FIP).

Seleção brasileira

As Seleções Brasileiras de Pádel são consideradas as terceiras melhores mundo, ficando atrás apenas da Argentina e Espanha. São ao todo três seleções: femini na, masculina e menores.

Mariana Borges Altmayer, de 37 anos, jogou tênis até os 18 e, desde então, por influência da irmã, passou a práticar pádel. A jogadora está na seleção brasileira desde 1998 e já garantiu oito mundiais para o país. Ela afirma que o Brasil tem grande potencial de crescimento no esporte, mas que para isso precisa vencer as barreiras da falta de incentivo e dilvulgação. “É interessante para ver a proporção que o pádel tem hoje, na Espanha, onde tem incentivo, ele é o segundo esporte mais jogado do país. Em Portugal também está crescendo horrores, como no resto da Europa. A Argentina já é forte. Então, essa é a questão.”

“O pro ble ma é sem pre

profissionais é a falta de patroci nio”, explica.

Para Ferreira, a única maneira de viver do pádel no Brasil é sendo treinador da modalidade. “Não se pode viver só jogando e contar com as premiações dos torneios, pois o valor dos prêmios não é suficiente”, ressalta o treinador.

Para Bruno Nakid, de 31 anos, também da seleçao brasileira, que pratica o pádel desde 1999, um dos fatores que impede o crescimento do esporte no Brasil é a falta de espaços adequados para praticar. “Falta muita coisa, mas em primeiro lugar, mais academias. Nos até temos uma

“Como não tem visibilidade na mídia, televisão, jornal, fica mais difícil captar um patrocínio...e ao mesmo tempo o esporte não é divulgado.”

Mariana Borges Altmayer, jogadora profissional de pádel.

patrocínio. Como não tem visibi lidade na mídia, televisão, jornal, essas coisas, fica mais difícil de captar um patrocínio grande, e, ao mesmo tempo, o esporte não é tão divulgado”, explica a joga dora. “Nós não temos incentivo nenhum. Faz três anos que eu sou a número um do Brasil e hoje eu tenho patrocínio de uma marca de raquete, que me dá roupa e a raquete, mas, em termos finan ceiros, é tudo por minha conta: todos os treinos, assistência para campeonatos, as viagens, é tudo do meu bolso”, completa.

De acordo com o técnico e dono da única academia de Pádel de Curitiba, Beto Ferreira, o esporte vem crescendo no Brasil, mas ainda a passos lentos, por conta da falta de incentivo. “Hoje temos cerca de mil associados à Federação Brasileira de Pádel, o que é pouco se comparado a outros esportes no Brasil. O que dificulta o pádel chegar a níveis

demanda boa de pessoas que querem jogar, mas falta espaço, faltam quadras”, relata.

Em Curitiba

Na capital paranaense, o pádel é praticado em quadras fechadas, localizadas na única academia destinada ao esporte na cidade, a Curitiba Pádel. São ao todo sete quadras que estão com frequ ência ocupadas pelos jogadores. “Estamos sempre com a agenda cheia. Temos lista de espera, prin cipalmente nos horários da noite, então qualquer pessoa pode jogar, mas o que eu não posso garantir é que tenha espaço para o jogo”, relata. O treinador ressalta ainda que gostaria de construir mais quadras para a prática do esporte, porém também falta em Curitiba é lugar para a contrução.

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Jornalismo
PUCPR Revista CDM
Mariana Borges Altmayer, número um do Brasil há três anos.
esportes
Glaucia Périco

Cicatrizes para a vida

Em meio a títulos e boas lembranças, também estão as lesões. Jogadores de futebl americano paranaenses contam momentos difíceis na carreira.

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Omomento mais com plicado da carreira de qualquer atleta é quando ele se lesiona. A dor é comparável à de não poder praticar o esporte que se ama. Quando se é profis sional, o sofrimento é grande. É preciso ficar em repouso, fazer cirurgias e sessões de fisioterapia exaustivas, que são pagas por um

seis vezes seguidas, bicampeão brasileiro e hoje faz parte do elenco da seleção brasileira que jogará o mundial da modalidade, nos EUA.

Essa história de vitórias e conquis tas passou por um momento bem delicado. Durante a partida de quartas de final do campeonato brasileiro de 2013, Adan recebeu

Como sou personal trai ner, eu não

Rodrigues.

investidor ou até pelo próprio time, no caso do futebol americano. Mas e quando o atleta é amador? Quando se corre o risco de perder o emprego? Conheça a história desses jogadores e veja até onde é possível ir quando se ama o que faz:

Adan Rodrigues, 28 anos

Formado em Educação Física pela PUCPR, o personal trainer Adan Rodrigues é figura conhecida no cenário do futebol americano nacional. Começou a praticar o esporte em 2005, com 17 anos, e participou de momentos impor tantes do desenvolvimento do fu tebol americano. Com apenas 21, mobilizou atletas de vários times do Paraná para que montassem a Federação Paranaense de Futebol Americano (FPFA), com o intuito de organizar um campeonato estadual. Assim, ele se tornou o pri meiro presidente da FPFA. Dentro de campo, foi campeão paranaense

uma pancada nas costas e fratu rou quatro vértebras, fato que o deixou em uma cama hospitalar em repouso. “Foi um momento muito triste, mas também de muito aprendizado”, relembra. “Como sou personal trainer, eu não tenho salário fixo. Se eu dou aula, ganho meu dinheiro. Caso contrário, não. Exatamente um mês após a lesão, a equipe de Adan jogaria a semi-final do campeonato e ele fez do jogo um objetivo. “O médico falou que eu era louco”, ele comenta. Minha namorada, que é fisioterapeuta, também achou que era loucura, mas ela me ajudou. Ela fazia o máximo de sessões possíveis por dia, para eu me recuperar.”

Ao fim dos 30 dias, o médico final mente o liberou para a partida, na qual Adan “anotou” o touchdown que levou a equipe à final do cam peonato. “Quando eu entrei na end zone foi uma emoção muito forte. Todo mundo sabia pelo que eu ti nha passado, tanto quem estava em campo quanto na arquibancada, e todo mundo

Jornalismo PUCPR Revista CDM 101 esportes
tenho salário fixo. Se eu dou aula, ga nho meu dinheiro. Caso contrário, não.” - Adan
Eduardo Souza

comemorou comigo. Foi uma experiência única.”

Bruno Santucci, 26 anos

Defender a seleção do seu país é algo grandioso. Poder viajar com a seleção e defender suas cores fora do território nacional é ainda mais emocionante. Santucci atualmente defende a seleção e faz parte do elenco que disputará o mundial da modalidade nos Estados Unidos, mas a história de sua lesão no joelho vem de uma partida da seleção no Uruguai.

Ao todo, foram 12 horas de via gem até Montevidéu, sendo várias horas de ônibus e ainda algumas de avião. Durante a partida, Bruno “anotou” um touchdown e, ao fim da jogada, um jogador da defesa caiu em seu joelho, rompendo o ligamento cruzado e o comprometendo o menisco.

Mesmo sabendo da situação, ele voltou a campo enfaixado e lutou até o fim da partida. O que parecia um momento de heroís mo virou pesadelo. Com o joelho inchado, ele teve que deixar a concentração da seleção e voltar ao Brasil (mais de 12 horas de viagem) e ir ao médico.

Os exames apontavam que seria necessária uma cirurgia, porém, o atleta estava sem plano de saúde. Sendo assim, a única opção era recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento. Porém, essa novela ainda tinha um outro capítulo pela frente. Devido a um problema pós operatório, uma semana após a cirurgia, foi diagnosticado que

ele tinha uma trombose na perna. “Foi um baque muito forte. Eu sou muito novo e de uma hora pra outra eu estava em uma situa ção de vida ou morte.” Foram 50 dias de cama, sem condições de fazer nada sozinho.

A realização do sonho poderia ter sido perfeita: em uma convocação para a sele

ção brasileira, Bruno teve a pior lesão da sua carreira

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“Foi um baque muito forte. Eu sou muito novo e de uma hora pra outra eu estava em uma situação de vida ou morte”. Bruno Santucci.
Eduardo Souza

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